|
Banda Cabaçal Bom Jesus dos Aflitos (Foto: Claudia Lisbôa/Acervo) |
No interior do Nordeste, as bandas de pífano
evocam nosso sincretismo cultural. Flautas já existiam entre indígenas, mas o
instrumento aparece com mais força com a chegada europeus, que usavam o
instrumento em novenas e bandas militares. O pífano resiste como identidade
cultural nos rincões de Pernambuco, com histórias baseadas na oralidade, muitas
vezes invisibilizadas pelas gestões municipais. São várias as motivações que
justificam a criação do projeto Pífanos: Do mapeamento a salvaguarda,
que mapeou cerca de 80 bandas no Agreste e no Sertão de Pernambuco, extraindo
textos, audiovisuais, partituras e livros publicados. Todo o material está
disponível no site tocandopifanos.com, que será inaugurado nesta
quinta-feira (30). Os pesquisadores da produtora cultural Página 21 farão uma
videoconferência no Instagram do projeto (@tocandopifanos), às 19h, também na
quinta.
Foram mais de 15 mil quilômetros percorridos pelo
estado, durante aproximadamente 10 anos. O objetivo era dimensionar a
relevância histórica e cultural dos grupos (com núcleo instrumental formado por
um par de pífanos, uma zabumba e uma caixa), incluindo as nuances de cada
região, a evolução musical, chegando até ao meio ambiente com matéria prima
necessária para fabricar os instrumentos. O resultado, inclusive, irá ajudar no
processo de categorização das bandas de pífano como patrimônio da cultura
brasileira pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
Inicialmente, dois projetos foram aprovados no
Funcultura, um focado no Agreste Central (2010) e outro no Sertão Meridional e
Central (2013) - que resultaram livros disponíveis para download no
tocandopifanos.com. O site que chega na web, no entanto, foi um projeto
aprovado pelo Itaú Cultural há três anos, que ainda possibilitou uma imersão no
Sertão do Araripe, da Itaparica e do São Francisco, além de três comunidades
quilombolas: Leitão de Carapuça (Afogados da Ingazeira), Travessão do Carua
(Carnaíba) e Quitimbu (Custódia). Entre as bandas presentes, estão Raça Negra
Boavistana, Banda de Pífanos da Caatinguinha, Banda de Pífanos Santa Bárbara e
Banda Cabaçal Bom Jesus dos Aflitos.
|
Banda Cabaçal Bom Jesus dos Aflitos (Foto: Claudia Lisbôa/Acervo) |
"Tudo começou em 2010, quando a
produtora Página 21 fez um encontro de pífanos em Olinda. Naquele momento,
surgiu um desejo de que a expressão fosse reconhecida como um patrimônio da
cultura brasileira pelo Iphan. Chegamos até a participar de um abaixo
assinado', explica Claudia Lisbôa, que participou da elaboração e execução do
projeto. "Realizamos dois mapeamentos com apoio do Funcultura. Em 2017,
fomos contemplados no Itaú para novos aprofundamentos que incluem o site, um
novo livro e também uma exposição, que ainda não conseguimos realizar devido à
pandemia".
Claudia Lisbôa realizou
as etapas da pesquisa ao lado do radialista e documentarista Amaro Filho, o
historiador e diretor audiovisual Eduardo Monteiro e o etnomusicólogo mineiro
Daniel Magalhães, entre outros. O tocandopifanos.com foi alimentando com o
conteúdo fundamental para salvaguardar a cultura dessa prática, evidenciando
toda sua potencialidade com informações e conteúdos extraídos da memória viva e
da oralidade. No entanto, ainda existe mais de 80 horas gravadas em audiovisual
e áudio, partituras para serem transcritas. Eles explicam que o portal
continuará sendo atualizado por anos, inclusive com mini documentários sobre
cada uma das bandas catalogadas, abrigando novas iniciativas, estudos e
produções sobre o tema.
“Para mim, essa pesquisa
tem um diferencial de outros inventários porque em alguns momentos nós evitamos
o recorte. Quando descobríamos uma banda, chegávamos a ela. Fomos persistentes,
para dar fala a pessoas pessoas e ajudar a entender a construção dessa cultura
brasileira. Em uma perspectiva mais pessoal, vi muita identidade e
solidariedade nesses músicos, que em maioria vivem em áreas rurais e muitas
vezes trabalham como agricultores. É uma prática que envolve amor, ofício e
fé”, diz Cláudia.
|
Banda Cabaçal Bom Jesus dos Aflitos (Foto: Claudia Lisbôa/Acervo) |
“Quando vemos uma banda de pífano, estamos
olhando para 300 anos de tradição viva”, resume o historiador Eduardo Monteiro.
“Dentro do pedido do Iphan para o reconhecimento do pífano, nos deparamos com o
levantamento histórico e de relevância para a identidade cultural. Partimos
para a análise de documentos, mas principalmente para o campo da cultural
oral”.
O pesquisador encontrou alguns tópicos que podem
ser considerados formadores de identidade: “A música foi uma forma importante
da catequização europeia e católica no Brasil. Os primeiros encontros culturais
tiveram esse protagonismo musical. No século 18, com a interiorização, isso foi
levado às cidades visitadas. O pífano foi sendo modificado com o tempo. No
século 20, ele ganhou uma projeção nacional com a Banda de Pífanos de Caruaru,
do Sebastião Baino, por exemplo. Gilberto Gil começa a utilizar o instrumento,
que acabou influenciando a tropicália, que por sua vez influenciou a música pop
no Brasil”, finaliza.
DIÁRIO DE PERNAMBUCO
Nenhum comentário:
Postar um comentário