O trio cearense que inclui o rabequeiro Di Freitas apresenta, hoje, o espetáculo "O Alumioso", em que homenageiam Ariano Suassuna
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Di Freitas, rabequeiro e maestro do show de ascendência armorial |
A estridência do som de uma rabeca, oscilante e rústico, guarda a essência do que, na década de 1970, o escritor e estudioso das culturas populares Ariano Suassuna definiu por Armorial. Era popular, construído e empunhado em feiras do sertão por agricultores, ao tempo que remetia a uma herança medieval, de ascendência ibérica e moura, impregnada de erudição. "Ele pegou o Nordeste, esse universo que ninguém valorizava, e levou para TV, para os livros, para os palcos da música brasileira. Mostrou sua grandiosidade", contextualiza o músico cearense Francisco Ferreira de Freitas.
Di Freitas, como é conhecido, partiu dessa constatação e do trabalhado - na literatura, música, teatro e artes plásticas - de Suassuna e participantes do Movimento Armorial para criar sua experiência sonora. Seu laboratório, a efervescente região do Cariri. O resultado de quase 10 anos de convívio com o sertão cearense é o espetáculo "O Alumioso", apresentado hoje e dia 25, às 20 horas, no Espaço Rogaciano Leite Filho, do Centro Dragão do Mar de Arte Cultura (CDMAC), como parte da "Temporada de Arte Cearense".
O show é montado sobre o repertório do disco de mesmo nome, lançado pelo Selo Sesc SP, em 2009. Inclui projeções com fotografias da região, além de uma vasta gama de instrumentos rústicos - que servem também de cenário - construídos pelo próprio artista. Além de Di Freitas, participam dois músicos do Cariri, José Evanio e Sidália Maria; o luthier carioca, também residente na região, Jânio Almeida; e o músico e pesquisador Pablo Lenner, natural da Hungria e tocador de viola de roda. O show desse sábado conta ainda com participação especial do guitarrista Perez Antônio.
Show
"O Alumioso" nasce da combinação entre instrumentos inventados pelos dois artesãos, instrumentos de herança popular e outros eruditos, de tradição europeia. "A viola de roda é um instrumento europeu, erudito, mas o som que faz é muito próximo daquele que sai das nossas rabecas. Cumpre essa função de mostrar o quão erudita pode ser a música popular. Também utilizamos uma gaita escocesa, de fole. Quando ela toca, o som parece coisa nossa. O som fala da gente", reforça.
No repertório da apresentação, composições do próprio Di Freitas - como "Salsa com baião", "Segura o coco", "Manduri, Jati, Cupira" e "Descendo a serra" - além de duas pérolas do cancioneiro nordestino, como "Vaca Estrela e Boi Fubá", de Patativa do Assaré, e "Juazeiro", de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira.
O show está em turnê por 13 cidades brasileiras, contemplado pelo Prêmio Funarte, no ano passado. O grupo já apresentou também o repertório em países, como Turquia, França e Chile. Apesar de músicas simples, defende Di Fretas, o som ganha pela forte carga de identidade que agregam. "Quando viajo para fora, essa identidade favorece muito. Pessoas na Turquia, na França, apesar de ouvir uma música do nordeste brasileiro, acabam também se reconhecendo", aponta.
Multi-instrumentista, compositor e luthier, Di Freitas é capaz de criar instrumentos de cordas de uma simples cabaça ou de um resto de sucata. O músico, natural de Fortaleza, tem formação tradicional. Antes de mudar-se para o Cariri, fez parte de orquestras da capital e foi integrante, também, do grupo Syntagma, que tem base erudita, mas também trabalha elementos da tradição popular, e sua aproximação com a música medieval.
Ao chegar em Juazeiro do Norte, lembra, o impacto ao confrontar esse mundo erudito do qual fazia parte e o universos popular, foi justamente o que lhe permitiu visualizar a proximidade entre os dois. "Em Juazeiro, me deparo com pessoas que não tem essa formação, mas que são muito eruditos. Com sabedorias nas artes, na medicina, nas tradições religiosas. A música, em especial, é muito rica e guarda elementos herdados dos mouros. É muito Armorial", conta, reforçando a importância nessa "iluminação" das referências do Movimento Armorial.
Entre os projetos que vieram à mente, estava o de montar um orquestra só de rabecas. Sem recursos, o músico experimentou criar os próprios instrumentos, utilizando matéria-prima disponível na região. Surgem aí, as rabecas de cabaça, marca de seu trabalho, e instrumentos inventados a partir dos materiais mais improváveis.
"Todos os instrumentos que utilizamos são feitos por mim e outro luthier. Eu crio instrumentos para reproduzir sonoridades. São objetos sonoros. Tem um que batizei 'Lira nordestina'. É uma mistura de viola, com violoncelo e marimbau (que é um instrumento que eu via quando criança os pedintes utilizarem). Fiz ele para poder tocar sozinho", ilustra Di Freitas.
Mais informações:
Di Freitas apresenta "O Alumioso". Hoje e dia 25, às 20 horas, no Espaço Rogaciano Leite Filho, do Centro Dragão do Mar (Rua Dragão do Mar, 81 - Praia de Iracema). Gratuito. Contato (85) 3488-8600
Fábio Marques
Repórter
Diário do Nordeste
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