O jornalista, escritor e produtor cultural Alex Antunes (ex-
editor das revistas Bizz e Set) escreveu artigo para o site Yahoo chamando de
‘velho burro e chato’ o escritor paraibano Ariano Suassuna. Ex-colaborador da
Rolling Stone, Folha Ilustrada, Animal e General, Alex Antunes disse que a
morte transformou Ariano em gênio.
“Me perguntei algumas vezes se deveria escrever este texto.
Porque o principal que tenho a dizer sobre Ariano Suassuna é que ele era um
velho burro e chato. E o homem, como se sabe, acabou de morrer – o que o eleva
automaticamente aos píncaros da genialidade e da infalibilidade nos textos que
se espalham pela imprensa”.
Alex Antunes diz que Ariano ‘implicou’ com os tropicalistas e
que seu principal defeito era a profunda e total incompreensão da natureza da
cultura pop, não admitindo o talento de artistas internacionais, como Michael
Jackson e Madonna.
Abaixo, veja o texto na íntegra:
Suassuna,
velho burro
“Me
perguntei algumas vezes se deveria escrever este texto. Porque o principal que
tenho a dizer sobre Ariano Suassuna é que ele era um velho burro e chato. E o
homem, como se sabe, acabou de morrer – o que o eleva automaticamente aos
píncaros da genialidade e da infalibilidade nos textos que se espalham pela
imprensa.
Mau
momento para lembrar o seu principal defeito: a profunda e total incompreensão
da natureza da cultura pop. Eu tinha desistido de escrever. Mas eis que a televisão
de domingo o mostra numa entrevista, atacando, com volúpia e deboche, Michael
Jackson e Madonna, além da réplica da estátua da Liberdade na Barra da Tijuca.
Ora,
é fácil concordar com ele que a réplica da estátua é um monumento à
imbecilidade playba. E que Michael Jackson (esse trecho não passou no domingo)
é digno de pena, pela forma como foi explorado e depois massacrado pela mesma
indústria cultural.
Mas
Suassuna os atacava pelas razões erradas. Não há “superioridade” da cultura
brasileira, e em particular da nordestina, sobre a cultura pop internacional.
Por uma razão muito simples: o sistema arquetípico sobre o qual elas se
constroem é exatamente o mesmo.
A
mesma graça que há nos modos e sotaques regionais pode ser vista em expressões
culturais globais. A cultura pop é simplesmente o “folclore sintético”. O que
está por trás do Batman, do Super Homem, dos filmes policiais negros da
blaxploitation ou da Madonna são os mesmíssimos arquétipos que animam os mitos
gregos do Monte Olimpo, as lendas dos orixás das religiões africanas ou os
arcanos do Tarô.
Não
é à toa que Suassuna implicou tanto com os tropicalistas (de maioria baiana)
quanto com o manguebeat que surgiu no seu estado de adoção, Pernambuco. Dizia
que falaria com Chico se ele tirasse o Science do nome, e que a música da Nação
Zumbi era “de quarta categoria”.
Suassuna
se irritava porque esses nordestinos decifraram as matrizes em comum que
existem na cultura popular brasileira e em qualquer expressão cultural. Ao
mesmo tempo em que escapavam do purismo elitista e castrador, propunham uma
forma nacional, desinibida e não-colonizada de cultura pop.
Diz
uma letra do Mundo Livre SA, “O Ariano e o Africano”, de 1998: “Há quatro
séculos a alma africana tem sido um motor Da inquietação, da resistência, da
transgressão O negro sempre quis sair do gueto Fugir da opressão fazendo
história Ganhando o mundo com estilo E é assim que a alma africana sobrevive
com brilho e vigor Em todo o novo continente o africano foi levado para sofrer
no norte e gerou, entre outras coisas, o jazz, o blues, gospel, soul, r&b,
funk, rock’n'roll No centro, o suor africano fomentou o mambo, o ska, o
calipso, a rumba, o reggae, dub, ragga, o merengue e a lambada, dancehall e
muito mais Mas é o ariano que ignora o africano ou é o africano que ignora o
ariano? E ao sul a inquietude negra fez nascer, entre outros beats, o bumba, o
maracatu, o afoxé, o xote, o choro, o samba, o baião, o coco, a embolada Entre
outros, os Jacksons e os Ferreiras, os Pixinguinhas e os Gonzagas, as Lias, os
Silvas e os Moreiras A alma africana sempre esteve no olho do furacão Dendê no
bacalhau, legítima e generosa transgressão É Dr. Dre e é maracatu É hip hop e é
Mestre Salu Mas é o ariano que ignora o africano ou é o africano que ignora o
ariano?”
