
Esse foi o começo de uma extensa troca de correspondências entre os autores (145 cartas, de 1979 a 1995), e de um repentino e avassalador reconhecimento do brasileiro em países vizinhos. Dois fatos nos dão a dimensão desse fenômeno - um de seus maiores fãs era o então presidente da Colômbia, Belisario Betancur, cujos discursos eram inspirados nas poesias do alagoano. Não demorou muito e o escriba morador do Recife foi elevado pelos leitores ao patamar de “santo”. Enquanto continuava desconhecido por aqui, era chamado de “San Geraldino” em terras porto-riquenhas.
Alguns anos depois da morte do poeta alagoano (1996), a filha entrou em contato (dessa vez por e-mail) com o confidente do pai para dizer que escreveria um livro, espécie de biografia de Geraldino baseada naquelas cartas. Para sua surpresa, Jaime Escobar já havia feito o mesmo, e lançado na Colômbia a obraCartas con Geraldino Brasil. O fato motivou a escritora formada em arquitetura a dar continuidade ao projeto, em andamento há três anos.
Com lançamento previsto apenas para 2014, a obra (Um lugar no tempo) vai compilar trechos das cartas montados como se fossem uma conversa entre os escritores. “Precisei de 17 anos de preparação psicológica para escrever esse livro”, confessa Beatriz, cujo local de trabalho é a mesa da sala. Naquele ambiente repleto de papéis catalogados, ela faz ajustes finais na obra, e justifica decisões tomadas para manter a essência das cartas: nenhuma palavra escrita por Jaime será traduzida para o português. “Qualquer tradução poderia alterar ideias”.
Trechos
"De modo que não só por temperamento vivo distante dos salões e das rodas literárias, sendo poucos aqui os que me conhecem. Há poetas aqui que conhecem apenas minha poesia. Quanto às rodas literárias, sempre fui a elas arredio. Notei deslealdades, ouvi citações de livros que não foram lidos, ouvi frases de efeito. E não sou disso. Sou de conversar doando-me. Para mim a vida é doação, sou sem reservas mentais. O campo foi minha escola, já te disse no poema. A mesma escola tua. Em torno de mim só via doação sem espera de recompensa, doação pura. As árvores oferecendo oxigênio, sombra, frutos, pássaros e madeira para o berço e para o repouso. O gado, os peixes, o sol e a chuva. O homem do campo. Era bom quando se encontrava um nos caminhos desertos. Era uma confiança."
- Geraldino Brasil, Recife, 17 de julho de 1979
"En las fotografias que me enviaste no estás solo porque siempre has vivido en relación con otros; pero sobresales. Tu rosto de Mahatma refleja bondad, concentración, inteligência, nobleza. Y um dulce humor bengali. Tú eres Uno de Los Llamados; no me vengas a decir que no."
-Jaime Escobar, Bogotá, 19 de março de 1980
"Sim, meu querido, José Sarney é poeta da Academia Brasileira de Letras que fechou as portas a Mário Quintana... Será que por coisas assim Drummond nunca se apresentou à Academia?... Drummond nem de longe o diz”.
- Geraldino Brasil, Recife (data não identificada)
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