Filho
de agricultores de São José do Egito, Everson Aguiar, de 17 anos, teve
primeiras aulas formais de violão no país estrangeiro e hoje faz planos para o
futuro
Heleno, pai de Everson, enaltece o orgulho que sente do filho e não tem palavras para agradecer a oportunidade que o programa proporcionou. Foto: Rafael Martins/DP
Quando era pequeno, o pernambucano Everson
Heleno Aguiar costumava garimpar discos e filmes nas feiras livres de São José
do Egito, no Sertão pernambucano, onde ele nasceu. Pechinchava junto aos
comerciantes, recolhendo os vídeos de apresentações de violeiros e teleaulas de
dedilhado ao violão. Nas noites de domingo, enquanto colocava as últimas
aquisições do dia para tocar, começava a esperar pelo fim de semana seguinte.
Vendo filmes e ouvindo discos, semana a semana, Everson aprendeu a tocar
violão. Não imaginava que as cordas um dia o levariam ao Canadá.
Aos 17 anos, o mais novo dos três filhos de um casal de agricultores cursa o
terceiro ano do ensino médio na Escola Técnica Estadual Célia Siqueira, em São
José do Egito, no Sertão do Pajeú. Há anos, todas as manhãs, chega para a aula
com o violão sobre os ombros. O instrumento só é deixado no armário quando a
chuva desaba sobre a região, cobrindo de lama a Zona Rural do município, onde
ele vive com a família - antes do rapaz lançar-se sobre os mais de 20 km que
separam a residência e o centro de ensino, na garupa da motocicleta do pai.
"O violão foi presente do meu irmão mais velho e não me separo dele para
nada", conta. Foi em um de seus dias comuns, o violão nas costas, que
recebeu a notícia: seria um dos dez primeiros estudantes pernambucanos
contemplados pelo Programa Ganhe o Mundo Musical, oferecido pelo governo do
estado a alunos da rede pública com habilidades musicais, e estudaria por cinco
meses em Manitoba, no Canadá.

"O lugar mais distante de casa que eu conhecia
era o Recife, porque uma das etapas de seleção para o intercâmbio foi uma
entrevista no Conservatório Pernambucano de Música, na capital. Nunca imaginei
viajar para fora do Brasil", lembra o estudante, que embarcou para o país
estrangeiro em agosto de 2016. Para quem cresceu tomando emprestados violões de
vizinhos e familiares na tentativa de desenvolver um talento inato, Everson se
adaptou com facilidade às primeiras aulas formais de música na Brandon
University - oferecidas em paralelo aos estudos regulares. "Ganhei técnica
e teoria. É como se agora eu fosse capaz de realmente sentir a música, as
notas, muito mais do que antes", avalia. O pernambucano foi acolhido pelo
casal canadense Jennifer e Jared Jaffray e viveu com os filhos deles, os
pequenos London e Paige, de 4 e 3 anos, respectivamente - 'eles me deram meses
inesquecíveis", lembra.
A mais de 8 mil
quilômetros da cidade de Brandon, o agricultor Heleno Cícero de Aguiar, 53, e a
esposa, a agricultora Maria do Socorro da Conceição Aguiar, 50, aprenderam com
o filho a manusear um tablet antes da partida dele – foi o canal de comunicação
da família durante o intercâmbio. "Criei os perfis deles no Facebook, para
me enviarem mensagens. De primeira, não queriam que eu fosse. Eles tinham muito
medo, era tudo novo, desconhecido. Depois concordaram, ficaram mais tranquilos
porque prometi me comunicar. Mas foi muita saudade...", conta. Ele ainda
se emociona ao resgatar a separação da família, sobretudo do pai, a quem é
especialmente apegado.
"O violão foi presente do meu irmão mais velho e não me separo dele para nada", diz Everson. Foto: Rafael Martins/DP
A permissão para o carimbo no
passaporte de Everson teria sido, além de um gesto de esperança quanto aos
sonhos do filho, um voto de confiança na escola em que ele estuda: o gestor da
ETE Célia Siqueira, Niedson Amaral, tornou-se agente decisivo na missão de
convencer o casal de agricultores sobre o valor daquela oportunidade. Foi
Niedson quem conduziu o garoto muitas vezes ao Recife nos meses anteriores à
viagem, a fim de resolver toda a burocracia necessária ao embarque
internacional. "Acompanhei os pais na partida e no retorno, no aeroporto.
Nesse intervalo, Everson amadureceu longe de casa de maneira perceptível.
Sempre foi um menino curioso, interessado em aprender. Mas agora é menos
tímido, tem mais segurança para tomar decisões. Isso transformou o receio dos
pais em gratidão", testemunha. Na Célia Siqueira, três estudantes
participaram do Ganhe o Mundo em 2015, outros três embarcaram em 2016. Em 2017,
serão 13 representantes em países como Canadá, Chile e Estados Unidos, entre os
450 alunos.

"Eu tenho o sentimento de quem não sabe nem
como agradecer a Deus. Não existem as palavras para isso... para um pai que
sempre foi agricultor, que sempre foi pobre, e ver seu filho ganhar uma chance
que ele mesmo nunca poderia dar", diz Heleno Cícero, escolhendo as frases
com cuidado, cutucando a emoção. "Com pouca instrução", como ele
descreve a si mesmo e a esposa, Heleno e Maria do Socorro criaram três filhos
em São José do Egito. O mais velho, Emerson Heleno, estuda engenharia em São
Paulo, enquanto o filho do meio, Vanderson Heleno, cursa engenharia no Recife.
"Eu quero ser engenheiro também. Ou talvez eu seja repórter, porque sempre
gostei das coisas que um repórter faz", diz Everson, reestabelecido em
casa após o intercâmbio, de onde regressou em janeiro, assim como outros mais
de mil estudantes da rede estadual de ensino contemplados no programa em 2016.
E a música? A pergunta surge inevitável e flutua à sua frente. "Sobre a
música eu nem tenho o que dizer. O violão é a única coisa de que eu tenho
certeza nessa vida. O violão me deu tudo isso, essa aventura toda.
Independentemente de ser engenheiro ou jornalista, nunca vou deixar de
tocar", reflete. É com o instrumento nos ombros que Everson volta todas as
noites ao Sítio Borges, onde sua viagem a outro mundo virou lenda e onde seu
domínio sobre as seis cordas encanta os agricultores de São José do Egito,
preenchendo o silêncio que têm as noites do Sertão.
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