A
Vinicius de Moraes um artista plural, a começar pelo nome, com o qual se fez
muitos trocadilhos. Assim como o célebre trocadilho que fez com o nome do
maestro Moacir Santos, que não foi um, foi tantos. Vinicius foi muitos, e este
muito nunca foi tão explicitado quanto na música que compôs, a grande maioria
com parceiros. A caixa A bênção Vinicius – a arca do poeta (Universal Music),
reúne 20 discos, que realçam as diversas faces musicais do poeta, mas mesmo
assim incompleta.A quase totalidade do que ele lançou em disco foi reunido na
caixa Como dizia o poeta, organizada pelo pesquisador e produtor Marcelo Fróes,
para a própria Universal Music, em 2001.
A seleção desta caixa é de do
produtor Ricardo Moreira, que se incluiu apenas os álbuns lançados pela antiga
Phillips, atual Universal Music, mais os outros selo agregados ao acervo da
gravadora, Elenco, Ariola e EMI Aqui estão dois discos que não constam da caixa
anterior, o Arca de Noé, cujo segundo volume foi lançado depois da morte de
Vinicius. Traz também a coletânea inédita Pela luz dos olhos teus, com
fonogramas de fases diversas de Vinicius, gravados por nomes como Elis Regina,
Edu Lobo, Miúcha, Nara Leão e o Secos & Molhados (o poema Rosa de
Hiroshima, musicado por João Ricardo). A coletânea em dois volumes, merecia ser
vendida separadamente pela panorâmica que dá da obra musical de Vinicius de
Moraes, na voz de um time variado de intérpretes. Geralmente ligado à bossa
nova, ou a parceria com Toquinho, Vinicius foi cantado por Trio Mocotó (A tonga
da mironga do kabuletê), Simonal (tem dó), Jair Rodrigues (O morro não tem vez)
e Zeca pagodinho (Pra que chorar).
A obra fonográfica de Vinicius de Moraes é caudalosa, embora
tenha começa relativamente tarde a carreira artística, para valer, em 1957, a
partir de Orfeu do Carnaval, o musical que assinou com Tom Jobim, inaugurando a
parceria mais célebre da MPB. O compositor insinuou-se na vida de Vinicius de
Moraes antes do primeiro livro de poemas. Em 1928, aos 15 anos, escreveu a
letra de Loura ou morena, melodia de Haroldo Tapajós: “Cabelo louro vale um
tesouro/é um tipo fenomenal/cabelos negros têm seu lugar/pele morena convida a
amar/o que vou fazer?”. A música seria gravada em 1932. Faria outras nos anos
30, mas a diplomacia o carregou para outros países, e o distanciou dos
parceiros. Aflorou o poeta maior, que ofuscou o compositor até sua volta ao
Brasil, quando encetou mais uma parceria, desta vez com Paulo Soledade, que
musicou o Poema dos olhos da amada. Na mesma época Vinicius aparece como
parceiro de Antônio Maria, no samba Quando tu passas por mim, gravado por Aracy
de Almeida.
Mas
Vinicius de Moraes só encararia para valer a carreira, inicialmente, paralela,
de compositor de música popular depois que conheceu um jovem pianista, no Bar
Gouveia, próximo à Academia Brasileira de Letras (há quem jure que foi no
Vilarino, na Calógeras, quase Centro do Rio). A apresentação feita pelo amigo
comum, e crítico de música, Lúcio Rangel. O poeta estava com o texto de um
musical escrito à procura de quem lhe botasse melodia. Reza a lenda que um
desinteressado Tom Jobim, o tal jovem pianista, aceitou o convite de Vinicius,
depois que este respondeu afirmativamente à sua pergunta: “”Levo um dinheirinho
nisso?”. Levou, e inaugurou com o poeta a moderna música brasileira, cuja
característica, eram as harmonias com influências dos impressionistas, e as
letras leves e coloquiais, que antecipavam a bossa nova. Aliás, mais do que as
melodias, as letras de Vinicius e a interpretação e batida do violão de João
Gilberto tornaram a BN diferente da música que se fazia até então no Brasil.
