O jumento sedutor terá "orelha" assinada pelo premiado escritor Raimundo Carrero
Os últimos 30 anos, Ariano Suassuna se dedicava ao livro mais caudaloso e importante da carreira literária. O jumento sedutor atingiu duas vezes a versão final, encaminhada para a editora. Ambas - a última enviada em maio - foram descartadas pelo autor. Incansável e perfeccionista, queria fazer novas modificações naquela definida pelo escritor como a obra da vida dele.
O texto definitivo (cerca de 300 páginas) já foi entregue a Alexandre Nóbrega, genro e braço direito de Ariano. "Como não usa computador, ele ainda iria recortar e colar as ilustrações", frisa Nóbrega. A produção criativa disputava o tempo com as aulas-espetáculo, com as quais, desde 1995, ele percorre incessantemente o Brasil de Norte a Sul - a última foi na sexta-feira, em Garanhuns, três dias antes do acidente vascular cerebral que o vitimou.
Ariano tinha orgulho das páginas. Recitava versos decorados e lia passagens nos encontros com familiares e amigos. "Ariano há muito que vinha escrevendo o que, segundo ele, seria a sua obra síntese. Esse livro, tive a oportunidade de 'escutá-lo' inúmeras vezes quando o visitava. Ariano tinha um enorme prazer em ler trechos dele para nós, amigos que o visitávamos. Por alguma razão, desconfiava que essa sua obra não seria publicada em vida…", recorda o amigo Antonio Carlos de Nóbrega, um dos parceiros do Movimento Armorial.
O premiado escritor pernambucano Raimundo Carrero teve o prazer de ler na íntegra. "Samarone (assessor de imprensa de Ariano) chegou lá em casa e perguntou se eu tinha tempo para ler. Eu achei até engraçado", recorda. "Li, gostei muito e escrevi um texto, que ele pediu para colocar na orelha do livro. Para mim, é uma realização intelectual", comemora.
O jumento sedutor reúne romance, teatro e poema, além de ilustrações dele, tudo escrito à mão por Ariano e digitado posteriormente, como sempre fazia. Aliás, escrito e sempre reescrito, para o aperreio da esposa Zélia, como dizia. "O livro está pronto. Ele não estava escrevendo o livro, mas fazendo modificações, que não sei o que eram", explica Maria Amélia de Mello, da José Olympio, responsável por todo o catálogo do artista, a exceção de A pena e a lei e Auto da Compadecida, da Agir.
Caudaloso, o livro já tinha formato definido, com moldura e tamanho acima do padrão normalmente adotado. A quantidade de páginas - muitas, sem dúvida - só poderá ser definida após a diagramação. "O material está em papel, com recortes, colagens, emendas, além dos desenhos dele. A obra dele é muito pessoal. Eram muitos Arianos. O artista plástico, escultor, o escritor de poesia, ensaio, romance, teatro. E um homem muito íntegro", defende Maria Amélia.
Apesar dos muitos leitores e ouvintes das leituras, o enredo permanece envolto em segredo. A narrativa não convencional não é focada em uma história, com diálogos, mas repleta de imagens e metáforas. "É algo extremamente revolucionário, que forma um painel imenso da cultura brasileira, baseado em ritmos, sons", reverencia Carrero. "Está mais próximo da odisseia do que do romance burguês, como falamos da literatura", analisa o escritor e professor. Ele é um dos artistas citados no texto, além de Antonio Carlos de Nóbrega, Zoca Madureira e Lenine.
O título é uma homenagem a Lúcio Apuleio, do século 2, autor de O asno de ouro. E a data para o desvendar dos mistérios também. A ideia inicial seria lançá-lo ainda neste ano, prazo postergado em junho, quando ele optou por novas mudanças. Agora, o lançamento depende da decisão da esposa, Zélia, e dos cinco filhos de Ariano.
Diário de Pernambuco
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