
O objetivo inicial era entregar o equipamento na data do centenário de Gonzaga, mas descobertas arqueológicas, imprevistos na fase de fundação geraram atrasos nas obras e, consequentemente, um novo cronograma. O empreendimento localiza-se no Recife Antigo, cujo subsolo abriga, por exemplo, resquícios de muralhas antigas da cidade. O outro prédio do Centro Cultural deve ser finalizado em 2014, com auditório, salas para oficinas, restaurante escola, café e espaços de ambientação e convivência. A área total é de 5.500m².
Já o museu Cais do Sertão conta com 7.500m² de área construída e recursos da ordem de R$ 97 milhões, para execução das instalações e produção de conteúdo e acervo. 85% desse valor são oriundos do Governo de Pernambuco; o restante vem do Governo Federal, via Ministério da Cultura (MinC). As obras do térreo do prédio estão adiantadas e o ritmo de trabalho parece intenso, para dar conta dos prazos.
Esses e outros detalhes foram anunciados em coletiva realizada nesta semana em Recife, com a presença do presidente do Porto do Recife, Rogério Leão; a curadora e diretora geral do projeto, Isa Grinspum Ferraz; o Secretário de Desenvolvimento Econômico de Pernambuco, Márcio Stefanni Monteiro; o coordenador geral do empreendimento, Gilberto Freyre Neto (Fundação Gilberto Freyre); e o Secretário Executivo de Políticas de Desenvolvimento de PE, Felipe Chagas.
Integração
Além das grandes dimensões, outro diferencial do museu é ter sido concebido a partir da integração entre expografia, arquitetura e tecnologia de ponta. Juntos, todos esses elementos contribuem para uma "experiência de imersão e de vivência, hora coletiva, hora individual, de ordem intelectual e também afetiva, que não pode ser reproduzida com a TV ou a internet, por exemplo", explicou a curadora e diretora de criação Isa Grinspum Ferraz.
"Combinamos tradição e tecnologia. O acervo terá objetos originais de Luiz Gonzaga e réplicas criadas por artistas ligados à sua carreira, relíquias e peças de arte contemporânea. Elementos como luzes, som e climatização serão controlados por um sistema muito refinado, como uma teia", adiantou Ferraz.
A concepção do museu, segundo a curadora, fundamentou-se em dois anos de pesquisa não apenas sobre Luiz Gonzaga, mas sobre o universo sertanejo, aspecto basilar em seu trabalho. "Para abordar a odisseia de sua vida e obra tínhamos que trazer também o sertão, daí o nome Cais do Sertão. A proposta era construir não apenas um museu, mas um centro de referência e pesquisa da cultura sertaneja", esclareceu Ferraz.
O prédio do museu (módulo 1 do complexo) é dividido em seis espaços distintos. Em frente à entrada há uma praça batizada o Juazeiro e a Sombra, com nada menos que um juazeiro de 50 anos transplantado do interior de Pernambuco. O professor Daniel Duarte, da Universidade Federal da Paraíba (campus II, em Areia), especialista em plantas da caatinga, coordenou o processo.

A observação vale, por exemplo, para os combogós de parte do prédio, cujo desenho único foi elaborado a partir do traço das galhagens e do chão seco do sertão. Ao todo, foram utilizadas 2.200 peças, em uma "construção artesanal para fazer do museu um espaço único", ressaltou o secretário Márcio Stefanni.
Na entrada haverá uma vitrine com objetos pessoais de Gonzaga, como sanfonas e trajes (chapéus, perneiras, gibões). Logo após, uma sala redonda em aço, chamada Útero, onde os visitantes "mergulharão" em uma projeção de oito minutos, em 220°, que sintetiza e expressa poeticamente a paisagem física e cultural do sertão. "Quase como um rito de passagem", resume Ferraz.
A etapa seguinte, batizada Armazém: o Mundo do Sertão, divide-se em seis territórios distintos, cada um com cerca de 70m². Um riacho construído entre elas representa o Rio São Francisco e ajuda a delimitá-las.
No espaço Ocupar haverá uma grande maquete reproduzindo a caatinga, seu relevo e bioma. Telas, vitrine e estações interativas contam a história da ocupação do sertão, divididas entre aspectos de paleontologia, arqueologia, ecologia, colonização e urbanização. Projeções e animações revelam aspectos inusitados da geografia e história desse universo. No território Viver haverá um labirinto de texturas que evoca a vida no sertão, além de objetos de uso cotidiano e filme sobre as casas e comidas sertanejas. Em Trabalhar, estarão expostos cerca de 50 ferramentas de trabalho, acompanhados de instalação com imagens e sons da feira e outra multimídia sobre a relação do sertanejo com a água.
Territórios
No território Cantar serão resgatadas as maneiras como o sertão foi retratado na música e no cinema. Uma linha do tempo dinâmica conta, por meio de objetos raros e iconografia, a história da invenção do Baião por Luiz Gonzaga e seus parceiros.
Compõem ainda o espaço uma vitrine com roteiros originais do programa "No mundo do Baião", criado e estrelado por Gonzaga e Zé Dantas na Rádio Nacional. No Túnel das Origens, uma projeção audiovisual de cerca de dez tipos de artistas e personagens tradicionais nordestinos (banda de pífanos, repentistas, cantadores de feira, cordelistas, vaqueiros, cantadores, de abio, sanfoneiros etc) apresentam as sonoridades que inspiraram a invenção do gênero musical.
O território Criar é dedicado à cultura material sertaneja, popular e erudita, por meio de vitrines com objetos criados por artesãos - a exemplo de Mestre Vitalino. O visitante poderá navegar virtualmente por uma teia hipertextual composta por coleções de obras artísticas que retratam o sertão, relacionadas ao cangaço, amor, festas, paisagens, cotidiano, trabalho e crenças.
A fé, aliás, é o tema do território Crer, que, dividido em dois espaços (Deus e o Diabo na Terra do Sol), tematiza, o fervor religioso do sertão. Por fim, no território Migrar, estações multimídia trazem depoimentos de migrantes sertanejos, anônimos e famosos, inclusive do próprio Gonzaga. Dez monitores rodam filmes elaborados a partir de depoimentos e memória oral desses nordestinos que contam suas histórias de vida.
Encerra o circuito do museu a chamada Caixa, espaço em que se revezam três experiências audiovisuais: "Ói eu aqui de novo: vida e obra de Luiz Gonzaga em vídeo"; "A língua do sertão: espetáculo de luzes e sons sobre o falar e o escrever sertanejos"; e "Cordel: a literatura de cordel em versos e animação".
Acessibilidade
No mezanino do prédio haverá ainda um espaço com toda a discografia de Gonzaga e uma vitrine com capas de discos, além de tablets para os visitantes pesquisarem informações e ouvirem as músicas do Rei.Em um espaço chamado Imbalança, crianças e adolescentes poderão manipular e tocar instrumentos musicais. Completam o trajeto baias para caraoquê e para gravação de versões personalizadas de músicas de Gonzaga, a partir de samplers do Baião.
Computadores instalados no local garantem a conexão do museu com outras instituições em Pernambuco dedicadas à memória do artista (como o Parque Aza Branca, em Exu). Atualmente, a criação desses conteúdos encontra-se em diferentes fases. A previsão é de que em setembro parte dele comece a ser instalada no museu. Segundo Ferraz, já há em andamento um projeto de acessibilidade para o equipamento, elaborado por equipe especializada.
A repórter viajou a convite da Fundação Gilberto Freyre
ADRIANA MARTINS
*ENVIADA A RECIFE
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