Antes de começar, propriamente, a encenação, Vladimir Britcha e os colegas de elenco caminham pelo palco, checam os elementos, afinam um violão, pedem para que telefones sejam desligados. É clara a intenção de quebrar o distanciamento usual com o público. Com a mesma aproximação, ele se dirigiu à plateia ao final do espetáculo
Arte, exibido sexta e sábado no Teatro de Santa Isabel. “Esta foi uma noite inesquecível. Com a tragédia que se deu sobre Pernambuco e o Brasil, pensamos, mais uma vez, em cancelar o espetáculo. Mas acreditamos que a peça pode ajudar a todos a lavar a alma”, disse ele, no palco localizado a poucos metros do Palácio do Campo das Princesas, onde eram feitos, na sexta, os preparativos para o funeral do ex-governador Eduardo Campos e de seus assessores mortos no desastre da última quarta. “Estou realmente emocionado. Recife é uma cidade muito especial para minha vida”, disse.
No Recife, Britcha, há cerca de uma década, deu início à fase atual da carreira. Foi contratado pela Globo depois de atuar na peça A Máquina, do pernambucano João Falcão. A primeira temporada prevista para Arte, na cidade, foi cancelada em maio com a greve da polícia. A montagem com direção de Emílio de Melo privilegia francamente a dramaturgia da argelina radicada na França Yasmina Reza, um texto afiado sobre intersubjetividades, de como nos definimos e nos moldamos a partir do discurso do outro e de nós mesmos, a força da linguagem que precede e molda a ação.
Os diálogos começam quando um de três inseparáveis amigos usam a arte contemporânea para discutir a amizade. Questionam a relação e suas intersubjetividades quando um deles compra um quadro em branco. As atuações de Marcelo Flores e Claudio Gabriel são sóbrias e bem delineadas.
Vladimir Britcha modera seu gestual cômico televisivo e imprime uma comicidade leve, fluida, com toques de brasilidade ingênua à Mazaroppi ao seu personagem. O público entrou em cumplicidade: pontuou a apresentação de risadas e vários aplausos em cena aberta.
Abaixo, a entrevista que Britcha concedeu ao JC quando quando plabejava trazer Arte ao Recife, em maio:
JC – Você diz que só valeria voltar ao teatro com uma comédia se o riso fosse o meio, e não o fim. Aonde o riso nos leva nesse texto de Yasmina Reza?
VLADIMIR BRITCHA - O riso como meio tá em sintomnia até com a forma com que Yasmina escreve a peças dela. São tragédias cômicas, ou comédias trágicas, ela usa essa dubiedade para contar isso. O riso é provocador, vem através de uma provocação, de uma ironia, é um riso que mais me agrada provocar. A peça tem momentos mais patéticos, dá a chance de o público se identificar com isso. O riso tem o papel desarmar o público, de conseguir chegar com uma provocação, uma mensagem melhor. Quero que o público se reconheça de lá com essa reflexão. A peça fala da amizade, das relações humanas, de respeitar as diferenças na relação de amor entre as pessoas. Isso é muito presente, é um tema muito caro, eu tenho a ambição de que o público carregue isso na vida. Minha mulher (a atriz Adriana Esteves) tinha me sugerido montar a peça. Diz que é uma peça muito comunicativa, que se parece comigo.
JC - Observando teu trabalho na TV, a gente vê que você é um ator, claro, de silêncios, mas é um grande verborrágico, um ator de grande oralidade. Essas são características que te aproximaram do texto?
BRITCHA - Verdade...mas não tinha pensado nisso. Mas, primeiro, me chamou a atenção, porque era uma peça que falava a amizade. Eu tava observando esse boom de comédias no teatro, no stand-up, no cinema, na TV, eu achava que deveria fazer uma comédia com a qual me identificasse. Faço muito humor na TV, mesmo nas novelas, poucas vezes fiz algo que não fosse humor. Eu sempre achei que o teatro fosse um lugar onde pudesse exercitar outro gênero. Mas eu quis fazer uma afirmação do gênero (a comidinha).
