CD e DVD
‘Primeira fila’ marca os 50 anos da estreia do cantor no mercado hispânico
LONDRES - Na porta dos estúdios
de Abbey Road, em Londres, o clima é sempre o mesmo: turistas fazem fila para
atravessar a faixa de pedestres, repetindo a imagem da capa do disco “Abbey
Road”, na qual os Beatles cruzam a rua em passos sincronizados e imortalizados
pelo fotógrafo Iain Macmillan em agosto de 1969. Os motoristas já sabem que
precisarão frear para os pedestres posarem no meio da rua, em grupos de quatro.
Mas a bagunça só é permitida do lado de fora dos estúdios. Da porta para
dentro, respira-se um clima quase religioso. Os Beatles gravaram ali a maioria
de seus discos, fazendo do lugar uma terra sacrossanta, venerada tanto pela
alta qualidade dos equipamentos quanto pelas histórias que guarda. Pouca gente
tem autorização para entrar, mas nos últimos dias 11 e 12 foi aberta uma
exceção para um público não beatlemaníaco. Os fãs de Roberto Carlos invadiram
Abbey Road com a devoção de sempre.
Para lembrar os 50 anos de sua estreia no mercado de língua
hispânica, o cantor, de 74 anos, gravou CD e DVD comemorativos no Estúdio 1, o
maior de Abbey Road. O salão ganhou painéis azuis para compor o cenário da
gravação do álbum “Primera fila”, que será lançado no segundo semestre com a
maioria das canções em espanhol. Avesso a inovações, Roberto aceitou uma
mudança significativa para seus padrões: trocou os músicos da tradicional RC9
por uma banda com quem nunca havia tocado antes, comandada pelo guitarrista e
diretor musical americano Tim Mitchell, um parceiro habitual de Shakira.
Arranjos novos deram uma outra cara a clássicos como “Estrada de Santos” e “Eu
te amo, te amo, te amo”, que ganhou uma batida de reggae. Mas não há nada no
repertório que possa espantar o público fiel. Embora cercado de magia, Abbey
Road, que viu o começo e o fim dos Beatles, não é capaz de transformar tanto
assim um Roberto Carlos.
A ideia de gravar no local partiu da gravadora Sony Music. A
simplicidade da fachada branca no número 3 da Abbey Road esconde corredores que
veem a história da música sendo escrita. Definido por McCartney como o melhor
estúdio do mundo, em 80 anos de existência o casarão recebeu nomes como Ella
Fitzgerald, Glenn Miller, Pink Floyd, Michael Jackson e Radiohead, entre muitos
outros. Em Abbey Road, Amy Winehouse fez sua última gravação, o tocante dueto
“Body & soul” com Tony Bennet (2011), e a London Symphony Orchestra
produziu a trilha da série “Guerra nas estrelas”.
— É um momento de muita emoção para mim estar aqui, por onde
passaram tantas celebridades. Mas vamos cantar, né? — anunciou Roberto em
espanhol, logo no início da gravação, para um público de 150 convidados.
Se músicos profissionais cruzam a porta de Abbey Road
profundamente emocionados, como se fizessem uma peregrinação, o público fiel do
Rei não estava tão interessado em reverenciar as histórias do lugar e sim o
repertório que abriu com “Emoções” e fechou com “Jesus Cristo”, ambas
interpretadas em espanhol e português. A referência aos Beatles veio na primeira
parte da apresentação, mas só depois de a plateia entoar junto com o ídolo
“Amigo”, “Detalhes”, “Amada amante” e “O portão”.
— Meu inglês não é lá essas coisas, mas vou cantar Beatles, que
gravavam aqui ao lado, no Estúdio 2 — explicou ele, antes de “And I love her”.
O público aplaudiu a homenagem, mas não delirou. Os urros
estavam reservados para canções mais kitsch como “Mulher pequena”. “Sou eu! Sou
eu, Roberto!”, gritavam moças na plateia, enquanto o cantor ria e dava uma
piscadela malandra para Olgui Chirino (guitarra e back vocal), uma loura que
disfarçava a baixa estatura com um par de sandálias azuis de saltos altíssimos.
Vestidos de azul, a banda de estrangeiros (os únicos brasileiros
eram o guitarrista Grecco Buratto e o tecladista Tutuca Borba) parecia se
divertir com as mãozinhas em forma de coração captadas pelas câmeras ao longo
de toda a gravação. Antes da entrada de Roberto em cena, Olgui se encarregara
de ensaiar com os convidados os refrãos mais importantes. Como se fosse
preciso.
PROIBIÇÃO DE FOTOS IGNORADA
Com o usual domínio da plateia, por maior ou menor que ela seja,
o cantor gravou durante duas horas e meia, passeando pelas fases romântica (“Eu
te proponho”), rebelde (“Ilegal, imoral ou engorda”) e religiosa (“A
montanha”). Quando errava uma letra e pedia desculpas, ouvia: “Você pode tudo,
meu rei!”.
O sertanejo foi homenageado
numa das surpresas da apresentação, um dueto com o astro pop mexicano Antonio
Carlos Solís. Os dois cantaram “Arrasta uma cadeira”, parceria com Erasmo Carlos
originalmente gravada com Chitãozinho e Xororó, e agora traduzida para o
espanhol. Mas a maior novidade ficou por conta dos músicos. Além de Mitchell,
Buratto, Borba e Olgui, participam do “Primera fila” Pedro Alfonso (violino),
Albert Menendez (piano), Brendan Buckley (bateria), Richard Bravo (percussão) e
Erik Kertes (baixo) — todos nomes disputados no mercado latino-americano
POR CLAUDIA SARMENTO, ESPECIAL PARA O GLOBO
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