O MENDIGO
Pobre mendigo, coitado
Vejo por terra caído
Pela doença prostrado
Pela miséria abatido
Em vão derrama seu pranto
Lastima, chorando tanto
Sofre sem saber por que
Mas não encontra um cristão
Que tenha pena e lhe dê
Procura seu aposento
Em um recanto de muro
Sente em si o ferimento
Das garras de seu futuro
Pensa por onde pediu,
Migalhas que adquiriu
Em sua aventura vã
Aumenta mais seus pesares
Imaginando os lugares
Que vai pedir amanhã
Sobre o chão do calçamento
Procura um recanto e dorme
Exposto à chuva ao vento
Entregue a um desprezo enorme
Descalço, sem cobertura
Deitado na laje dura
Como seja um criminoso
Quem passa, olha, escarnece
Com certeza desconhece
O seu irmão desditoso
Sem amigo, sem escola,
Sem pátria, sem lar, sem nome
Se ninguém lhe dá esmola
O desditoso não come
Deitado no calçamento,
Exposto a todo tormento
Que a natureza enviou
Clama por Deus, se maldiz
No seu fadário infeliz
Que a mão da sorte traçou
O rico não lhe concede
Uma migalha de pão
Em todo lugar que pede
Ninguém lhe presta atenção
Chora, ninguém lhe conforta
Dizendo de porta em porta
‘Uma esmola a quem não tem’
Se uma porta se fecha
Sente na alma uma queixa
Mas não revela a ninguém
Com a roupa esfarrapada,
Cambaleando e caindo
Vai de morada em morada
Qualquer migalha pedindo
Por sua infelicidade
Atravessando a cidade
Fala da casa dum nobre
Diz alguém ‘fuja daí
Porque nós todos aqui
Temos alergia a pobre’
Senta-se no chão da praça
Implorando compaixão
Se uma pessoa passa
Ele diz, abrindo a mão:
‘Esmola a um infeliz’
Se ninguém dá, ele diz:
‘Ninguém tem pena de mim’
Entre as mãos oculta o rosto
Miséria, fome e desgosto
Aponta seu triste fim
Vai chorando sem consolo
Ao seu abrigo primeiro
Da metade de um tijolo
Ele faz seu travesseiro
A franqueza lhe consome
Devido a terrível fome
Sente a carne angustiada
Lembra as vias que seguiu,
Das pessoas que pediu
Não pôde adquirir nada
Passa a vista em seus destroços
O rosto em suor banhando
Empregando mil esforços
Se apoia do outro lado
Ao pensar na sua sorte
Sente o fantasma da morte
Dar-lhe o golpe seguro
Morto amanhece o mendigo
Em seu primitivo abrigo
Lá, no recanto do muro...
João Batista de Siqueira “Cancão”


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