JC – Porque você quis produzir? BRITCHA - A inciativa da montagem é minha e do (ator e colega de elenco), Marcelo Flores. Já tinha lido a peça e vi a montagem com Ricardo Dárin, que está há mais de dez anos em cartaz na Argentina. Quis produzir para fazer algo mais autoral, para manter um controle maior sobre tudo. É maior a responsabilidade, mas também a liberdade. JC – O produtor local de vocês disse que já tinha tentado trazer Arte para o Recife e não conseguiu por falta de pauta. Você percebe a existência de uma crise de pautas nos teatros do Brasil?
BRITCHA - Essa viagem não está isolada, a ida ao Recife só foi conseguida com um edital, da BR Distribuidora, ingressos populares, com outras cidades. Desde o ano passado, tentamos organizar essa turnês. Para conseguir viabilizar essas turnês com pautas, a gente levou um ano para conseguir pauta. Vamos também ao Norte. Mesmo assim, em algumas cidades, como Manaus, a gente não conseguiu a pauta no Teatro Amazonas. É preciso manter um ano de antecedência, pelo menos. Isso é exemplo de como somos refém de poucos teatros.
JC – Há, contudo, algum otimismo na área que não se via na década passada, quando muita gente correu para produzir monólogos. O teatro saiu da crise?
BRITCHA - Não, hoje a gente viaja para duas apresentações numa cidade. Poucas são as peças que fazem apresentações nas quintas, as temporadas são cada vez menores. Hoje em dia, a população é muito maior. Mas o interesse das pessoas pelo teatro diminuiu. O que existem, contudo, são pessoas interessadas em fazer teatro. São muitas as companhias. Assim, mesmo quando o mercado não é tão forte, as pessoas insistem em fazer teatro. O teatro não tá tão bem, a crise da pauta é sintomático.
JC - Muitos produtores criticam os mecanismos da Lei Rouanet...mesmo com autorização para captação, acaba ficando com as empresas o papel de decidir o que deve ser montado.. O que pensa a respeito?
BRITCHA - Acho extremamente injusto o mecanismo. Se a gente não tivesse uma lei de incentivo agora, seria pior. Mas o formato tem que ser repensado. Depois de três anos, tô conseguindo essa circulação pelo Nordeste. Eu e o Marcelo somos de Salvador e queríamos muito viajar pela região. No geral, as grandes empresas ainda não se interessam em investir na viagem dos espetáculos para o Nordeste ou para o Norte. Desconfio que, se eu não fosse um ator conhecido pela TV, ou se não fosse uma comédia, teria mais dificuldade ainda de conseguir viabilizar. O próprio Ministério da Cultura, em vez de criar uma forma mais democrática de decidir o que vai ser montado, terceiriza essa possibilidade. Poucas são as empresas que tem um interesse social e cultural concreto. A empresa acha que a peça é uma ação de marketing, e, como empresa, ela não está errada em pensar. Quando mais gente vir a sua comédia, melhor. Por isso, os ingressos populares. Deixamos de promover uma série de produtos que não chegam a ser produzidos. Na Europa, acho que na Dinamarca, é a companhia que escolhe a empresa que vai patrocinar seu espetáculo. Quer dizer, o empresário já te o benefício da renúncia fiscal. Então, ele deveria ser escolhido pela empresa. De fato, eu concordo que é injusto.
JC – Desde A máquina, de João Falcão, há mais de dez anos, você não atua num espetáculo no Recife...
BRITCHA - Voltei outras vezes ao Recife, mas não com peça. Foi e é muito bom voltar à cidade. A temporada de A máquina (de João Falcão) que começou no Recife mudou de vez a vida da gente. Minha, de Wagner Moura, de Lazinho (Lázaro Ramos), de Karina (Falcão), de Gustavo (Falcão). A cena teatral do Recife é muito parecida com a de Salvador. As pessoas produzem com maturidade, mas com muitos esforços. Quando moramos aí, tive a oportunidade de ver uma Recife culturalmente muito rica, coisa que eu desconhecia morando em Salvador. E o cinema feito em Pernambuco hoje é uma referência obrigatória para todos nós.
Bruno Albertim
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