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Esse blog tem como objetivo difundir a Música Popular Brasileira em geral, seja ela qual for: a música do Sul, a musica do Cariri, a Pajeuzeira ou mesmo outros ritmos de regiões diferenciadas. Nasci no Sertão do Pajeú, lugar onde a poesia jorra com muita facilidade e que os Poetas do Repente cospem versos com uma precisão incrível. Sempre tive esta curiosidade de fazer postagens e construir um blog. Aliás, criar um blog é simples e rápido, mas, o difícil mesmo é mantê-lo vivo e pulsante. Uma tarefa difícil e tem que ser feita com muita dedicação e precisão, sei que às vezes agradamos a uns e desagradamos a outros; também pudera, não somos perfeitos e isso acontece em todas as áreas e campos de trabalho. E para que o blog aconteça, tenho que desafiar o meu tempo e fazer propagar até aqueles que acessam e fazem aquisições de temas no gênero da música, da poesia e outros segmentos da cultura brasileira. Não tenho a experiência de um Blogueiro profissional, mas, como se diz: “Experiência só se conquista com tempo, perseverança e dedicação”. É isso aí, espero que curtam esse espaço que faço com exclusividade para vocês.


Obs.: Do lado direito do seu monitor adicionei uma rádio (Cantigas e Cantos) com a finalidade de que você leia e ao mesmo tempo ouça uma seleção musical exclusivamente feita por mim. Também inserí fotos Antigas da Capital da Poesia (S. José do Egito), fotos retiradas do Baú do Jornalista Marcos Cirano.


Texto: Gilberto Lopes

Criador do Blog.

sábado, 15 de julho de 2017

Poesia: "Eu sou o poeta!", um texto de Luis da Camara Cascudo



Eu sou o poeta!

Alto, ágil, entrou, saudou curvando a estatura de mosqueteiro da Rainha, reaprumou-se e disse com naturalidade, com precisão, com nitidez – eu o poeta Rogaciano Leite!
Era mesmo o poeta. Lembrei-me de Guerra Junqueiro no processo  criminal do PÁTRIA. Qual  é a sua profissão? – perguntou o Juiz formador da culpa. Poeta! – respondeu o velho Guerra. Não era. Junqueiro era lavrador de vinhas, dono de quintas em Barca d’alva, comprador de bric-a-brac em Espanha, antiquário em Lisboa, ganhando dinheiro com raridades pseudas e verdadeiras. Conheço várias peças de coleções suas,  o Museu que tem seu nome, no Porto, assombroso e discreto, por detrás da Sé Catedral. Não era, de profissão, Poeta.
Rogaciano é apenas, única, funcional, realmente, o Poeta. É o seu título, função credencial. A poesia não lhe é somente o conteúdo, mas o continente. Desaparecendo o motivo, evaporar-se-ia como uma ampola de perfume pulverizada.
Viva e sonora, irreprimível e divina na espontaneidade, turbulência musical, vibração irradiante, nele vive a poesia dos Bardos, dos Aedos, dos Olans, troveiro da corte d’Amor provençal. Minnesinger, de caneca de louça branca e cerveja doirada da Baviera, pagem do conto em Munich, batendo a rima, ritmando a frase, erguendo a voz, ao lado de Hans Sachs, na glória dos mestres cantores de Nuremberg.
É a coerência, a liberdade, a ousadia, a maturidade de defender sua fisionomia. Canta, declama, improvisa como sente a Poesia, divulgando-a na simplicidade, violência, instantaneidade duma inspiração oracular. Rimas e ritmos são apenas os horizontes limitadores dessa grande, tonta e luminosa ave de melodia e beleza verbal.
Nesse templo amável de poesia destilada, de inspiração concentrada em polarizações, medida nas escalas convencionais e intencionais do aplauso prévio, na combinação fraternal, no intercâmbio das turiferações políticas e no solidarismo doutrinário, obrigando aos devotos a vênia do enviado do Senhor, Rogaciano Leite é um ser livre, solitário na multidão sem Rei e sem Roque, sem bandeira com as cores rituais, sem compromisso e em obediência. Sua arte é humilde, tempestuosa, nua e pomposa, incenso a Castro Alves e aos contadores analfabetos, rude e boa, impetuosa e clara, cheia de alegria, de confiança, de amor, de exaltação.
Nele se reúnem, numa mobilização que é um milagre, vaqueiros, cantadores, violeiros, improvisadores, velhas e eternas forças do talento natural, sacudindo as pedras, como as fontes irrompem do solo, fazendo voar a placa de prata dos granitos.
Rogaciano Leite independe do tempo e do futuro. Revive Castro Alves e Casimiro de Abreu, florestas de Gonçalves Dias, mares verdes de José de Alencar. Os motivos poéticos não são expressos como faces unilaterais do tema, da sensação da emoção. Resume céu, mar, ares, homens e pensamentos, numa brutalidade revolvedora, instintiva, imediata e magnífica como uma força incomparável da Natureza. Seus versos trazem terra, árvores, aves, músicas, amores, tragédias.
Ressuscitou o perdido prodígio de falar aos mortos e às coisas imóveis. Do fundo do mare por detrás das estrelas, escondido nas pétalas de flor e nas lianas amazônicas, todos os entes, todas as coisas lhe obedecem ao apelo, ouvem-lhe a voz miraculosa, atendem-lhe ao chamado irresistível. E, na moldura das rimas, na quadratura inflexível do ritmo, desfilam monstros, florestas, oceanos, maravilhas.
Felibre provençal, Meistersinger wagnariano donzel trovador das bailas d’amor, companheiro del-rei dom Diniz, contador nordestino, amigo das vozes que perpetuam a Poesia viva do povo, possuidor do segredo das fontes inesgotáveis e dos caminhos sobre a onda crespa do mar, Rogaciano Leite é um orgulho para os nossos  sentidos contemporâneos, antigo, atual e sempre novo, impreciso, infixável, revolto, rio varando o mato, o Tabuleiro cinzento, a serra alta, o descampado sem fim.   
O marquês de Angeja andava em Lisboa vestido de saloio, com o chapéu redondo, a faixa apertando os calções, o jaleco na altura dos rins, o alforje às costas. Era um labrego que chamava de “Primo” aos duques e aos príncipes. Um dia, no casamento de Dom Carlos, o futuro de D. Carlos I, com Dona Amélia d’Orleans, chegou Angeja às portas da Igreja de São Vicente de Fora, cheia, rutilantes de fardões, joias, diademas, purpuras. Entrou para a sacristia e lá, ante o olhar surpreso dos guardas metendo as mãos no alforje foi arrancando peças e vestindo, uma a uma. Era a casaca bordada a oiro, o sapato de verniz, a meia de seda, o chapéu orlado de prata, a capa magna  de arminho, os crachás, condecorações, o espadim de oiro. Meia hora depois o saloio era um Par do Reino, conselheiro da coroa, na imponência, no prestígio, no poder da tradição nobiliárquica e funcional. E o saloio, agora Senador do Reino, saiu, elegante, leve, desdenhoso, e foi colocar-se no seu posto à direita do Reino de Portugal.
Rogaciano Leite foi vestindo, uma a uma, as peças de sua indumentária miraculosa. Voltou a ser, dizendo seus versos, improvisando sempre o poeta de outrora e de manhã, indo para a linha daqueles que tem o condão da voz eterna na Poesia viva.

 Luis da Camara Cascudo   

Natal, 10 de junho de 1948.

Prefácio retirado do livro “Carne e Alma” de Rogaciano Leite.

CANTIGAS E CANTOS

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