Nossa querida Beth Carvalho partiu hoje
as 17:33, cercada do amor de seus familiares e amigos. Agradecemos todas as
manifestações de carinho e solidariedade nesse momento. Beth deixa um legado
inestimável para a música popular brasileira e sempre será lembrada por sua
luta pela cultura e pelo povo brasileiro. Seu talento nos presenteou com a
revelação de inúmeros compositores e artistas que estão aí na estrada do
sucesso. Começando com o sucesso arrebatador de “Andança”, até chegar a Marte
com “Coisinha do Pai”, Beth traçou uma trajetória vitoriosa laureada por vários
prêmios, inclusive um Grammy pelo conjunto da obra. Assim que possível,
informaremos sobre o sepultamento".
A madrinha do samba
Aonde ela foi, sambista nenhum jamais chegou: Marte. Em 1997, a interpretação
de BethCarvalho para “Coisinha do pai”, de Jorge Aragão, foi
escolhida pela Nasa para “acordar” o robô Sojourner, enviado em missão ao
planeta vermelho.
Beth despertou para o mundo no mesmo lugar que serviu de berço para
o samba. Elizabeth Santos Leal de Carvalho nasceu, dia 5 de maio de
1946, no bairro da Gamboa, região portuária do Rio de Janeiro, área onde o
samba surgiu, no começo do século passado. Mas Beth foi criada mesmo
na Zona Sul, onde desenvolveu três paixões: o Botafogo, a Mangueira e o PDT de
Leonel Brizola.
A música estava próxima desde o começo. A avó tocava bandolim e violão;
a irmã cantava. Bethouvia desde cedo a Rádio Nacional, mas também tinha
música ao vivo em casa. O pai, advogado, era amigo de cantores, que
frequentavam a casa da família. Beth ouviu do sofá gente como Silvio
Caldas e Elizeth Cardoso.
No carnaval, subia num caixote com a mãe para ver a Mangueira passar,
numa época em que a Portela ganhava todos os carnavais. Decorava todos os
sambas-enredo do ano. Só ficou difícil quando, aos 17 anos, arrumou um namorado
que odiava a folia. Numa terça-feira gorda, ao se ver sozinha em
casa, Beth não pensou duas vezes: vestiu a fantasia de havaiana,
ligou a TV e sambou até de madrugada.
Apesar de ser intérprete de um ritmo vindo das classes populares, a
família de Beth tinha uma vida financeira boa. A menina, ainda
criança, estudou balé clássico e frequentou um curso de etiqueta para mulheres.
Tinha aulas de como segurar um guarda-chuva, usar garfo e faca e entrar ou sair
de um automóvel — com classe.
Só que o golpe militar, em 1964, trouxe problemas para a família da
cantora: seu pai, fã de Lênin, foi demitido do cargo que ocupava no Ministério
da Fazenda. Aí o dinheiro faltou na casa
dos Carvalho. Beth começou a dar aulas de violão para ajudar os
pais.
Como cantora, não começou com o samba, mas com a bossa nova. Encantada
por João Gilberto, se apresentou com o ritmo em festivais universitários e
shows. Chegou a gravar um compacto, em 1965, em que interpretava “Por que
morrer de amor?”, de Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli. Mas no ano seguinte já
se aproximava do ritmo que a consagrou, participando do show “A hora e a vez do
samba”, com Nelson Sargento e Noca da Portela.
Fez gravações históricas de mestres do samba, como Nelson Cavaquinho,
Cartola, Nelson Sargento e Carlos Cachaça. O desejo de buscar o samba onde ele
estivesse a levou à quadra do Cacique de Ramos, em Olaria, no momento em que
despontava uma geração de novos talentos ali — e mais que isso, de uma nova
forma de tocar samba, usando instrumentos como banjo e repique de mão. Acabou
por revelar artistas ligados ao Cacique, como Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz,
Almir Guineto e Jorge Aragão. Ao longo da carreira, continuou a chamar a
atenção para novos talentos que surgiam, como Mariene de Castro e Quinteto em
Branco e Preto, sem deixar nunca de gravar os bambas pioneiros. Tinha, por
isso, o apelido de madrinha, do qual gostava, mas com reservas. Sempre achou um
absurdo, no Brasil, artistas como Cartola precisarem de padrinhos para ser
reconhecidos.
Problema na coluna
Em 2007, a cantora brigou com sua escola de samba do coração. Por conta
dos problemas na coluna, pediu espaço em um carro alegórico, já que não
conseguiria desfilar a pé. Ao chegar a hora do desfile, foi impedida de subir
no carro, sob argumento de não ser “um baluarte”. Bethficou magoada, disse
só voltar a desfilar na verde-e-rosa se recebesse um pedido de desculpas — que
não veio. No ano seguinte, saiu na Viradouro, que homenageou Cartola.
Já 2009 foi um ano melhor. Beth foi homenageada no Grammy
Latino, em Las Vegas, ocasião em que recebeu o “Lifetime achievement award”,
prêmio do Grammy por sua carreira completa. No mesmo ano, veio o pedido de
desculpas da Mangueira. O novo presidente à época, Ivo Meirelles, assumiu a
escola e convidou Beth para a homenagem que a Mangueira faria a
Nelson Cavaquinho no carnaval do ano seguinte. A cantora desfilou de cadeira de
rodas.
A cadeira de rodas mostrava uma piora no problema de
coluna. Beth Carvalho havia fissurado o sacro, osso na base da
coluna. Precisou colocar dois parafusos para ajudar na calcificação. Brincava
que, além de interplanetária, tinha virado “uma mulher biônica”. Só com bom
humor mesmo para dar conta dos 18 meses em que precisou ficar de cama, por
conta da lesão. Voltou aos palcos em 2011, mesmo ano em que lançou “Nosso samba
tá na rua”, seu álbum mais recente. Em 2012, ganhou o Grammy Latino pelo CD.
O GLOBO ‘CULTURA’
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