“Deus me deu esse pedaço de
sombra. É debaixo dela que eu vou morrer”, disse o dono da única casa de taipa
que resistiu ao tempo no centro da cidade de Serra Talhada, no Sertão do
estado. Há 40 anos, José Celestino da Silva resolveu deixar a roça e mudar para
“a rua” com toda a família. Era tempo de botar os quatro filhos para estudar.
Com cem mil réis comprou um terreno na Rua Luiz Alves de Melo Lima e, sozinho,
levantou sua morada. Aos 88 anos, Celestino vive hoje com a esposa Graça Maria,
um filho e uma nora. A casa de número 1080, que fica um pouco recuada da
calçada, hoje destoa dos outros imóveis do bairro AABB, predominantemente, de
classe média alta. “Já chegou um ricão aqui oferecendo R$ 200 mil na minha
casa. Ele disse que a gente iria ao cartório para passar os papeis, ele me
pagaria e que só iria querer a casa depois que eu e minha velha morrêssemos.
Disse a ele que não iria morar no que era dos outros. Daí ele foi embora danado
da vida”, conta Celestino, com um sorriso no rosto.

Na porta, duas cruzes de palha dão as
boas-vindas a quem visita a pequena casa dos Silva. Na sala, uma estante de
ferro serve de apoio para duas malas antigas, uma delas de madeira. São nelas
que Celestino guarda suas roupas. “Tenho tanta roupa guardada que num dá tempo
nem de usar tudinho”, revela o aposentado. Um sofá, uma cama de solteiro, uma
mesa e três cadeiras completam o cenário do principal cômodo da casa. A cada
vão visitado, o encontro com o passado é surpreendente. De tão velho, o rádio
da década de 1950 já não toca, mas tem lugar cativo na parede da cozinha. “Eu
gosto muito de música, mas esse bichinho não toca mais. Já a televisão tá
boazinha”, comemora Celestino. Quem passa pela frente da charmosa casa de
taipa, não pode imaginar, nem de longe, “os tesouros” que lá estão guardados.

Na
final de semana passado, Serra Talhada foi atingida por fortes chuvas. Mais de
100 famílias enfrentaram problemas devido à força da água que invadiu a cidade
e chegou a derrubar muros de tijolos. Indiferente ao dilúvio, a casa de
Celestino se manteve firme e forte. “Foi muita água. Ficou tudo alagado aqui na
frente e passou muita água pelos lados das paredes, mas aqui dentro não entrou
nada. Esse telhado também não tem uma goteira”, garante, orgulhoso. Celestino
lembra que andava muitas léguas para buscar as madeiras que sustentam sua casa.
“Fiz tudo isso sozinho. Fui eu e Deus. O barro que está nessas paredes foi
tirado desse chão que a gente está pisando agora”, aponta o aposentado.
Educado, o aposentado conduziu a reportagem do Diario por todos os vãos da sua
casa. Apresentou até o felino da família. O nome dele: “é gato mesmo”. O
banheiro fica no quintal da residência. “Num gosto de banheiro dentro de casa,
não”, resmunga. Antes de parar de trabalhar, Celestino disse que já foi
vaqueiro, amarrador de burro, fez cerca de arrame e trabalhou com agricultura.
Hoje, com um marcapasso no peito, está mais contido. “Tô com quase 90 anos e
ainda consigo me baixar e levantar várias vezes”, revela.
Via Pajeú da Gente
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