Já se
vão quatro décadas desde que Ney Matogrosso mostrou sua cara, rebolado e voz, à
frente dos Secos & Molhados. O grupo teve existência efêmera - num
intervalo de pouco mais de um ano lançaram dois álbuns e se tornaram o mais
rápido sucesso do mercado fonográfico brasileiro até então -, mas sua imagem
permanece firme no imaginário de quem testemunhou o fenômeno à época. Depois do
Secos, não se espera de seu cantor outra coisa senão grandes performances
vocais e de palco, em movimentos sociais e ousados, um bailar andrógino a
seduzir homens e mulheres.
Mas
Ney Matogrosso, há muito, mostrou que não era um artista de um espetáculo só -
ainda que esse espetáculo fosse do tamanho do Secos & Molhados. Nos palcos,
é difícil encontrar outro artista brasileiro com uma performance tão intensa e
uma produção tão caprichada. Tampouco se encontra tantos de sua geração
dispostos a arriscar, a trazer o novo para a cena. Ney inventa hits para cada
turnê. A mais recente delas, "Atento aos Sinais", passa amanhã por
Fortaleza. A apresentação do cantor acontece no Siará Hall, às 23 horas.
O duplo
Desde
o começo dos anos 80, o intérprete tem explorado, alternadamente, duas
estéticas nos palcos. Uma é de cara lavada. Era uma resposta - que deixou de
ser necessária - àqueles que não viam nele um grande cantor, como se seu
talento pudesse ser desmontado junto com o figurino. A última passagem pelo
Ceará seguiu esse padrão. Em agosto de 2010, o mesmo Siará Hall recebeu um Ney
Matogrosso (quase) bem comportado, de terno branco, acompanhado de piano,
violão, violoncelo, bandolim e pandeiro.
O
outro é o inverso perfeito deste com cara de bom moço. Em "Atento aos
Sinais", Ney evoca sua persona mais provocante - que prevaleceu nos anos
70 e chegou ao século XXI em alto nível, com o disco e turnê
"Inclassificáveis" (que passou duas vezes, em um mesmo ano, pela
capital cearense). As origens do trabalho remontam ao tempo de Secos &
Molhados, mas ele não pode ser entendido como simples continuidade. É o Ney
mais lembrado do público, de peito nu, figurino extravagante e movimentos
sensuais. E é um show à parte ver um artista de 72 anos de idade com disposição
e competência para dar conta de uma proposta como essa.
O repertório
também toma outra direção, seguindo uma linha mais dançante. Nos dois últimos
álbuns desse gênero, "Inclassificáveis" (2008) e "Atento aos
Sinais" (2013), o cantor chegou a investir no rock como uma espécie de
eixo estético para os discos. O primeiro era mais cru e pesado, conduzido por
uma formação baseada em baixo, bateria e guitarra. O mais recente, que será
apresentado ao vivo, amanhã, tem uma sonoridade mais exuberante. Os metais
pontuam todo o repertório e as guitarras são menos incisivas.
O show
promete seguir o roteiro do disco. E não lhe faltam grandes momentos. É o caso
da sequência de abertura, com dois rocks dançantes - "Rua Da Passagem
(Trânsito)", uma crítica à barbárie motorizada das grandes cidades,
composta por Arnaldo Antunes e Lenine; e "Incêndio", que evoca a
turbulência e a insatisfação nas ruas. A canção de Pedro Luís - parceiro
recorrente de Ney - havia sido gravada antes dos protestos de junho de 2013 e
parece tê-los antecipado em seu vigor.
O
samba aparece, ora em expressão mais tradicional - "Oração", de Dani
Black, da qual vem o verso "atento aos sinais" -, ora num flerte com
uma imprecisa sonoridade contemporânea - a bela "Roendo as Unhas", da
lavra de Paulinho da Viola.
O tom
mais explosivo do show é equilibrado por baladas como "Noite Torta".
Escrita por Itamar Assumpção, é uma música atmosférica, de ar jazzístico,
conduzido pelo piano e a bateria. O compositor é o único a figurar duas vezes
no setlist. Ele reaparece com outra canção lenta, mas cheia de suingue -
"Isso não vai ficar assim". A música já havia sido interpretada pelo
cantor, em um dueto com Zélia Duncan, no disco que a artista gravou em
homenagem ao compositor da Vanguarda Paulista. Tamanha foi a identificação com
a canção que Ney pediu permissão a Zélia para recriá-la em seu próprio show.
"A
ilusão da casa" (de Vitor Ramil) é, possivelmente, a mais bonita das novas
baladas de Ney, conduzida ao piano e ao pandeiro. Nela, ele canta "o tempo
é a minha casa". Talvez, por isso, sinta-se tão bem e faça dele o que bem
entende.
Mais informações:
"Atento aos Sinais", show do cantor Ney Matogrosso. Amanhã, às 23
horas, no Siará Hall. Ingressos: preços entre R$ 60 e R$ 200, à venda no site
bilheteriavirtual.Com. Contatos: (85) 3046.3947 e 3278.8400
Dellano Rios
Editor
Diário do Nordeste
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