FOI ASSIM
QUE DEUS FEZ CANCÃO
Façamos do
homem a nossa imagem
De mão
estendida pra face da terra
Na aurora
da vida o ato se encerra
Assim disse
Deus o Senhor da coragem
Na mão a
poeira de fina linhagem
Com sangue
e bile jogados no rio
Um mote
perfeito pra um desafio
Um sonho
profundo de imaginação
Assim foi
criado o gênio Cancão
A chama da
serra coberta de cio.
O poeta
João Batista de Siqueira não antecedeu aos primeiros períodos das estiagens e
nem da seca periódica, porque esses fenômenos distam, desde os tempos
imemoriais, quando o assunto é o sertão do Pajeú. Ao nascer no ano de 1912, ele
já teria pegado o bonde andando. Cancão, como de resto, os habitantes que o
antecederam no município de São José do Egito, foi criado em duplo convívio
entre a seca periódica e as estações invernosas da região, submetidos às
condições climáticas da geografia cultural dos sertanejos sob custódia da Serra
do Teixeira, considerada – A mãe do Pajeú.
Diz-se que,
Pajéy, vocábulo indígena, quer dizer: o rio feiticeiro, batizado pelo povo da
região com predominância indígena da nação cariri, proprietária da terra e
consequentemente, do rio. O pequeno pedaço de terra localizada na extremidade
ao norte do Estado de Pernambuco, adentrando ao Estado da Paraíba, para cumprir
a missão de dividir as águas dos dois territórios. Não se dava conta de que num
futuro próximo estaria dando abrigo a uma constelação de poetas que daria nome
ao pequeno município de São José do Egito.
O caminho
das águas originárias da serra, a partir de uma considerável distância,
clareava o ambiente através de uma neblina de tonalidade azul, parecendo emitir
a primeira fumaça de textura poética, inspiradora das possíveis moradas dos
futuros deuses da poesia. Pois, aquele minúsculo pedaço de terra do sertão dos
alastrados, das macambiras, das coroas de frade, da vegetação rasteira, do chão
de cor cinza, juntos, esperavam a passagem das águas barrentas para que
naturalmente fossem se misturando as tintas da natureza.
No inverno,
os riachos se embalavam serra abaixo ensaiando a sinfonia das águas que
passavam por entre as baraúnas, as carnaubeiras e no declive da serrania, onde
os moradores dos sítios: Balanço, Tombados, e Balança (nomes postos por eles)
contemplavam o líquido sagrado, ofertado pela “natureza selvagem”, que
embelezam e dão vidas aos “campos vagos”, e as “faces lisas do lago”. Daí, os
primeiros personagens da escola Cancaniana, retirados da academia campal, da
faculdade do mato verde.
Assim como
o escritor Máximo Górk escreveu: - As minhas Universidades, hoje, um clássico
da literatura Russa, texto retirado da vida, do dia-a-dia, dos porões do navio
em que ele viajava e os lavava para sobreviver, eis aí, o nosso gênio Cancão
saindo da alcova para o mundo.
Foi
exatamente dentro desse, às vezes terrível quadro, e por vezes exuberante, que
Cancão cursou as suas universidades. Ele, uma criança incomum que nasceu no
Sítio Queimadas, menor ainda pedaço de terra do município de São José do Egito.
Com seus traços indígenas, no olhar, na face, nos olhos, no cabelo. E ainda por
cima, a expressão de uma alma angustiada, chorosa, mas distinta
permanentemente.
O poeta
Cancão ao escrever - Sonho de um Sabiá, deixou para a humanidade a dupla função
de um homem pássaro, pronta para estudo psicanalítico assim como fizera Freud,
com – Édipo ou com Lilith a mulher bíblica de Adão dentre tantos outros
personagens das lendas universais, ou da própria vida que é uma fantasia.
Amar,
sofrer, criar. Eis as companhias eternas do – Pássaro Poeta, que em exercício
de voo, cruzou fronteiras e foi se albergar na mitologia grega, para saudar uma
dívida feita por ele mesmo, alinhada a sua fonte de inspiração:
És das
regiões polares
A mais
delicada planta
Vives igual
uma santa
Entre as
toalhas lunares
Os gênios
dos longos mares
Dão-te
atração soberana
És a mais
gentil liana
Em forma de
criatura
Nasceste da
ninfa pura
Da maresia
indiana.
Cancão, um
fenômeno poético minado do solo do Pajeú pernambucano, lugar onde o sol treme e
não se desculpa por sua inclemência.
Na terra é
difícil um ninho
Mas no céu
tem de Cancão.
Fonte: Pé
de Parede/Jorge Filó
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