É
um flagra perfeito da condição elitista de Suassuna, branco cristão e filho do
governador assassinado da Paraíba em 1930, que abraçou concepções culturais
marxistas, não para libertar a cultura popular mas, pelo contrário, para
mantê-la sob controle.
Suassuna
era um artista inspirado. Surpreendentemente pop, a se julgar, por exemplo,
pelo filme e microssérie da Globo “O Auto da Compadecida”. E o seu Movimento
Armorial teve grande impacto na cultura pernambucana. Mas fazia sempre a
trajetória inversa do tropicalismo, do manguebeat e do modernismo antropofágico
– as mais generosas e brasileiras das expressões, exatamente pelo não-purismo.
Suassuna
não aceitava os aspectos bastardos da cultura popular; pelo contrário, queria
adensá-la e refiná-la numa expressão erudita. Ou seja, como pensador cultural,
era um conservador odioso. Declarava-se “inimigo da colonização e do poder do
dinheiro”, mas ele mesmo um colonizador de consciências e um guardião do status
quo.
Não
é de se estranhar que Ariano tenha sido membro-fundador, um dos “cardeais” do
Conselho Nacional de Cultura. Uma estranha convergência entre intelectuais
(inclusive de esquerda) e a ditadura militar entre 1967 e o anos 70, baseada na
busca de uma identidade de Brasil com um sentido cívico, tradicionalista e
otimista. Foi a experiência no Conselho que impulsionou Suassuna na organização
do movimento Armorial em Recife.
Acontece
que o negro, ou qualquer oprimido que busca sua libertação na lida cultural,
como bem explica a letra do Mundo Livre, é amigo da eletricidade, da cultura em
movimento e reinvenção, da provocação bastarda e dessacralizada, da
incorporação e inversão de termos pejorativos (funk, punk, junky, nigga etc) –
e não do reconhecimento institucional.
O
momento mais memético de Suassuna na internet é um fruto, bastante humorístico,
de seus equívocos. Em suas aulas-espetáculo gostava de contar o causo de um
músico punk ou funk que cantou-lhe uma letra. Ela falava de modelos atômicos,
dos físicos Rutherford e Bohr, de um cavalo morto e que “fora do buraco tudo é
beira”. Naturalmente sua “interpretação” jocosa da tal letra virou um vídeo
viral, o “Funk do Suassuna”.
Reza
a lenda que Suassuna se divertiu com a adaptação (parece que com o trocadilho
no nome do bloco carnavalesco Arriano Sua Sunga ele já não lidou tão bem). E,
mesmo brigado com o manguebeat, chorou copiosamente no velório de Chico
Science. Seria essa sua dimensão humana e generosa. Mas sua teoria cultural
elitista e (anti) popular continua inaceitável. O pior de dois mundos, a
convergência da culpa cristã com a marxista. Se Michael Jackson e Madonna são
meramente “lixo cultural”, como gostava de dizer de boca cheia, Ariano Suassuna
era um velho burro, burro e burro.”
Logo
abaixo do artigo publicado pelo jornalista Alex Antunes, internautas postaram
diversas críticas, chamando o autor paulista de invejoso e ‘jornalita de
quinta’. Alguns leitores concordaram com a colocação de Antunes, destacando que
Ariano Suassuna era um ‘desconhecido’ do grande público e que muitos viraram
fãs de sua obra somente após a morte do paraibano.
Jãmarrí
Nogueira
MaisPB
Via Cariri Ligado
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