Saudades
Se o sonho foi tão alto e forte
Que pensara vê-lo até à morte
Deslumbrar-me de luz o coração!
Que tudo isso, Amor, nos não importe.
Se ele deixou beleza que conforte
Deve-nos ser sagrado como o pão.
Para mais doidamente me lembrar
Mais decididamente me lembrar de ti!
Quanto menos quisesse recordar
Mais saudade andasse presa a mim!
Parece que Jesus, doce bambino,
Anda pisando as ruas da cidade…
E eu que penso na suavidade
Do tempo que não volta, que não passa,
Olho o luar, chorando de saudade
De teus olhos claros cheios de graça!…
Oceanos de luz que procurando
O seu leito d’amor, andam sonhando
Por esta noite linda de luar…
Talvez o perfumado, o brando leito
Que procurais, ó olhos, no meu peito
Esteja à vossa espera a soluçar…
Florbela Espanca in Trocando Olhares (1916)
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