Depois deles, adeus versos empolados como “merencória luz da lua”, ou
intérpretes de inclinações ao bel canto, e os vibratos.
Orfeu da Conceição - trilha
sonora da peça teatral, lançado em 1956, pela Odeon, tem o violão de Luiz Bonfá
e a voz de Roberto Paiva, orquestrações e regência de Tom Jobim, e declamação
de Vinicius de Moraes, no monólogo de Orfeu, que fecha o disco. É o título
inaugural da obra do poeta, e da caixa A bênção Vinicius. Orfeu a Conceição
rendeu o primeiro clássico da dupla, Se todos fossem iguais a você. Mas
Vinicius mudava mais de parceiros do que de mulher. manteve até o final da vida
uma saudável promiscuidade de parceiros. Ainda na bossa nova pulou de Tom Jobim
para Carlos Lyra. Veio em seguida Baden Powell, parceria representa na caixa
com dois álbuns antológicos: De Baden e Vinicius especialmente para Cyro
Monteiro (1965), cujo intérprete é o sambista para quem as música foram
compostas. O segundo é Os afro-sambas de Baden Vinicius (1966), com o Quarteto
em Cy, e Baden Powell, com arranjos e regência de Guerra Peixe. Um disco que
Baden Powell, cujo repertório, no final da vida, se recusaria a tocar pela
citação aos orixás (a faixa final Lamento de Exu é um sol ode violão dele).
ALTOS E BAIXOS
Autor de poemas suficientemente
bons para ser escalado como poeta maior num time em que figurava m Manuel
Bandeira e Carlos Drummond de Andrade, Vinicius sabia descer o nível com
categoria para escrever letras, não se arvorando a poeta neste item, embora
tenha feito letras primorosas, como a de Felicidade, sob melodia de Tom Jobim
(para o filme Orfeu do carnaval, de Marcel Camus). Uma das suas melhores letras
e a do clássico Chega de saudade, dos impagáveis e brejeiros versos: “Mas se
ela voltar, se ela voltar/que coisa linda, que coisa louca/pois há menos
peixinhos a nadar no mar/do que os beijinhos que eu darei Na sua boca”. Letras
que nasciam com o clima de cada canção. Para o “parceirinho” Edu Lobo (então
com 22 anos), compôs a sisuda Arrastão, em 1965. Para a trilha de Garota de
Ipanema (Leon Hirszman, 1967) chegou a compor uma iê-iê-iê, Por você (com
Francisco Enoé), gravado por Ronnnie Von.
Sem
preconceitos gêneros musicais, Vinicius aceitaria a tarefa de assinar, em 1972,
a versão para o português da ópera rock hippie Jesus Christ superstar, de Lloyd
& Weber, um dos trabalhos mais obscuros de sua obra musical, um dos álbuns
da caixa A bênção Vinicius, nem todo de música. Um dis discos é o Antologia
poética (1977) em que ele declama seus poemas, uma seleção baseada na
compilação homônima, lançada pela Editora Sabiá, de Rubem Braga. Fora da
diplomacia a partir de 1969, Vinicius se entregaria apaixonadamente à musica,
não apenas como compositor. Naquele mesmo ano, ele começaria a fazer canções
com Toquinho, sua parceria mais longa. Longe do Itamaraty ele se podia dar ao
luxo de virar superstar. Não mais seria o poeta, como acontece no disco com
Odette Lara (1963, com arranjos de Moacir Santos).
Os dois passaram a fazer música aos borbotões, nem sempre
privando pelo crivo da qualidade. O samba pop da dupla Vinicius & Toquinho
tomou conta do país, vendeu centenas de milhares de discos criou imitadores,
como Antônio Carlos & Jocafi ou Tom & Dito, e levou Vinicius a
finalmente ganhar muito dinheiro com música, também como cantor. Esta fase está
representada na caixa por cinco CDs: Vinícius Canta Nossa Filha Gabriela
(1972),Toquinho & Vinícius (1975), Toquinho & Vinícius (1974), 10 Anos
de Toquinho & Vinícius (1979) Um Pouco de Ilusão (1980)
José
Teles
Jornal do Commercio
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