Fruto das misturas de
ritmos locais com a eletrônica, o grupo de Belém lança o seu esperado disco de
estreia e se apresenta pela primeira vez no exterior, nos EUA, dia 15.
RIO - Belém é um brilho só. Não é de hoje que a capital do
Pará vem dando um novo colorido ao mapa musical do país. Do carimbó à
guitarrada, passando pelo tecnobrega com suas fluorescentes festas de
aparelhagem, da cidade têm jorrado talentos como Gaby Amarantos, Mestre Vieira,
Felipe Cordeiro, Dona Onete, Pio Lobato e Lia Sophia, sem contar monumentos
locais como Fafá de Belém e a Banda Calypso. Cercada pela floresta e a um pulo
do Caribe, essa Pandora amazônica produz agora mais um nome: a Gang do Eletro,
aquela onde o cinza não tem vez.
Fruto das misturas de ritmos locais com
a eletrônica, o grupo formado pelos cantores Maderito, Keila e William Love e
liderado pela mente criativa de Waldo Squash — um ex-mecânico industrial
transformado em produtor e DJ — lança no dia 26, pela Deck, o seu esperadíssimo
disco de estreia. Em suas dez faixas, energéticas como um dos mais saborosos
produtos da terra, o açaí, o tecnobrega cede espaço para um imediato, o
eletromelody, mais pesado e mais funkeado, que bate no liquidificador drum and
bass, electro, techno e a cumbia argentina.
Testada em consagradoras apresentações
realizadas, ano passado, em festivais como o Sónar SP e o Rec Beat (em Recife)
e elogiada por publicações como “Billboard”, “Rolling Stone”, “Wire” e “Vice”,
essa fórmula já rendeu ao líder da Gang uma apresentação solo, como DJ, em
Berlim, também em 2012, e um convite para um show do grupo, no próximo dia 15,
no renomado festival South By Southwest (SXSW), que acontece no Texas, nos
Estados Unidos. Vai ser a primeira apresentação da Gang do Eletro no exterior e
também o início da turnê de divulgação do seu disco homônimo. No show, o
quarteto vai apresentar também seus mais novos trajes, que de preto e branco
não têm nada.
— São pequenas variações das roupas que
usamos nos shows do ano passado e que estão também na capa do disco — conta
Squash. — É tudo muito colorido, como o nosso som e como o universo de onde nós
viemos.
O début da Gang do Eletro foi precedido
pela música “Velocidade do eletro”, oferecida para download gratuito no iTunes
no fim do mês passado, por uma semana apenas (o prazo já expirou), e também por
seu clipe, lançado há alguns dias. As imagens mostram a banda circulando pelo
mercado popular Ver-o-Peso — centro nervoso da cidade, onde pratos de maniçoba,
ervas variadas e elixires para as mais improváveis curas são comercializados —
dançando o treme, o vigoroso passo, não recomendável para ombros sensíveis, que
virou mania na região.
— Foi muito legal gravarmos o clipe no
Ver-o-Peso — conta Keila. — Chegamos lá sem avisar, ligamos o som e saímos
andando pelas barracas, com a câmera nos acompanhando. Eu vendia sorvete na
praia com meu pai, então interagir com as pessoas não é um problema para mim.
Foi bom também porque aquele local foi muito importante para a nossa história e
a de quase todos os artistas de Belém.
Ela se refere ao fato de que, até pouco
tempo, boa parte dos artistas da cidade deixava seus CDs naquele local, para
que fossem comercializados pelos barraqueiros. Foi essa inusitada simbiose com
a pirataria — discutida em livro (“Tecnobrega — O Pará reinventando o negócio
da música”, de Ronaldo Lemos), estudada em análises sobre economia informal e
tema até de reportagem na CNN — que projetou a Banda Calypso, por exemplo.
— Mas hoje isso não é mais tão
necessário — revela Squash. — Com o avanço da internet e das redes sociais,
todo mundo oferece as suas músicas diretamente para o público, sem precisar do
CD físico nas barracas.
Essa independência e essa estética
“faça você mesmo” se refletem na própria produção do disco, assinada por
Squash, que gravou toda a parte instrumental no estúdio que tem em Barcarena,
cidade industrial próxima a Belém, onde mora.
— Não foi muito complicado porque todas
as músicas já vinham sendo testadas nos shows do ano passado. E as demos já
circulavam pelas rádios de Belém, com boa repercussão — conta ele. — Era um
material com que estávamos familiarizados. Fizemos apenas acertos nos arranjos
e demos uma turbinada nas batidas.
Nos estúdios da Deck, no Rio, foram
gravadas apenas as partes vocais, com Maderito (fã de Marcelo D2 e autor da
maioria das letras), Keila e William.
— Contamos com a ajuda da Cyz Zamorano,
que fez a direção de voz no disco — explica Maderito, que fundou a banda ao
lado de Squash, em 2009. — Ela aparou as arestas e arredondou o nosso canto.
Isso nos tornou mais afinados e seguros. Passei a ouvir melhor minha voz e
entender melhor minhas próprias letras, que falam sobre o dia a dia em Belém,
as festas de aparelhagem, as equipes de som, as galeras, como está descrito em
“Vamos de barco”, por exemplo. Não queremos forçar algo que não somos. Todo
mundo na banda anda de ônibus. Ou de barco.
No fim, o disco da Gang do Eletro — que
tem a participação de Felipe Cordeiro na faixa “Dançando no salão” — ficou com
pouco mais de 30 minutos de duração e, como diz o produtor, “sem firulas”.
— Desde o começo, nossa intenção era
dar o nosso recado de forma simples e direta — afirma Squash, que produziu
também as batidas de “Treme”, o disco de estreia de Gaby Amarantos. — Não seria
autêntico nos intrometermos em áreas que não são parte das nossa vidas apenas
para tocar nas rádios do Sudeste.
Mesmo assim, Squash tem consciência de
que o álbum do seu grupo é um valioso produto de exportação, capaz de consagrar
de vez o ambiente que o gerou.
— Sem dúvida, é um fruto bem especial,
que vamos oferecer agora aos Estados Unidos e depois ao resto do Brasil. Não
queremos colocar um peso extra nos nossos ombros, mas é claro que é um disco
que pode projetar Belém de vez no cenário musical.
CARLOS ALBUQUERQUE
o gLOBO
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