"Sempre
tive relação muito problemática com gravadoras e produtores", diz Alceu
Valença em entrevista exclusiva ao UOL. O artista, que encerra a folia no Marco
Zero, principal palco do Carnaval do Recife, na madrugada desta quarta-feira
(5), afirma que identidade da música brasileira está seriamente ameaçada.
"Estão
vendendo gato por lebre", afirma o artista. "Inventou-se agora o
conceito de multiculturalismo, que é uma forma de enfiar qualquer coisa em
festas populares como São João e Carnaval".
Ele,
entretanto, ressalta Pernambuco como exceção. "O que vejo aqui é
preservação, em Olinda, por exemplo, folia é embalada por cancioneiro
centenário".
Mas
ele vê o fenômeno ocorrendo em outras regiões do país. Equivale a
colocar numa festa junina um fado português, diz Alceu. "Tem muito artista
de forró, de brega, de rock, querendo entrar no Carnaval". A porta para
que entrem são as tais festa multiculturais antes ou durante a folia,
acrescenta.
Ele
compara cenário aos pacotes turísticos de resorts, que oferecem tudo incluído.
"A pessoa não quer perder nada, come além da necessidade, porque não pode
perder aquela mesa farta".
"Veja
a situação a que chegaram os programas de televisão, nada contra nada, tudo
pode existir, há uma glamourização do lixo cultural". Alceu diz que
apologia à falta de cultura atende interesses da indústria do entretenimento.
"Quanto mais burro, melhor para o sistema", dispara Alceu. A área da
cultura brasileira, na opinião do músico, carece de curadoria.
Novo
modelo de jabá
Ele
também denuncia novo modelo de jabá que assola o mercado de rádios no nordeste,
e que começa a chegar a outras regiões do país. "O jabá hoje se
transformou numa outra coisa", diz.
Ele
explica que donos de rádio compram bandas e músicas para tocar nelas, para
ganhar também com o direito autoral. "Tudo que entrar será lucro",
comenta. "Depois eles fazem um jogo entre eles, donos de rádios, para que
um toque a música do outro". Desta forma, segundo ele, criou-se um cartel
que domina o mercado com uma 'música sem alma', ou 'fuleirage music', como
também ficou conhecida, diz Alceu.
Rompimento com gravadoras
Por
sua postura crítica e independente, Alceu há décadas se afastou de gravadoras.
O produtor atual é um músico que toca com Alceu. "Ele não pode me exigir
nada e nem vai querer me manipular", justifica.
O
rompimento com as gravadoras aconteceu em 1987. O músico acusa a gravadora RCA
de cooptar artistas, na época, só para tirá-los de circulação e abrir espaço
para o 'brega', novo gênero que seria lançado.
"Eu,
Chico Buarque, Fafá de Belém, e outros artistas, foram contratados para ir pra
gaveta, para poderem lançar outro tipo de produto que interessava ao diretor
artístico".
Alceu
conta que a gravadora chegou a sugerir que ele mudasse repertório. "Pediam
para cantar músicas bregas e outras". O objetivo era trazer para o
Brasil produtos mais semelhantes ao americano.
"Em
três anos ganhei apartamento, hospedagem em hotel cinco estrelas, com tudo pago
em minha vida, mas calaram minha música". O mesmo aconteceu com todos os
artistas contratados, prossegue o artista. "Por isso rompi com a
indústria", observa.
Novos
meios de difusão
Na
época, Alceu relembra que começava carreira na Europa, mas conta que resolveu
retornar e "ganhar o Brasil, mesmo sem ter empresa por trás". O
caminho para isso ele diz que foi ir para todos os cantos e fazer a cabeça de
fãs que vão aos shows. "Um diz ao outro e público vai aumentando".
"Em
Brasília já botei 27 mil pagantes em show", diz Alceu, orgulhoso por ter
conquistado público, mesmo aparecendo pouco na mídia. "No ano passado fiz
89 shows, quatro na Europa".
O
artista conta que a divulgação foi toda feita pela internet e redes sociais com
vídeos produzidos em aparelho celular. "Em Portugal casa ficou lotada
todos os dias, conversei com pessoas vindas da Espanha, que souberam do show
pela internet".
Um dos
nomes mais importantes no Carnaval do Recife, Alceu Valença abre o encerramento
da folia, no Marco Zero às 0h50. O artista abre o show com "Homem da Meia
Noite" e em seguida emenda grandes sucessos como "Bicho Maluco",
"Bom Demais", entre outros.
Depois
do Carnaval no Recife, Alceu Valença apresenta em São Paulo o espetáculo
"Valencianas", com a Orquestra de Ouro Preto, nos dias 21, 22 e 23,
no Sesc Vila Mariana.
UOL
Nenhum comentário:
Postar um comentário