Cantor e compositor lança seu 24º
disco em meio a reflexões sobre a carreira, o sucesso e a própria vida
Lulu Santos procura Frank
Ocean. Está em algum lugar do seu iPod, mas ele nem espera chegar aos arquivos
de "Channel orange", a belíssima estreia do cantor americano de soul
e integrante do grupo de hip-hop Odd Future, famoso também por ter revelado a
sua homossexualidade perto do lançamento do disco, ano passado. De improviso,
aquele que já se intitulou o último romântico começa a cantar trechos de
"Thinkin bout you", que narra uma dramática e mal resolvida relação
amorosa
Lulu Santos: mais de quatro décadas de carreira no
mercado pop
"Há muito
tempo que eu não decoro as letras de um disco inteiro, de sair cantando
assim", diz ele. "E há muito tempo também que não escuto um disco tão
bom, tão musical. Amo o Frank Ocean, sinceramente, amo. Ao mesmo tempo, tenho
comprado também muitos discos antigos de blues, como Little Milton, Muddy
Waters, esses caras. É um som pelo qual eu tenho uma grande paixão, quase um
fetiche".
Lulu está na mesa
de um restaurante na Gávea, tomando sopa, com as pernas cruzadas, permitindo
ver o sapato Oxford, novinho em folha, com sola de borracha em tons goiaba,
combinando com a meia, da mesma cor. O visual do cantor, compositor e
instrumentista - que lança este mês um disco cantando Roberto e Erasmo Carlos -
é completado por uma calça chino bege, um cinto de estampa de oncinha e uma
blusa rosa. É assim, elegante e sincero, que ele chega, hoje, aos 60 anos.
"O universo pop pode ser muito
cruel com a questão da imagem, e eu resolvi isso de forma bem simples,
aparecendo na capa desse disco como um senhor com seus belos cabelos
grisalhos". O disco se explica no título: "Lulu canta Roberto &
Erasmo Carlos" (Sony Music). Com 13 músicas e duas vinhetas, ele
cristaliza um projeto iniciado em 2011, que colocou Lulu, Maria Bethânia e
Sandy interpretando músicas de seus ídolos, numa série de shows que correu
várias cidades do país. Bethânia escolheu Chico Buarque, Sandy foi de Michael
Jackson. Lulu optou pela dupla que influenciou decisivamente a sua escolha
profissional, iniciada há mais de quatro décadas.
"Eu gosto de música
por causa da Jovem Guarda e por causa da televisão. Eu descobri isso vendo os
programas que eram exibidos pela antiga TV Rio", diz ele. "E Erasmo,
por exemplo, faz parte dessa primeira geração de artistas brasileiros influenciados
pelo blues e pelo rhythm and blues. ´Fama de mau´ é um exemplo disso".
"Lulu é sempre
moderno", devolve o Tremendão. "Ele tem um estilo único de ser. Sua
ironia é fascinante, e o seu sentimento, muito real. Todos aprendemos com
ele".
Curiosamente, Lulu se vê
novamente envolvido pela televisão nesse momento de inevitável balanço, já que
renovou contrato para mais uma temporada como jurado do programa "The
voice", que apresentou ao lado de Claudia Leitte, Carlinhos Brown e Daniel.
"Participar da
primeira temporada foi uma coisa que mudou a minha vida", admite.
"Parece que voltei a ter uma relevância, mesmo nunca tendo deixado de
trabalhar da mesma forma que sempre trabalhei. No Brasil, a televisão sanciona
ou afirma o gosto popular, algo que aprendi nos anos 1980, quando a gente fazia
Chacrinha, ´Globo de Ouro´ e outros programas".
Ele dá mais uma colherada
na sopa e volta a falar do disco, agora sobre o seu amigo Roberto Carlos.
"Me senti instalado dentro da obra alheia, tentando, no papel de arranjador,
entender como ele e Erasmo trabalhavam suas composições e ao mesmo tempo
comparando o meu processo de criar com o deles. E o Roberto, bom, ele foi a um
dos shows daquela turnê, aqui no Rio, o que me impressionou e honrou muito.
Depois, nos camarins, ele me falou ´Pô, achei que você ia me chamar para tocar
também´. Eu disse: ´Se eu soubesse...´".
"Lulu canta Roberto
& Erasmo Carlos" é o 24º disco de Lulu. Ele sabe que este é o momento
de avaliar os outros 23 que ficaram para trás. E garante não se incomodar com o
fato de essa avaliação ser baseada nos hits que eles produziram ou não.
"Ser definido pelo
sucesso faz com que você passe a ser irrelevante quando não está cumprindo o
seu papel de hitmaker, mesmo quando não está se preocupando exclusivamente com
isso. Mas acontece, sucesso vai e vem, é da trajetória de todos os artistas
populares".
Lulu esquece de vez a sopa,
já fria, e começa a cantar trechos de "Being boring", dos Pet Shop
Boys, que aborda a nostalgia da juventude e os dilemas do envelhecimento.
"A letra diz que chega um ponto da vida em que você se transforma naquilo
que era para realmente ser. E eu acho que é isso mesmo".
CARLOS
ALBUQUERQUE E MICHELE MIRANDA
AGÊNCIA GLOBO
Nenhum comentário:
Postar um comentário