Jô Oliveira é um dos pioneiros da obra no país e quer adaptar "O auto da compadecida"
Reconhecimento internacional, trabalhos publicados em vários países, mais de 60 livros ilustrados no Brasil, homenagens, troféu HQ Mix de Grande Mestre. Aos 70 anos, o pernambucano Jô Oliveira conquistou quase tudo o que a carreira de artista gráfico poderia oferecer. Quase tudo. Ainda falta amolecer o coração de um outro mestre. Há dois anos, por intermédio de um amigo, ele pediu autorização do escritor Ariano Suassuna, 86, para adaptar aos quadrinhos O auto da Compadecida. Teve o pedido veementemente negado, pois, segundo a justificativa do dramaturgo, “gibi é coisa de americano”.
Sem querer tirar a razão de Ariano, Jô Oliveira é considerado por muita gente o autor da primeira graphic novel brasileira (versão mais sofisticada das histórias em quadrinhos). Chama-se A guerra do reino divino e foi publicada há exatos 40 anos na Itália (só em 1976 saiu no Brasil). O mais interessante são as referências do álbum: o cangaceiro Lampião, a figura do “beato sertanejo”, Dom Sebastião, a literatura de cordel e o Romance da pedra do reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta (1971), de Ariano.
“Segui a mesma linha narrativa dele. Além de Ariano ter me influenciado muito, foi uma homenagem. Já nos encontramos, mas não sei se ele soube disso”. Nascido na Ilha de Itamaracá e hoje radicado em Brasília, o ilustrador diz não ter a consciência do pioneirismo na graphic novel, embora seja apontado por especialistas como o jornalista e editor do site Universo HQ, Sidney Gusman, e pela pesquisadora da Universidade de Brasília Eliane Dourado.
A paixão pelos quadrinhos acompanhou Jô desde a juventude. Quando foi morar em Campina Grande (PB), adquiriu o hábito de trocar gibis com os colegas (“esses de super-heróis norte-americanos, mesmo”), mas sempre sentiu falta de uma HQ brasileira que representasse cangaceiros. Em 1957, surgiu a revista Jerônimo, o herói do Sertão, mas aquele herói não convenceu. “Fiquei decepcionado. Era um caubói de cartucheira, baseado em faroeste”. Surgiram Os aba-largas (1962), inspirados na polícia montada do sul do país, e Saci-pererê (1958), de Ziraldo.
Após passar pela Escola de Belas Artes, no Rio de Janeiro, e de prosseguir os estudos na Escola Superior de Artes Industriais, na Hungria, Jô ganhou o mundo. A guerra do reino divino estampou revistas italianas, foi publicado na Dinamarca, Argentina, Espanha, Grécia. “Já pensou Lampião falando grego? Consegui a façanha”. Recentemente, ele se deparou com uma foto da (sua) Ilha de Itamarcá estampada em painel no aeroporto de Brasília. A propaganda turística consolidou a impressão: “Pernambuco está em alta. O estado tem tradição, identidade e levanta a bandeira da cultura”.
entrevista >> Jô Oliveira
Dá para viver de quadrinhos?
Hoje em dia é muito difícil viver de quadrinhos no Brasil, pois é uma atividade que leva muito tempo. Nenhuma editora quer sustentar o quadrinista por todo esse período. Por isso, faço muito livro infantil. Somente neste ano, já foram três. Em breve, sairá um livro meu, Os donos da bola, que não tem texto, apenas ilustrações, e conta a história fictícia de como o futebol foi criado no Brasil e os ingleses roubaram a ideia.
Como começou?
Sempre tive paixão por histórias em quadrinhos. Era leitor assíduo de gibis, desses de super-herói americano, mesmo. Quando me mudei de Itamaracá para a Paraíba, a programação do fim de semana era me encontrar com outras pessoas para trocar revistinhas. Assim, ninguém precisava comprar as novas.
O que faz agora?
Estou fazendo adaptações da obra de Shakespeare, e fiquei espantado como é possível transformar a história para a criança ter acesso ao texto de uma maneira menos pretensiosa, mas que possa desenvolver o gosto pela obra. Eu estudei arte aplicada, ou seja, quando lido com o texto, meus desenhos são narrativos, acoplados com a história. Então tenho essa visão de educador.
Como foi o primeiro livro?
Desenvolvi alguns desenhos, um editor italiano se interessou e pediu para eu transformar em HQ. Meses depois, foram publicadas 16 páginas em uma revista italiana. Foi uma grande vitória. Na época conheci Ziraldo, e ele disse que quando voltasse ao Brasil, publicaria a HQ no Pasquim.
De Volta
Embora esteja longe de Pernambuco há muitas décadas, boa parte do trabalho de Jô Oliveira pega emprestado elementos da cultura do estado e do Nordeste. “É uma maneira de resgatar minha infância”, confessa. Há muito tempo o artista deseja retomar o contato com a terra natal, mas diz “não conhecer ninguém” e “não saber se promover”.
- Adaptar para os quadrinhos O auto da Compadecida
- Fazer outras adaptações infantis da obra de Ariano Suassuna
- Doar ilustrações de Luiz Gonzaga para o Museu Cais do Sertão (no Recife Antigo)
- Fazer exposição com os mais de 30 selos postais que fazem referência à cultura nordestina
* A reportagem entrou em contato com a assessoria do escritor Ariano Suassuna, mas não obteve resposta até o fechamento da edição.
Influências
HISTÓRIAS
No interior sempre há a figura do contador de história, da alma penada, assombração, cangaceiros”.
CORDEL
Convivi com literatura de cordel nas feiras. Meus pais e avôs eram de João Alfredo, no interior de Pernambuco, e traziam muitos livretos”.
CINEMA
Era uma coisa muito fascinante naquela época, em que não havia televisão, sobretudo no interior. O filme O cangaceiro foi uma sensação”.
ANIMAÇÃO
Os desenhos animais mais legais eram os do Bloco Soviético. Depois de ter uma animação premiada em festival, no Rio de Janeiro, ganhei bolsa para estudar na Hungria”.
ARTE POPULAR
São influências os mamulengos, as gravuras, a arte de Mestre Vitalino, o São João de Caruaru... Além de inspiração, J. Borges é um grande amigo”
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