Em publicações recém-lançadas, o poeta Vinicius de Moraes e o ensaísta
Geoff Dyer escrevem sobre o jazzO jazz goza de uma condição vetada a qualquer um dos gêneros da música popular/pop que ascenderam juntamente à indústria fonográfica, no século passado. Parece que os jazzistas sempre se sentiram pouco confortáveis com a simplificação exigida pelo pop. A melodia de fácil assimilação, o som que você sai assobiando à segunda audição, a repetição, o refrão: tudo era comportado demais para o espírito daquela música, mais um gênero a surgir do ímpeto de liberdade das comunidades afrodescendentes dos EUA.
O jazz corre riscos. Improvisa, busca fugir das zonas de conforto. Seus
desdobramentos nascem de cisões, de discordâncias, de intrigas dentro do
gênero, diferente da errância do rock que prefere buscar além do novo. O jazz
não. Ele trava embates, cria inimigos dentro da própria tradição.Outra propriedade do jazz de fazer inveja aos gêneros vizinhos é servir de matéria-prima para ótimos livros - não apenas estudos históricos ou revisões críticas, mas tentativas de compreendê-lo por meio de ensaios, de gente mais ligada à literatura que à crítica musical ou à história cultural. A razão desta bibliografia ensaística ser tão invejável é o fato de você não precisar gostar de jazz para ler (e se envolver com) livros a respeito do gênero e de seus protagonistas.
Mesmo para quem é imune aos encantos da música é difícil resistir às narrativas em torno dela. Seu conceito, do improviso, da ligação espiritual que ata o corpo do músico, sua vida, a narração de sua vida, seus instrumentos e a música propriamente dita, é frequentemente mais apaixonante do que qualquer coisa que se escreva sobre o pop ou o rock, por exemplo.
O objetivo dos dois é radicalmente distinto,
ainda que as motivações pareçam as mesmas. Em entrevista na 11ª Festa Literária
Internacional de Paraty (RJ)/ Flip, Dyer confessou não ser um grande entendedor
do jazz: "Sou incapaz de aprender a tocar um instrumento musical. Na
verdade, eu escrevi o livro para aprender mais sobre a música, sobre o
jazz". A ideia de ser necessário um empenho em discursar para aprender
também aparece em carta de Vinicius ao poeta pernambucano Manuel Bandeira,
citada na introdução de "Jazz & Co.", assinada pelo organizador
do volume, Eucanaã Ferraz. "Jazz: você vai ver a coleção que estou
trazendo", escreve o poeta ao amigo. E continua: "Pretendo mesmo,
caso me dê a bossa, dar um pequeno curso ilustrado aí, num canto qualquer. Ouvi
tudo o que há de legítimo nesse país (os EUA)".O resultado é distinto. O brasileiro (talvez influenciado pelos cursos de ciências sociais que fez durante sua incursão pelos EUA e o jazz) escreve uma espécie de história social do gênero - mais didática e linear que aquela apresentada pelo historiador marxista Eric Hobsbawn em seu "História Social do Jazz". Já Dyer, um dos principais ensaístas da língua inglesa, flerta com os artifícios da ficção para reconstituir episódios sobre um time de heróis do jazz, do panteão para sempre estrelado àqueles cujo nome ameaça se perder para além dos círculos especializados.
Jazz & Co.
Vinicius de Moraes
Organização, prefácio e notas: Eucanaã Ferraz
Cia. das Letras
2013, 152 páginas
R$ 58
Todo aquele jazz
Geoff Dyer
Tradução: Donaldson Garschagen
Cia. das Letras
2013, 240 páginas
R$ 39,50
DELLANO RIOS
EDITOR
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