quinta-feira, 30 de abril de 2020

Projeto mapeia 80 bandas de pífano de Pernambuco para salvaguardar cultura

Banda Cabaçal Bom Jesus dos Aflitos (Foto: Claudia Lisbôa/Acervo)

 No interior do Nordeste, as bandas de pífano evocam nosso sincretismo cultural. Flautas já existiam entre indígenas, mas o instrumento aparece com mais força com a chegada europeus, que usavam o instrumento em novenas e bandas militares. O pífano resiste como identidade cultural nos rincões de Pernambuco, com histórias baseadas na oralidade, muitas vezes invisibilizadas pelas gestões municipais. São várias as motivações que justificam a criação do projeto Pífanos: Do mapeamento a salvaguarda, que mapeou cerca de 80 bandas no Agreste e no Sertão de Pernambuco, extraindo textos, audiovisuais, partituras e livros publicados. Todo o material está disponível no site tocandopifanos.com, que será inaugurado nesta quinta-feira (30). Os pesquisadores da produtora cultural Página 21 farão uma videoconferência no Instagram do projeto (@tocandopifanos), às 19h, também na quinta.

Foram mais de 15 mil quilômetros percorridos pelo estado, durante aproximadamente 10 anos. O objetivo era dimensionar a relevância histórica e cultural dos grupos (com núcleo instrumental formado por um par de pífanos, uma zabumba e uma caixa), incluindo as nuances de cada região, a evolução musical, chegando até ao meio ambiente com matéria prima necessária para fabricar os instrumentos. O resultado, inclusive, irá ajudar no processo de categorização das bandas de pífano como patrimônio da cultura brasileira pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.


Inicialmente, dois projetos foram aprovados no Funcultura, um focado no Agreste Central (2010) e outro no Sertão Meridional e Central (2013) - que resultaram livros disponíveis para download no tocandopifanos.com. O site que chega na web, no entanto, foi um projeto aprovado pelo Itaú Cultural há três anos, que ainda possibilitou uma imersão no Sertão do Araripe, da Itaparica e do São Francisco, além de três comunidades quilombolas: Leitão de Carapuça (Afogados da Ingazeira), Travessão do Carua (Carnaíba) e Quitimbu (Custódia). Entre as bandas presentes, estão Raça Negra Boavistana, Banda de Pífanos da Caatinguinha, Banda de Pífanos Santa Bárbara e Banda Cabaçal Bom Jesus dos Aflitos.

Banda Cabaçal Bom Jesus dos Aflitos (Foto: Claudia Lisbôa/Acervo)

 "Tudo começou em 2010, quando a produtora Página 21 fez um encontro de pífanos em Olinda. Naquele momento, surgiu um desejo de que a expressão fosse reconhecida como um patrimônio da cultura brasileira pelo Iphan. Chegamos até a participar de um abaixo assinado', explica Claudia Lisbôa, que participou da elaboração e execução do projeto. "Realizamos dois mapeamentos com apoio do Funcultura. Em 2017, fomos contemplados no Itaú para novos aprofundamentos que incluem o site, um novo livro e também uma exposição, que ainda não conseguimos realizar devido à pandemia".

Claudia Lisbôa realizou as etapas da pesquisa ao lado do radialista e documentarista Amaro Filho, o historiador e diretor audiovisual Eduardo Monteiro e o etnomusicólogo mineiro Daniel Magalhães, entre outros. O tocandopifanos.com foi alimentando com o conteúdo fundamental para salvaguardar a cultura dessa prática, evidenciando toda sua potencialidade com informações e conteúdos extraídos da memória viva e da oralidade. No entanto, ainda existe mais de 80 horas gravadas em audiovisual e áudio, partituras para serem transcritas. Eles explicam que o portal continuará sendo atualizado por anos, inclusive com mini documentários sobre cada uma das bandas catalogadas, abrigando novas iniciativas, estudos e produções sobre o tema.

“Para mim, essa pesquisa tem um diferencial de outros inventários porque em alguns momentos nós evitamos o recorte. Quando descobríamos uma banda, chegávamos a ela. Fomos persistentes, para dar fala a pessoas pessoas e ajudar a entender a construção dessa cultura brasileira. Em uma perspectiva mais pessoal, vi muita identidade e solidariedade nesses músicos, que em maioria vivem em áreas rurais e muitas vezes trabalham como agricultores. É uma prática que envolve amor, ofício e fé”, diz Cláudia.

Banda Cabaçal Bom Jesus dos Aflitos (Foto: Claudia Lisbôa/Acervo)

 “Quando vemos uma banda de pífano, estamos olhando para 300 anos de tradição viva”, resume o historiador Eduardo Monteiro. “Dentro do pedido do Iphan para o reconhecimento do pífano, nos deparamos com o levantamento histórico e de relevância para a identidade cultural. Partimos para a análise de documentos, mas principalmente para o campo da cultural oral”.

O pesquisador encontrou alguns tópicos que podem ser considerados formadores de identidade: “A música foi uma forma importante da catequização europeia e católica no Brasil. Os primeiros encontros culturais tiveram esse protagonismo musical. No século 18, com a interiorização, isso foi levado às cidades visitadas. O pífano foi sendo modificado com o tempo. No século 20, ele ganhou uma projeção nacional com a Banda de Pífanos de Caruaru, do Sebastião Baino, por exemplo. Gilberto Gil começa a utilizar o instrumento, que acabou influenciando a tropicália, que por sua vez influenciou a música pop no Brasil”, finaliza.


DIÁRIO DE PERNAMBUCO





Nenhum comentário:

Postar um comentário