Secretário de cultura do biônico Antônio Farias durante a ditadura militar, Ariano ocupou o mesmo cargo no governo democrático de Miguel Arraes (1994-1998). Sem contradições expressas: Arraes havia sido o primeiro governador deposto pelas botas que pisaram o Brasil no 1º de abril de 1964. Anos depois, foi também secretário de Cultura do neto de Arraes, Eduardo Campos. Deixou, na era eduardista, de ser secretário para ser nomeado assessor especial. Morreu como uma espécie de secretário sem pasta, dedicando-se ao projeto das aulas-espetáculos que encantavam o público por onde passava.
“Eduardo fez dele um verdadeiro vendedor da gestão. Estava como a Rainha da Inglaterra, mas era importante como uma marca ligada à gestão. Para o governador, era importante ter o selo”, diz o cientista político Michel Zaidan Filho, antigo colega de Ariano em alguns departamentos da Universidade Federal de Pernambuco.
Na análise de Zaidan, Ariano foi instrumentalizado politicamente até no funeral. “Até Dilma veio tirar uma casquinha. Eduardo era contraparente de Ariano, mas sabia da importância de estar ali”, diz Zaidan, aludindo ao fato do ex-governador ser casado com Renata, sobrinha da viúva Zélia (da tradicional família Andrade Lima). No sepultamento, Eduardo carregou uma das alças do caixão. Caminhava à frente dos filhos do escritor que, na opinião do cientista, não tinha consciência de sua instrumentalização. “Acho que ele acreditava piamente no governo Eduardo como um governo do povo. Mentir não era o jeito de Ariano, nunca foi. Os políticos se aproximam dos artistas, porque sabem que vão ganhar. Quem sempre sai perdendo é a arte”.
A utilidade “política” de Ariano começa, contudo, antes. Ainda no Brasil verde-oliva. “A obra dele foi aproveitada pela Ditadura para se criar o sentimento de unidade, foi muito incensada porque a obra é de fundo conservador. Muito estimulada por criar uma mitologia em torno do caráter nacional brasileiro, quase apolítico”, diz o professor Zaidan, que tratou das ideologias na obra de Ariano no livro O fim do Nordeste e outros mitos (Ed. Cortez).
Como fez tantas vezes, Ariano defendeu o caráter de seu mais popular personagem em sua última aula-espetáculo, na abertura do último Festival de Inverno de Garanhuns. “João Grilo foi tudo, menos um herói sem caráter, venceu a aristocracia rural, a pequena burguesia, o clero corrupto (...)” disse. “Mas era um herói sem consciência de classe. Usava a lábia em proveito próprio”, contrapõe Zaidan.
Ariano, o homem público, foi mais controverso que o escritor. “Ariano é um escritor muito mais interessante, um dos melhores do século 20, do que o homem da gestão pública que foi”, diz o Renato L, que, como Ariano, atuou nos dois lados do balcão: foi secretário de Cultura do Recife, na gestão petista de João da Costa. “Ele trabalhou basicamente com os grupos ou os artistas que mais se identificavam com suas propostas, num período em que houve uma explosão de diversidade enorme”, lembra Lins, sobre os anos embrionários do manguebeat.
Na época, Ariano deu uma entrevista à Folha de S. Paulo afirmando que faria, na arte, o mesmo que Arraes fez na política. Apenas a mais pura, e portanto ameaçada, arte popular de Pernambuco, mereceria atenção. “Dava para entender que ele faria uma política cultural assistencialista, deixando de lado artistas mais modernos”, diz Michel Zaidan, autor de críticas ao Ariano desse período no contundente artigo O último mandarim da cultura do Nordeste. “Ariano, contudo, sempre foi muito cortês comigo. Sabia conviver com as críticas”, conta.
A tolerância aos opostos, contudo, parece ter sido um presente do tempo para Ariano. O membro fundador do Conselho Federal de Cultura, de 1967, e secretário do biônico Antônio Farias não recebeu com bom humor os ataques à primeira adaptação de O auto da compadecida para o cinema. Enquanto a classe cinematográfica chorava falta de apoio, a obra de Suassuna teve financiamento do então Banco do Estado de Pernambuco (Bandepe) sob intervenção militar.
O cineasta Celso Marconi foi uma das vozes mais vorazes. O contra-argumento de Ariano foi visceral: episódio já folclórico da cena cultural pernambucana, Celso Marconi foi recebido por um soco armorial quando chegou, ao lado do amigo Jomard Muniz de Britto, a uma festa na casa do autor de O auto da compadecida. “Anos depois, ele deu uma entrevista se dizendo arrependido do gesto e me chamou, inclusive, para trabalhar no Museu da Imagem e do Som”, diz Celso Marconi, creditando às temperaturas exaltadas do período a reação violenta de Suassuna. “Ele achou que eu estava prejudicando financeiramente seu filme. Mas tudo que eu queria era que o filme fosse dirigido por um cineasta do Cinema Novo”, diz Celso.
Cordialidade cultivada por ambos até os últimos dias, Celso seguiu discordando intelectualmente de Ariano. “Quando ele fala em fazer uma arte erudita a partir da arte popular, a minha posição, inclusive tropicalista, é de não ter arte nem erudita, nem popular”, diz Marconi que, agora, faz algo que boa parte do Brasil leitor faz: “Estou relendo o Romance d’A Pedra do Reino”, obra-prima do escritor.
Ariano foi, não poucas vezes, amado por quem detratou. “A antipatia de Ariano Suassuna pelo tropicalismo é notória, mas, talvez porque nunca tivesse sido correspondida, nunca me levou a querer ou precisar reagir publicamente. Sempre pensei nele com respeito e carinho. Sou grato ao homem que escreveu O auto da Compadecida, e quando li, de volta do exílio, O Romance da Pedra do Reino, lancei um sorriso cúmplice ao autor que, como eu, via no mito de d. Sebastião uma força oculta do Brasil fundando-se e não uma outra prova do nosso ridículo”, escreveu, num artigo antológico, o baiano Caetano Veloso.
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