Para
Ed Motta, a cena atual desanima: "Se eu fosse jovem hoje, teria
vergonha". No entanto, revelações como Lucas Arruda devolvem as esperanças
Você é um grande colecionador de discos. Essa
coleção imensa te serve de base quando você constrói o repertório de um novo
disco?
Essa coleção serve de base pra tudo da minha vida. Se eu estou feliz, triste ou
ansioso, tem sempre um disco tocando, 24 horas por dia, estou sempre ouvindo um
LP a todo momento. Se eu estou viajando, tô sempre com um Ipod ou tocador de
mp3. A música é quase como um oxigênio, é um hábito obsessivo. Essa historia da
coleção, sempre que eu viajo pelo País, a primeira coisa que eu faço, antes
mesmo de deixar a mala no hotel, é visitar os sebos da cidade, volto cheio de
disco pro hotel.
E esses discos são, em geral, referências
musicais do lugar em que você está ou raridades?
Tem de tudo. Vou procurar discos de artistas locais da época e vou pegar
raridades também, da musica brasileira e internacional. Mas estou sempre atrás
de uma novidade. Pergunto o que tem de diferente, o que só tem lá...
geralmente, fico de olho em discos independentes lançados no local.
Seus primeiros discos têm muitas referências da
música norte-americana. Depois, você fez um mergulho nos sons mais brasileiros.
Essa distinção existe hoje? Você busca equilibrar suas influências?
Deixo isso seguir naturalmente. Minha música até hoje é moldada por esse
cuidado técnico, muito próprio da cultura norte-americana de fazer música, esse
critério com o estúdio... A influência que eu tive da música brasileira posso
dizer que foi mais em relação à harmonia nos acordes, ouvindo Tom Jobim, Chico
Buarque, então eu acabo usando esses sons como referências harmônicas, mas as
composições em outros idiomas e o rigor do estúdio também estão lá.
O que determina que direção sua música vai
tomar num álbum novo?
Quando estava pra fazer esse disco, não sabia se ia fazer um disco assim ou um
outro disco instrumental, mas depois a coisa foi tomando forma. Nos últimos
quatro anos, tenho me envolvido com essa coisa do AOR (Adult Oriented Rock).
Canções buriladas, com requinte de harmonia e bem trabalhadas na pós produção,
com trabalho de arranjos e mixagens, e ao mesmo tempo com o viés pop, uma
tentativa de comunicar algo para o público também. Acho que o "AOR" é
um disco fácil de ouvir, não é uma coisa para iniciados. Quem gosta de música
pode ouvir o disco e gostar. Não exige uma bula. O jazz é mais difícil, você
tem que ter uma certa informação sobre aquilo, sabe?
E em que medida há uma preocupação com o
público?
Tem duas moedas isso aí, sempre tento fazer uma coisa que eu tenha orgulho,
vontade de mostrar aquilo, mas faço tudo isso pra mostrar pros outros. A cada
frase, penso: ´o que o pessoal vai achar disso aqui?´... Enfim, procuro levar o
que eu penso que é o melhor para as cabeças das pessoas.
Você passou mais tempo produzindo cada canção
do disco. Por que esse novo ritmo?
Meus quatro últimos discos são bem burilados no estúdio: penso na forma de
fazer discos, na capa, o que eu vou usar... E essa demora, de fato, se deu
porque, esteticamente, o disco obedece essa certa polidez de estúdio, ela
idiomaticamente fala com essa produção. Um disco de jazz, por exemplo, não
precisa de tanta técnica.
Sobre esse cuidado de estúdio, uma vez, você comentou
que se dedicou a uma única música por uma semana, prazo irreal no mercado
brasileiro. Você acha que esse trabalho de estúdio está em extinção no Brasil?
O Brasil tem uma criatividade gigante para a música e isso é respeitado no
mundo inteiro, desde Ary Barroso, mas essa história de coisa mais metódica no
disco é muito recente até. A música brasileira só viu isso na época em que o
Lincoln Olivetti dominava o mercado, foi o período em que o Brasil teve os
discos mais metódicos: Rita Lee, Gal Costa, era ele que fazia os arranjos. Além
disso, é um gênio da eletrônica, ele sabe mexer até na parte eletrônica do
negócio. A gente vive dizendo que se você der uma nave, ele conserta, sai
pilotando e ainda toca teclado dentro dela! (Risos) Então, ele, pra mim, é a
grande inspiração do que fazer no estúdio. Depois, na geração 1980, caiu em
desuso, foi aquela época da influência do rock inglês, que dizia que ninguém
precisava de grandes músicos ou de grandes arranjos. Mas agora é que tá uma
loucura mesmo. Eu reclamava dos anos 80 por que não sabia o que ia vir agora!
