Uma verdadeira corrida contra o tempo parece se perpetuar no mercado cinematográfico brasileiro. A primeira delas diz respeito aos atrasos na estreia de filmes. Impressiona a discrepância entre os calendários de estreias no Brasil e no exterior, o que acontece durante todo o ano, mas fica ainda mais evidente nesses primeiros meses - janeiro e fevereiro - quando as principais premiações do mundo: Oscar, Bafta, Globo de Ouro e Festival de Cannes anunciam suas listas de indicados.
Quando do anúncio do Globo de Ouro 2014, feito no último dia 12, por exemplo, dos 31 longas selecionados, apenas 15 haviam passado pelo circuito nacional. Com o Oscar não é diferente. Até o dia 2 de março, data da cerimônia de entrega das estatuetas, os cinemas brasileiros devem correr para exibir boa parte dos indicados, mas, pelas previsões dos exibidores, alguns não deverão chegar ao Brasil.
Projeção
Outro atraso que se acentua no cinema nacional é relacionado à transição do modelo de projeção, de analógico para digital. Hoje, apenas 38% das salas brasileiras operam com projeção digital, um percentual muito abaixo dos quase 90% da média mundial. Ou seja: se não correr, o país periga ficar sem cópias para filmes depois de julho, data a partir da qual os grandes estúdios já anunciaram que não terão mais a obrigação de distribuir películas.
E é nesse processo de mudança que paira um segundo problema: para a transição do analógico para o digital, o Brasil adotou o Virtual Print Fee (VPF), um modelo que vem sendo replicado por outros países, mas que traz junto a si o risco do fechamento de salas e da queda na variedade de filmes em circuito.
Antes de qualquer coisa, é preciso explicar o que é esse tal VPF. Sua tradução literal para o português é "taxa de cópia virtual". Trata-se, portanto, de uma compensação, paga pelos distribuidores, a fim de cobrir os gastos dos exibidores com a modernização dos equipamentos - o valor de compra do projetor e do servidor de computador que são instalados nos cinemas fica em torno de US$ 70 mil.
A lógica é que, como são os distribuidores que têm a maior economia com o sistema digital - por não terem mais que arcar com despesas de impressão de cópias em película -, são eles também que devem financiar a transição. Assim, nos próximos anos, um distribuidor vai pagar o VPF por cópia de filme lançado no Brasil, quantia que será usada para amortizar a dívida do exibidor pela compra do novo equipamento.
"Para lançar um filme em película, o distribuidor gasta de R$ 3 mil a R$ 4 mil por cópia. Com a digitalização, ele passa a gastar R$ 400 para transferir o filme para um HD, que pode ser utilizado em várias salas e enviado por correio. E, num futuro breve, nem haverá esse custo, porque os filmes poderão ser transmitidos por satélite", diz Luiz Severiano Ribeiro, presidente do Grupo Severiano Ribeiro. "O sistema do VPF é bom. Sei que existe um temor no mercado, mas me parece que isso vem da falta de informação. Se alguma sala de cinema fechar é porque já tinha que fechar mesmo", acrescenta.
A data-limite para que o VPF deixe de ser recolhido é dezembro de 2019, mês estipulado para que todas as dívidas sejam amortizadas. Se algum cinema cobrir antes o valor do equipamento, ele deixa de receber o VPF. Em geral, nos acordos que estão sendo assinados, todos os distribuidores pagam para cada filme que chegar às telas um valor entre US$ 650 a US$ 850, dependendo do contrato.
Mas, para receber a quantia total, o exibidor terá que deixar o filme em cartaz durante pelo menos três semanas, em todas as sessões daquela sala. Em alguns acordos, prevê-se que, se a obra for retirada de circuito antes, o VPF pago é menor, proporcional ao tempo em cartaz. Já se o filme ficar mais semanas em exibição, não há novo pagamento da taxa.
Independentes
Fora as muitas dúvidas que ainda pairam no ar, toda essa equação tem recebido críticas de muitos lados do mercado audiovisual. "O grande problema é que foram os grandes estúdios que estabeleceram as regras e o contrato padrão que esses integradores usarão para todo o mercado", afirma André Sturm, diretor da distribuidora Pandora Filmes. "Para os exibidores e para os distribuidores independentes, é um modelo que inviabiliza os filmes que não são blockbusters. E não falo apenas de filmes pequenos. Mesmo filmes médios que hoje entram em cartaz com 30 a 50 cópias terão muita dificuldade de estrear. Antes de mais nada porque terão que pagar um valor de VPF igual aos filmes grandes. Hoje, as mesmas poucas cópias são exibidas em muitos cinemas e têm seu custo diluído. No sistema que está sendo imposto, haverá um novo VPF a cada estreia".
Outro problema levantado pelos proprietários de cinemas é que pequenas salas não tem condições de manter um único filme em cartaz por três semanas. Assim, ou o exibidor passa a receber menos VPF e corre o risco de não amortizar sua dívida ou se adequa ao modelo e perde em público, por ter menos ofertas de filmes por sala. Teme-se ainda que, durante o tempo que se leva para quitar os custos do projetor digital, o aparelho fique obsoleto, levando à aquisição de uma nova dívida ao fim do pagamento da primeira.
Diário do Nordeste
Nenhum comentário:
Postar um comentário