PROSA SOBRE
GLOSA
Tenho pesquisado sobre a Glosa e percebi que o
estilo propriamente dito anda um tanto quanto fora de uso. Não sei se é porque
em sua gênese o estilo possui um apelo tido por imoral na maioria das vezes, ou
se apenas pelo crescimento e advento das poesias tidas como “livres e
modernas”.
O fato é que tenho empenhado – com a ajuda de alguns
amigos – verdadeiro esforço em trazer de volta as glosas, para o nosso
divertimento próprio e, depois, para fazer rir, também, os amigos mais
próximos. Para isso haja fescenismo nas poesias.
A Glosa, como já sabemos, é uma poesia popular
desenvolvida a partir de um mote geralmente feito em dois versos. Geralmente
esse mote era criado por alguém e desenvolvido pelo glosador (poeta) provocado.
Algumas diretrizes para a criação de um mote devem
ser respeitadas. A sílaba tônica sendo a sétima do verso, havendo raríssimos
casos do não uso “dessa regra”, além, claro, das “leis gerais da metrificação”.
E pesquisando sobre o tema vou encontrando tesouros
e me aprofundando na busca de maior riqueza literária. Por exemplo, eu descobri
que no Rio Grande do Norte a forma mais comum de se escrever Glosa usa – de uma
prática herdada da região do Assu – o esquema de rimas ABBAACCDDC.
Há também o estilo criado sobre um mote de apenas um
verso, coisa bem rara no Brasil e desusada também em Portugal.
Tomo por exemplo o mote “Nem tudo que tomba cai”,
que o poeta Manoel Pitomba de Macedo (1924 – 1957), assuense, assim glosou:
Nem todo homem tem brio
Nem toda moça se casa
Nem todo fogo tem brasa
Nem toda lã dá pavio.
Nem todo inverno faz frio,
Nem todo filho tem pai,
Nem tudo que entra sai,
Nem toda fera é valente,
Nem todo lorde é decente
Nem tudo que tomba cai.
Apesar do mote em apenas um verso, a distribuição da
rima se deu no estilo dominante nas glosas de autores potiguares (ABBAACCDDC).
Se há uma forma clássica no estilo poético da Glosa,
poderíamos defender o primeiro verso desse mote caindo na quarta linha da
poesia e o segundo na décima. Tal estilo é o mais comum também em Portugal,
onde a Glosa Fescenina foi bastante popular, principalmente na poesia jocosa
composta para a diversão.
O mote composto por três versos esteve sob grande
apreciação no Brasil colonial, mas se perdeu com o tempo.
Aliás, é do período citado a obra de Gregório de
Matos Guerra (1636 – 1695), que por suas obras fesceninas foi apelidado de Boca
do Inferno ou Boca de Brasa, pois que não economizava na sátira e da indecência
quando glosava para criticar um inimigo, ou mesmo, apenas, para divertir seus
pares.
No livro A Arte do Poeta (Livraria
São José, 1956, pag. 51) o autor Murilo Araújo cita a glosa como um “gênero de
pequenos poemas, muito usado no século XVIII e que consistia em compor a peça
lírica sujeito à obrigatoriedade de encerrar estrofes com versos do mote, fornecido
por outra pessoa”. Para o autor citado a Glosa é um elemento vão de verbalismo
e dificilmente pode ser considerada como verdadeira poesia.
No livro Glosa Glosarum (Edições
Clima, 1979) do assuense Celso da Silveira, o autor demonstra grande conhecimento
sobre glosas e chega a fazer uma breve análise entre a semelhança da Glosa e da
Décima. Ambas são, pela compreensão de Celso, “ligeiramente diferentes, pois a
primeira é rigorosamente uma composição septisilábica, a outra varia até o
decassílabo, embora ambas sejam poemas de dez versos”.
Há certa discussão sobre a origem de ambas. Muitos
defendem que as duas têm a mesma pátria. Outros defendem a Décima com origem na
Espanha, onde Miguel de Cervantes (1547 – 1616) formulava as suas obras no
estilo ABABACCDDC.
As primeiras décimas portuguesas, por sinal,
observavam a sequência de rimas obedecendo ao esquema ABBAECCDDE.
Tal debate é objeto da pesquisa de Luiz da Câmara
Cascudo, e foi evidenciado em sua obra nas páginas dezoito e dezenove do seu
livro Vaqueiros e Cantadores (Edições de Ouro, 1970), no qual
o autor defende que no Brasil mais rural tanto na Glosa quanto na Décima
reinava o esquema ABBAACCDDC.
Da Paraíba, mais precisamente de Bananeiras, trago
hoje o mote e os versos de Felício Vaz Guedes, funcionário público, nascido em
dezesseis do século passado e morto em setenta e seis do mesmo século, saindo
do estilo satírico, jocoso e fescenino tradicional da Glosa.
Mote:
Doutor, eu não sou poeta
Sou curioso somente.
Glosa:
Qualquer um que saiba veta
Os versos que às vezes faço,
Pra rimar sinto embaraço,
Doutor, eu não sou poeta.
Versejando pego a reta,
Com medo de muita gente
Também não sou descendente
De Bilac ou Mariano,
Pra não entrar pelo cano
Sou curioso somente.
Daí, eu vou sobre o mote de Felício Vaz e destaco da
minha pena, extensão do meu pensar:
Queria cumprir a meta
De viver só de poesia
Mas descobri outro dia
Doutor, eu não sou poeta.
Isso muito me afeta
Chegando a ser comovente
Meu esforço diligente
Pra fazer verso perfeito
Mas creio que não tem jeito
Sou curioso somente.
Fonte: Jornal Besta Fubana
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