De coronel a santo popular, o Padre Cícero cativa olhares e representações diversas, dos mais céticos a seus milhares de seguidores. É uma figura magnética e cercada de contradições. Para compreender quem foi - e o que é - o Padre Cícero, a pesquisadora Fátima Oliveira Malahosky defende que mais que conhecer sua biografia, é preciso conhecer essas imagens.
"O que os romeiros dizem é que ele é o 'Jesus' deles. A representação de Deus na terra. Esse é o lado mítico. Mas o Padre Cicero também é visto, por muitos, como um coronel", situa a pesquisadora sobre o estudo publicado no livro "Padre Cícero: Mitificação e Desmitificação" (Editora Prismas, 2015).
Fátima Malahosky lança mão de uma extensa bibliografia para analisar as muitas versões do Padre registradas pela literatura. Estão reunidos na obra leituras que vão dos folhetos de cordel a pesquisadores contemporâneos, como Gilmar de Carvalho e Lira Neto, também textos históricos, oras críticos, como os dos escritores Euclides da Cunha, Lourenço Filho e do historiador Otacílio Anselmo, oras fervorosos, como os que assina o Padre Azaria Sobreira.
Versões
"Cresci ouvindo a crítica de estudiosos, que destacavam o coronelismo, por exemplo. E de outro lado, meu Pai, que era de Senador Pompeu, região muito seca, tinha fé imensa em Padre Cícero. Fui buscar nesses autores a característica fantástica do Padre Cícero", situa a autora. "Certa vez, presenciei um debate sobre figura do Padre Cícero, mas associado apenas à parte histórica, sociológica. Faltava uma análise do lado sobrenatural, que é aquilo que ainda hoje o mantém vivo", reforça, destacando a lacuna sobre a qual o estudo se edifica.
Entre as versões de Padre Cícero localizadas na literatura, em Euclides da Cunha ele aparece como um "heresiarca". "Outro autor rebate isso, argumentando que heresiarca é aquele que cria, institui heresia. O Padre era católico, não estabeleceu seita. Euclides o colocava ao lado do Antônio Conselheiro. O tinha como um fanático", pontua a autora.
Fátima identificou, no entanto, mesmo entre os críticos de Cícero, menções ao seu lado sobrenatural, à figura mitificada do religioso. As referências feitas por Lourenço Filho são emblemáticas disso. "Mesmo denegrindo a imagem do padre, mesmo criticando, colocou no cenário essas figuras míticas, que dão o tom do sobrenatural. Ele ganhou um prêmio da academia com livro denegrindo padre Cícero e foi muito louvado", destaca. Outro crítico, Otacílio Anselmo comparou a morte do Padre, com a morte de Jesus.
Sertão
Através da leitura crítica desses escritos, a autora consegue reunir diferentes perfis, que compõe o imaginário em torno do Padre Cícero.
A pesquisa foi realizada entre os anos 2009 a 2012 e incluiu, além da revisão bibliográfica, quatro viagens a Juazeiro do Norte. O trabalho foi apresentado como dissertação de mestrado em Literatura e Crítica Literária pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
A obra foi dividida em três partes fundamentais a essa representação. A representação do sertão na literatura, de uma definição etimológica ao território fantástico; as diferentes compreensões sobre a cidade de Juazeiro do Norte; e, por fim, aquilo se registrou na literatura a respeito do Padre. Para a pesquisadora, a que se forma em torno do religioso está intimamente ligado com o imaginário sobre o sertão, a região Nordeste, e Juazeiro do Norte.
"Procurei Rosemberg Cariry, por exemplo. Ele valoriza essa parte mítica, o reisado, tudo que compõe essa figura. O Padre Cícero virou também um ícone folclórico do Nordeste", ilustra, lembrando festa em que Padre Cícero, representado por um ator, era convidado de honra.
A força que a imagem tem até hoje, atraindo milhares de romeiros ao Cariri, pontua a autora, se deve a essa sua mitificação. "A bíblia representa uma série de fenômenos míticos e outros históricos. Quando Jesus dá vida a uma pessoa morta, isso é mítico. Jesus representou Deus na terra, era mítico. Padre Cícero também. Isso não é figura histórica, é mito", atesta.
Fábio Marques
Repórter
Diário do Nordeste
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