
Numa tarde chuvosa às quatro e meia,
Do alpendre virado pro nascente,
Observo a campina lentamente
Onde o rio apresenta a calha cheia.
Já não vê-se mais nada da areia
Que margeia o seu corpo de serpente,
Só a força medonha da corrente
No seu leito de tudo carregando,
E eu pedindo pra Deus do céu, orando,
Que a parede do açude não arrebente.
O mugido nervoso da boiada,
Recolhida num canto do curral,
Sobe o tom cada vez que o temporal
Faz do céu uma tela iluminada.
Cada ronco da bruta trovoada
Faz o bicho mais novo estremecer,
E a mãe, pra tentar lhe proteger
Dos assombros que vem da tarde fria,
Se pudesse, o bezerro abraçaria,
Mas só resta lambê-lo pra aquecer.
Uma ovelha que berra alucinada
Procurando sozinha o seu rebento
Enche o ar de tristeza e de lamento
Pela cria que foi na enxurrada.
Sua dor e a chuva derramada
São contrastes que traz a natureza,
Que depois de causar tanta tristeza
Destruindo o que tem a sua frente,
Deixa o solo prontinho pra semente
Germinar e gerar nossa riqueza.
Vem à noite e com ela a chuva afina
Repousando na terra levemente
Transformando o que era uma torrente
Num bailado suave de neblina.
Já não tem o clarão que ilumina
Nem a força sonora do trovão,
Mas se ouve da mata uma canção
Quando um grilo começa a cantoria
E um pingo que cai numa bacia
É o bumbo que faz a marcação.
Quando o galo desperta a luz do sol
Encerrando de vez a madrugada
Aparece a tragédia emoldurada
Pelo brilho corado do arrebol.
A corrente do rio é um lençol
De destroços que descem lentamente.
E de novo, silenciosamente,
Agradeço pra Deus a estiagem,
Pois se rompe a parede da barragem
Não ficava viv´alma pra semente.
Fernando Leite – 31/12/2013.
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