"Operação Condor: verdade inconclusa", ainda em fase de produção, é tocado pelo cineasta pernambucano Cleonildo Cruz
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O presidente João Goulart discursa pressionado por militares. Foto: Acervo Aldo Arantes/Divulgação |
Em um sítio em Gravataí, interior do Rio Grande do Sul, onde até hoje guarda equipamentos antigos que diz terem sido usados para monitorar o ex-presidente João Goulart, o ex-espião uruguaio Mario Neira Barreiro declarou: “Nós sabíamos que Jango estava condenado à morte”. A frase inicia um dos poucos depoimentos conferidos por ele sobre o possível assassinato de Goulart e compõe uma das cenas principais do documentário Operação Condor: verdade inconclusa, do cineasta pernambucano Cleonildo Cruz, ainda em fase de produção. “Esse trecho é a prova inequívoca de um plano para eliminar Jango. E esse plano veio a cabo no dia 13 de dezembro de 1976”, declarou Cruz, após mostrar a gravação com exclusividade para a reportagem do Diario.
A chegada até Mario Neira não foi uma tarefa simples para o cineasta. Em um primeiro momento, o contato foi feito por telefone e o espião aposentado chegou a negar ser a pessoa procurada pela equipe composta também por Edison Coelho, Roberto de Brito e Gustavo Molfino. O depoimento para o documentário ocorreu após intensa negociação. O entrave seguinte, porém, passou a ser como o encontro ocorreria. “Ele queria que a gente se encontrasse em um local e colocasse um capuz para ser levado até a casa dele. Eu disse que não, que o período da ditadura já tinha acabado”, enfatizou Cruz. A reunião se deu sem a necessidade de subterfúgios.
O grupo se deparou com um homem de cabelos brancos, “muito agradável de conversa”, como definiu Cruz, que tem até mesmo um perfil na rede social Facebook, mas que custou a ficar à vontade para as gravações. “Passamos o primeiro dia inteiro só conversando com ele”, falou o cineasta. Era para criar uma relação de confiança. No dia seguinte, as gravações. Mario Neira Barreiro voltou a afirmar que havia ordens claras do ex-presidente militar Ernesto Geisel (mandato de 1974 a 1979) para matar Jango. “Tinha todo um processo para aquele não parecer um crime comum. Por isso, a necessidade da troca dos remédios”, anunciava o ex-espião diante das câmeras.
Depoimento semelhante havia sido dado por Neira anos antes. Na época, ele cumpria pena por roubo, porte ilegal de armas e formação de quadrilha na Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas, no Rio Grande do Sul. A prisão ocorreu quando o ex-expião estava prestes a ser extraditado para o Uruguai. O teor das declarações motivou o governo brasileiro a exumar o corpo de Goulart em novembro do ano passado. O resultado dos exames ainda é esperado
O filme Operação Condor: verdade inconclusa começou a ser gravado em 2013, e as primeiras imagens feitas foram, justamente, as da exumação. “Decidimos começar pelo momento. Foi um fato inédito. O país todo parou para acompanhar”, conta o cineasta. Após esse momento, foi dado início à colhida de depoimentos, fase que ainda transcorre. “No Brasil conversamos com familiares de brasileiros desaparecidos na Argentina. É uma história de muita dor”, completou Cruz. Até o momento, a equipe também gravou na Argentina. Nos próximos meses, serão produzidas imagens no Uruguai, Chile e Peru. O documentário, orçado em R$ 350 mil, com patrocínio da Petrobras e duração de 70 minutos, deve ser lançado até o fim do ano.
O que disse Mario Neira
“Nós sabíamos que Jango estava condenado à morte. Só que o general perguntar é outra coisa. Nós sabíamos que tínhamos trocado os remédios, que havia um interesse em eliminar o ex-presidente, um interesse bem disfarçado. Mas tinha todo um processo para aquele não parecer um crime comum. Por isso a necessidade da troca dos remédios. O que não sabíamos é que Geisel tinha determinado isso para o assessor, (Sérgio) Fleury. E eu vim a saber porque eu sou testemunha presencial de quando o próprio general veio e disse: “Como é isso? O Geisel quer que dê um jeito em Joao Goulart.”
Operação Condor
A Operação Condor consistiu em uma aliança entre países do Cone Sul (Brasil, Uruguai, Chile, Bolívia, Paraguai) para unir aparatos repressivo e intercambiar informações de pessoas com atividade contrárias aos regimes militares instalados na região.
Dois filmes
As produções mais recentes de Cleonildo incluem Constituinte 1987-1988 (2012) - um documentário feito com base em relatos de parlamentares para resgatar o processo de construção da Carta Magna do país após a redemocratização - e Haiti, 12 de janeiro (2010) - flagrante de uma terra destruída pela força de um terremoto e os esforços dos haitianos para reerguê-la
Diário de Pernambuco
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