Depois do susto da notícia do
infarto fulminante neste sábado, amigos e fãs se despedem do artista
RIO - Ao som de aplausos e gritos de "felomenal" - o bordão mais famoso do personagem Giovanni Improtta, da novela "Senhora do destino" - o corpo de José Wilker foi retirado do Teatro Ipanema e transportado para o Memorial do Carmo, no Caju. A cerimônia de cremação, realizada apenas para a família e os amigos, neste domingo, terminou com uma salva de palmas e a oração de São Francisco rezada pelo Padre Jorjão.
A atriz Ana Rosa participou da cerimônia e falou com pesar sobre a perda do amigo:
— A morte é a única certeza que temos na vida, mas é a coisa mais triste. Há 15 dias, foi o Paulo Goulart. Quero me lembrar do Wilker como na cena em que ele me chamava para passear num carro dourado e em meio a uma chuva de prata seguíamos em direção a uma luz. Quero me lembrar dele assim: como se estivesse despertando feliz para um outro plano.
Após a cremação, Vera Holtz também recordou o amigo:
— A cerimônia foi linda. O Jorjão acalmou espiritualmente com a palavra. Leu o evangelho do dia, sobre a ressurreição de Lázaro, que foi lido em todos os países do mundo. Isso redimensionou o Zé universalmente. Ele era muito vivo e muito especial.
Ao velório, realizado no teatro onde o ator fez um de seus trabalhos mais elogiados, a peça "O arquiteto e o Imperador da Assíria", em 1970, compareceram amigos e colegas de profissão para dar um último adeus a esse cearense que foi um dos grandes nomes do teatro carioca, das novelas da Rede Globo e do cinema nacional. Faustão, Wolf Maya, Pezão, Eduardo Paes e a RioFilme enviaram coroas de flores. A cerimônia de despedida seguiu aberta ao público até 15h, com presença de diversos artistas como Suzana Vieira, Claudia Abreu, Vera Holtz, Daniel Filho e muitos outros.
Considerado pela maioria dos presentes como um dos melhores atores de sua geração, Wilker era lembrado pela inteligência que deixava transparecer em suas interpretações. Uma das fãs que compareceram à cerimônia carregava um cartaz com os dizeres: "José Wilker, hoje vou lhe usar para lembrar uma cidadania digna", fazendo referência à frase do coronel Jesuíno, da novela "Gabriela", que virou bordão em 2012.

Fã homenageia Wilker com bordão de 'Gabriela'; veja fotos do velório
http://ow.ly/vu6m2
Ary Fontoura, que foi dirigido por Wilker no teatro em "Sábado, domingo, segunda" (em 1986), e com quem contracenou em "Tem banana na sanda" (em 1970), em clássicos da teledramaturgia, como em "Roque Santeiro" (em 1985), e até no trabalho mais recente do parceiro, em "Amor à vida", lembrou o humor e a cumplicidade criados em décadas de convivência:
— Foi um dos meus maiores parceiros. A gente tinha o mesmo tipo de humor. Éramos capazes de nos entender com um olhar. Quando tinha uma cena mais tensa a gente fazia brincadeira para descontrair.
A atriz Susana Vieira, com quem Wilker viveu diversos casais em novelas, disse se sentir viúva. Susana aproveitou para lembrar da delicadeza do amigo, de quem ainda vai sentir muita falta.
— Sou a mais viúva de todas as atrizes. Foram 42 anos de casamento (nas telas), que começou com o "Bofe" (novela de 1972). Ele era uma pessoa tão delicada... Acho que a morte dele foi delicada na medida certa — disse.
Preocupação com a saúde
Casada por 10 anos com Wilker, Guilhermina Guinle contou que ele dizia que gostaria de morrer dormindo.
— Ele era uma pessoa especial, bacana e sensacional. Estava bem de saúde, mas o coração é uma fatalidade. Ele morreu do jeito que queria, sem sentir nada. Pra quem fica é mais difícil.
Stênio Garcia lembrou que o amigo mantinha uma dieta balanceada:
— Ele fazia alimentação ayurvédica e era preocupado com a saúde. Nada passava despercebido ao Wilker. Ele gostava de marcar sua presença em tudo.
Muitos ainda se recuperavam do susto da morte inesperada. Marcelo Serrado esteve no velório na noite de sábado, mas fez questão de voltar no domingo de manhã:
— Fiz questão de voltar hoje para me despedir. Nos encontramos na sexta e marcamos de nos ver novamente na segunda, pois estávamos trabalhando em um projeto. Nessas horas a gente vê que a vida é um fio.
Sempre atento aos rumos do cinema, ele demonstrou pessimismo em relação à sétima arte em sua última conversa com Luiz Carlos Barreto:
— Passamos nosso último encontro falando sobre a situação do cinema e ele estava muito preocupado.
Wolf Maya, que dirigiu Wilker em sua última novela, "Amor à vida", contou que quando viu o ator em cena pela primeira vez, sentiu que deveria seguir o caminho da dramaturgia.
— Foi o primeiro grande ator que eu vi, em 1971. Ele influenciou toda uma geração. Wilker era um ator muito corajoso. Espero que seja um exemplo para as futuras gerações de atores.

Fãs se concentram na porta do Teatro Ipanema para o adeus a José Wilker http://ow.ly/vtUlA
José Mayer lembrou que começou na carreira de ator ao lado de Wilker, em "Bandidos da Falange" (minissérie de 1983) e elogiou a inteligência e visão do amigo.
— A obra de Wilker é incomensurável. Ainda não temos a noção da importância, mas a história vai fazer justiça. Ele era um ator inteligente, capaz de expressar uma opinião quando realiza uma interpretação. Wilker tinha uma arguta crítica e clara visão sobre o papel do seu próprio ofício e sobre o Brasil.
O ator e diretor Daniel Filho descreveu o lado menino no amigo que morreu aos 69 anos de idade, vítima de um infarto fulminante.
— Foi um grande moleque irreverente. Um amante da vida, sempre inquieto. Ele ensinou como ser irreverente.
O autor de novelas Gilberto Braga revelou o início conturbado da amizade com José Wilker e as brigas que deixaram saudades em vez de mágoas.
— Houve um período em que fomos brigados. Quando ele era novo, era agressivo e brigamos na primeira novela que fizemos juntos ("Louco Amor", de 1983, escrita por Braga e dirigida por Wilker). Depois fizemos as pazes. Vou ficar com saudades de nossas brigas — contou.
Muito abalada, Marieta Severo não falou com a imprensa. Paulo Betti descreveu o colega de profissão apenas como um ator excepcional, muito acima da média. Renata Sorrah lembrou da amizade de décadas e de ter feito a primeira peça escrita por Wilker, "O trágico acidente que destronou Tereza". Já Letícia Sabatella aproveitou para descrever esse mestre das artes cênicas.
E Vera Holtz traduziu o sentimento de muitos dos presentes:
— O Zé ainda não é lembrança nem saudade. Ele é presença constante nas nossas vidas.
BRUNO AMORIM
O GLOBO
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