Há
40 anos, os Secos & Molhados gravavam seu álbum de estreia, um marco da
música e da cultura brasileira
A gravadora não levava muita fé. Tanto que deixou as coisas
correrem soltas nas gravações do álbum de estreia da banda formada por Ney
Matogrosso (vocal), João Ricardo (violões, harmônica de boca e vocal) e Gerson
Conrad (violões e vocal). "Eles prensaram 1,5 mil cópias para serem
vendidas ao longo do ano. Vendeu tudo em uma semana", relembra Ney, 71
anos, um dos artistas mais criativos da MPB há quatro décadas.
Sucesso comercial da banda foi bem além daquela tiragem
inicial do LP batizado com o nome do grupo, Secos & Molhados. "Num
intervalo de 11 meses, gravamos dois discos. O primeiro vendeu 1 milhão de
cópias; o segundo, 750 mil. Isso numa época em que o Roberto Carlos - o artista
mais bem sucedido do País - ganhava disco de ouro vendendo 50 mil",
compara Gerson Conrad. O músico dá outra ideia do estrondoso sucesso daquele
primeiro álbum - e de seu sucessor. Até hoje ele vive de direitos autorais,
graças à invejável marca de 50 mil a 60 mil cópias (entre LPs, CDs e álbuns
digitais) vendidas anualmente, contendo as canções daqueles dois primeiros
trabalhos.
O Secos & Molhados
converteu-se num fenômeno sem precedentes na história cultural brasileira. A
fórmula do sucesso não tinha nada de óbvio. Não tinha traços da bossa nova, nem
de romantismo açucarado. Era rock, mas não tinha nada da Jovem Guarda; era um
som brasileiro, canibalizando estéticas estrangeiras, mas certamente não era de
um neotropicalismo de que se tratava.
O visual também era pouco
usual. O trio não composto de almofadinhas prontos a serem devorados pelas
adolescentes, nem gente vestindo as últimas tendências da moda contracultural.
Ainda que ao vivo a trupe
fosse muito maior, o grupo era oficialmente formado por três sujeitos
franzinos. Dois hippies barbados, de cara pintada, adornados de cristais e
purpurina, ladeavam uma figura andrógina, nua da cintura para cima, com plumas
e maquiagem pesada.
A voz aguda, quase
feminina, de Ney Matogrosso também não encontrava igual na programação
radiofônica da época. Tudo exalava provocação em pleno governo Medici, num
Brasil sob uma Ditadura Militar que já havia forçado o exílio de gente como
Caetano Veloso e Gilberto Gil. "A transgressão era uma consequência da
situação em que se vivia no Brasil. Não é que a música só pudesse ser mostrada
assim. Mas a minha única maneira de dizer o que eu pensava a respeito de tudo
aquilo era por meio da transgressão", conta Ney Matogrosso. Ele surgiu
como uma estranha e incômoda figura que atraia homens e mulheres e fascinava as
crianças.
O disco
"Secos &
Molhados" foi gravado entre maio e junho de 1973. Chegou às lojas em
agosto, numa embalagem difícil de resistir. A capa tinha sua força magnética:
um banquete servia as cabeças de quatro figuras mascaradas (o trio principal e
o baterista argentino Marcelo Frias, que deixou o line-up enquanto a arte era
impressa). A bolacha reunia 13 canções autorais. "Sempre acreditamos no
repertório autoral. Desde o início. O único cover com que brincávamos, e só para
aquecer a voz, era ´Banho de Lua´, da Celly Campello. Brincávamos com ela, em
três vozes. Acho que a banda tocou essa música no palco apenas ums vez, em
Santo André. Mas jamais fizemos versões. O Secos sempre foi um grupo com
trabalho próprio, de autor", define Gerson Conrad.
DELLANO
RIOS
EDITOR
Diário do Nordeste
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