(Risos).
Mas você acredita que a indústria da pirataria
e as novas formas de difusão da música, por exemplo, acabam tornando o produto
disco (o álbum em si - capa, qualidade de gravação...) um tanto secundário?
Tem uma coisa do mercado, sim. Acaba que os grandes músicos do Brasil não
conseguem entrar nos editais, a marca x de sabonete vai preferir patrocinar a
cantora bonitinha que canta com voz de criança... Esse é o mercado de hoje. Em
vários casos, os compositores autênticos, não que eles estejam sumidos, mas
ficam à margem. Eu, particularmente, fico super desanimado. Não só com essa
coisa do mercado e da pirataria, da venda, mas artisticamente mesmo, o fato é
que vivemos um período muito ruim. Tanto que se eu fosse jovem hoje teria
vergonha! Minha esperança mesmo é a cena independente. O exemplo que dou é o
Lucas Arruda, que já falei várias vezes, pra mim ele é a revelação do ano, um
garoto do Espírito Santo, multi-instrumentista. Então, se ele existe é por que
existem mais no Brasil e essas pessoas estão caladas por que quem domina o
mercado são menininhos de blusa xadrez e que imitam criança no palco. Minha
sorte é que meu negócio é outro. Tenho meu público fiel, que me acompanha...
Nunca fui um artista gigante, que faz turnês... Isso é pro pessoal que vende
muito, eu nunca tive isso. E nem me importa tanto. A casa pode não estar tão
cheia no show, mas se as pessoas se comunicam comigo, e vem ao camarim depois
pra me dar bronca, dizer que eu errei a música tal, em tal hora, ou pra dizer
que estava bom, é isso o que importa. Eu adoro errar letra de música só pra
poder levar bronca do público depois! (Risos).
Motta segue à risca estilo que dá nome ao disco
Se AOR (Adult Oriented Rock) é mesmo essa música essencialmente de estúdio,
mexida e remexida, com toque jazzístico, mas fácil de ouvir, então pode-se
dizer que Ed Motta, de fato, fez aquilo a que se propôs.
Em "AOR", seu último álbum, o décimo da carreira, o cantor -
reconhecido por emplacar hits swingados no início de sua trajetória, como
"Manuel" e "Colombina" - lança um álbum enxuto, com jeitão
de trilha sonora de novela dos anos 1990, daquelas que, de vez em quando, dá as
caras no Vale a Pena Ver de Novo. Uma novela solar, que se passaria - provavelmente
- no Leblon. O fato é que tem marcas de passado, talvez não só da tão recente
década de 90 (uma percepção, aliás, desta que vos escreve, nascida no fim da
década de 80), mas sim próprias dos anos 1970, ápice do AOR, representado
principalmente por Christopher Cross e Alessi Brothers e, no Brasil, por Rita
Lee e Guilherme Arantes.
Quando afirma que seu álbum foi bastante "burilado" em estúdio, Ed
Motta demonstra o quanto conhece o mais novo filho. A assepsia sonora e as
mixagens, próprias das construções musicais em estúdio, são muito vivas,
perceptíveis logo que as canções chegam aos ouvidos.
O tempero jazzístico, típico de suas criações, no entanto, permanece. Para
garanti-lo, Ed conta com um senhor elenco de colaboradores. As guitarras de David
T. Walker, em "Ondas Sonoras", e de Chico Pinheiro, em
"1978", são verdadeiros presentes para quem aprecia o instrumento. Os
metais de "Latido" dão peso à faixa sete e, junto com a bateria
certeira de Sérgio Melo, compõem a moldura da canção, com letra em espanhol,
escrita por Daniel Spinetta.
O enorme aparato de instrumentos e burilagens, contudo, parece compensar a
simplicidade das letras, que de tão medianas, aliás, geram uma certa
incredulidade quando, no encarte, descobre-se compositores como Rita Lee e
Adriana Calcanhoto.
A melhor delas, inclusive, parece ser a de autoria do próprio Ed Motta,
intitulada "A Engrenagem". Nela, o cantor desabafa a respeito dos
comentários feitos por ele em sua página do Facebook, que chegaram a ameaçar
sua carreira, com cancelamentos de shows e tudo o mais.
Na letra, Ed Motta diz: "Não foi nada de mais / repetia tudo sem ter medo
/ não foi nada de mais / ficou tarde, eu sei / para rir outra vez".
Disco
"AOR"
Ed Motta
dwitza music
2013, 9 faixas
R$28,90
Mayara de Araújo
Repórter
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