Leitores assíduos e pesquisadores conhecem bem o portal Estante Virtual (www.estantevirtual.com.br), que intermedeia a venda de livros - um enorme catálogo de 12 milhões de volumes - de sebos e livrarias de todo o Brasil. É uma fonte que costuma acudir quem procura títulos raros, obras esgotadas ou mesmo com um preço mais em conta. Mas esse paraíso em forma de biblioteca tinha um outro lado, de disputas entre os vendedores de um lado e o portal de outro, que o leitor não chegava a tomar conhecimento.
No mês passado, a insatisfação de livreiros e sebistas se tornou pública quando do protesto de cerca de 150 deles, sediados em diversos estados (o Ceará incluído) contra o aumento da comissão do portal de marketplace. No dia 10 de junho, a administração do portal comunicou aos vendedores uma série de mudanças nas regras de funcionamento, dentre as quais destacaram-se o aumento da comissão da Estante Virtual sobre cada venda - passando de 6% para uma margem de 8% a 12% do valor cobrado. Além disso, independente do preço de comércio, houve o estabelecimento de uma tarifa mínima de R$ 1 por produto vendido.
De acordo com Maria Eduarda Bandeira, sócia da Estante Virtual desde 2011, a justificativa para o aumento veio de demandas reportadas pelos próprios livreiros, durante uma viagem por dez cidades brasileiras, feita em 2013, por André Garcia, diretor e fundador do portal. Atendimento telefônico, novas ferramentas para o site e novos meios de pagamento foram as principais demandas, segundo Bandeira. A previsão é que as mudanças aumentem as vendas em 30%.
A crença não é compartilhada por muitos dos parceiros do portal. Somente no grupo Sebos do Brasil, organizado por livreiros e sebistas no Facebook como espaço de discussão sobre as recentes alterações, encontram-se quase 500 participantes. Um número expressivo já que, ao todo, a Estante Virtual tem aproximadamente 1.300 sebos e livreiros registrados.
"Ele (André Garcia) diz que está tentando atender às reivindicações dos livreiros. Não é verdade. Eu acho que ele está equivocado nessa interpretação", critica Lívia Gadelha, livreira e uma das proprietárias da Livraria Arte e Ciência, em Fortaleza.
Para a empresária, a medida foi como "um tiro no pé" do próprio site, visto que a consequência mais provável, em sua opinião, é que o preço dos livros aumente para que os vendedores tenham condição de arcar com os novos custos junto aos antigos: 6% para as empresas de cartão de crédito, envio pelos Correios, plano de mensalidade do Estante Virtual, fora as despesas de manutenção das lojas físicas. "A médio e longo prazo, ou os livreiros tomam consciência que eles não têm condição de trabalhar assim e fazem alguma coisa para mudar ou vão quebrar", avalia.
Boicote
Como forma de chamar atenção para esse e outros problemas de relacionamento, como a tomada de decisões que os afetam sem negociação coletiva, 150 livrarias e sebos optaram por retirar seus acervos durante 24h do portal naquela data. Um novo boicote entre as 23h59 de hoje e as 23h59 de amanhã.
"Esta foi a forma que encontramos de 'protestar' contra o aumento abusivo dado pelo portal. O que conseguimos foi um pouco de flexibilidade na taxa de comissão paga. No meu caso, reduziu o índice para 10%. Antes esta taxa era de 6%", aponta Rodrigo Feijó, dono da Librarium Dez, livraria cearense de maior acervo cadastrada no portal, com 29.984 livros. "Com certeza terei menos 4% de tudo que arrecadei no mês, impactando assim diretamente nos preços dos livros que passarei a oferecer no site", estima, confirmando a expectativa da colega Lívia Gadelha, que também retirou temporariamente os 19.577 títulos registrados da Arte e Ciência no portal.
"Por mim, eu ainda estaria fora do ar", revela a proprietária. "Se fosse preciso eu tirava até por tempo indeterminado. Como não existiu a questão de unir-se para realmente conseguir as mudanças, as pessoas voltaram a colocar seus acervos no ar e nós tivemos que colocar também. Uma andorinha só não faz verão", diz.
Já o acervo do livreiro cearense Josesito Padilha permanece suspenso da Estante Virtual sem previsão de retorno. Cadastrado no portal como leitor desde seu segundo mês de existência (novembro de 2005) e desde 2012 como vendedor online, ele relata que o prolongamento vem graças a dificuldades mais antigas de relacionamento com o site. "Houve outros fatores que me desiludiram com o serviço ofertado. O portal já tem quase nove anos de existência, mas parece que estagnou tecnologicamente", detalha.
"Na verdade, desde a criação do portal existiam muitos problemas de ordem, de diálogo com a empresa, coisas extremamente ditatoriais da parte deles. Por exemplo, um cliente qualificou negativamente o nosso serviço, escreveu uma mensagem para o Estante Virtual e como punição eles tiravam o acervo do ar. Isso é uma prática comum, reiterada deles", alega Lívia.
Por conta desses problemas, para além da retirada estratégica do acervo, uma carta-aberta manifesto contendo 17 reivindicações foi elaborada, assinada por livreiros de todo o País e encaminhada à diretoria do Estante Virtual. Chamando o portal de "adversário da classe", os vendedores temem que as mudanças acarretem no fechamento de sebos e lojas menores que dependem das vendas pelo site para sua sobrevivência. "Buscamos, com este protesto, abrir um canal de comunicação real e efetivo com a administração do site, pois estamos sendo ignorados, para que possamos continuar prestando o serviço dedicado e carinhoso que temos com nossa atividade, nossos clientes e livros. Quem faz 90% do bom trabalho apresentado pela Estante Virtual são os livreiros, e portanto merecemos poder de intervenção nas decisões que afetarão milhares de pessoas, leitores e vendedores", diz o texto.
Diário do Nordeste
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