Bandas
de rock do pós-ditadura comemora 30 anos e as conquistas com um som de
rupturas, contestações e busca por liberdade
Tantas
celebrações de 30 anos de carreira não são coincidência. Paralamas do Sucesso,
neste fim de semana, Barão Vermelho, no fim de abril, Titãs, com o show do
lendário disco Cabeça dinossauro, já passaram por
Pernambuco com as turnês comemorativas daqueles idos de 1980, era de ouro do
“rock brasileiro” – definição rebatida por alguns, como o polêmico Lobão.
Em meio ao fim da ditadura e aos primeiros anos da
abertura política, a música refletia a energia da época. “Várias tentativas de
desbunde foram abafadas. Os Beatles chegaram aqui em 1964, no início da
ditadura. A Tropicália surgiu no ano do AI-5. No meu entendimento, os anos 1980
chegam com uma demanda reprimida e uma estrutura industrial pronta para
abraçá-la”, acredita Ricardo Alexandre, autor do livro Dias
de luta, publicado em 2002 e relançado recentemente pela Arquipélago
Editorial (R$ 39,90).
Influenciadas pelo pós-punk e new
wave dos EUA e da Inglaterra, surgiram
bandinhas de amigos de bairro ou escola. “A gente viveu um momento peculiar,
bacana na história. Nossa geração faz parte da linha de frente, queria botar a boca
no mundo”, lembra Bi Ribeiro, dos Paralamas do Sucesso. “Eu tenho o maior
orgulho. Depois do regime militar, a nossa geração foi a primeira a ter voz, a
se expressar artisticamente”, reforça Guto Goffi, do Barão Vermelho. O rock dos
anos 1980 se tornou porta-voz de um país ávido por se reinventar e propiciou
espaço para rupturas e experimentações musicais sob guarida da liberdade.
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RPM
defendeu sucessos como Olhar 43 e causava frisson com o vocalista Paulo
Ricardo. Foto: Arquipélago Editorial/Divulgação.
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O
som nem sempre era coeso. Havia São Paulo, outrora dos Mutantes e Raul Seixas,
com a forte cena punk e os Vímanas (1974-1978) Lobão, Ritchie e Lulu Santos,
figurinhas dos anos 1970 que circularam na década seguinte. Lulu produziu Titãs
e Paralamas. Havia o Rio de Janeiro, com bandas reunidas sob o Circo Voador e
envoltas pelo clima praieiro e pela malandragem carioca, na linha de João Penca
e Seus Miquinhos Adestrados, criada em 1977, na qual o performático Eduardo
Dusek ingressou em 1982. E tinha a turma de Brasília, que deixou o Planalto
Central para se arriscar no Rio (Paralamas do Sucesso) e em São Paulo (Legião
Urbana e Capital Inicial).
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Ultraje a Rigor criou o hit Inútil. Foto:
Arquipélago Editorial/Divulgação.
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E
era essa a música que se ouvia em todo o país, das danceterias paulistas e
casas cariocas às festinhas de prédios, discotecas e ao ArteViva, no Recife.
“Passei tempos sem conseguir escutar a MPB que meus pais ouviam. Era muito
melancólica. Lembro bem quando chegou o single da Blitz, com a música ‘só temos
instrumentos’ (Weekend). A gurizada se
identificou”, diz Paulo André, 45, fundador do Abril Pro Rock, em 1993.
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Evandro
Mesquita era o vocalista da Blitz, que era convidada para programas de TV como
o de Chacrinha. Foto: Arquipélago Editorial/Divulgação.
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Os
outros estados respondiam com produções locais, mas poucas chegaram a se firmar
nacionalmente, como Camisa de Vênus (BA), de Marcelo Nova, e a bem-sucedida
Sepultura (MG). Do Rio Grande do Sul, veio, no fim da década, Engenheiros do
Hawaii, com o pop rock de faculdade. Nem sempre com apuro estético, os grupos
saíram dos ensaios de garagens para conquistar o país inteiro. Inclusive jovens
do século 21, muitos nascidos quando eles já arriscavam os primeiros acordes.
Enquanto isso
por aqui...
Pernambuco exportou, na década de 1970, Alceu
Valença e Geraldo Azevedo. Na década seguinte, enquanto estourava o rock
brasileiro, a produção local não conseguiu se projetar nacionalmente. Alguns
artistas tentavam a sorte no eixo Rio-São Paulo, como Lenine e Lula Queiroga,
que lançaram o discoBaque solto (1982) em terras cariocas. “Uma vez,
uma senhora olhou para mim e disse ‘se ele fosse bom mesmo, não estava aqui’”,
conta Lula Queiroga, sobre a juventude artística. Ele decidiu ir para o Rio, a
carreira não deslanchou e voltou. Lenine se projetou somente dez anos depois,
com Olho
de peixe.
O estado era uma ilha, mas não sem movimentação
musical. O próprio Chico Science, quase embaixador da música pernambucana na
década de 1990, já participava de grupos de hip hop e fundava as bandas Orla
Orbe e Loustal, as duas com Lúcio Maia e a última com Dengue, ambos da Nação
Zumbi até hoje. A Mundo Livre S/A foi criada antes, em 1984. E Fred 04 já tinha
sido líder da Serviço Sujo, pouco antes.
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Cannibal lembrou como era a cena no Recife dos
anos 1980. Foto: Felipe Ribeiro/Divulgação.
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A
cena do metal e hard rock era intensa na década de 1980, embora o público ainda
se formasse. Cruor, The Ax e Realidade Encoberta começaram as atividades na
época. A Câmbio Negro H.C, que retornou à ativa em 2013, nasceu em 1984.
Herdeiros de Lúcifer foi a primeira banda de metal pernambucana, com covers de
Iron Maiden, Ozzy Osbourne, Judas Priest. “A gente ainda estava dentro de casa,
ensaiando, tocando na periferia. Era show para a gente mesmo, para os amigos
das bandas”, conta Cannibal, da Devotos. Naquela época, ele, como todos os
jovens, gostava mesmo era dos shows no Circo Voador, onde viu Legião Urbana e
Capital Inicial.
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