Era o mundo diferente
Os bichos todos falavam
Melhor do que muita gente
E passavam boa vida
Trabalhando honestamente
Era o doutor jabuti
O fiscal do litoral
Era o matreiro siri
Que tinha como ajudante
O malandro do quati
Para chefe aduaneiro
Fazendo muita “muamba”
Ganhando muito dinheiro
Com camundongo ordenança
Vestido de marinheiro
Gostava de serenata
Andava muito cintado
De colete e de gravata
Passava a noite na rua
Mais o besouro e a barata
Inda não era “farrista”
Ganhava cinco mil réis
Para ser telefonista
Mais foi cantar num teatro
E acabou como corista
Tinha muita ocupação
Andava sempre zuindo
Dando na tropa injeção
Combatendo noite e dia
O micróbio da sezão
Era o doutor gafanhoto
Andava sempre apressado
Num bom cavalo de choto
Que uma vez quebrou a perna
Dentro dum cano de esgoto
Na podação dos jardins
E tinha como ajudantes
Quatrocentos mucuins
Que já nesse velho tempo
Eram moleques ruins
Muito bem expediente
Passava a vida feliz
Sempre baludo e contente
Com sua sabedoria
Enganando toda gente
Queria ser sabichão
Até chegou mesmo a ser
Diretor da Educação
Onde baixou portaria
Metendo… os pés pela mão
Era o chefe caranguejo
Apesar de não saber
Daquele troço o manejo
Dava melhor pra tocar
Berimbau ou realejo
Numa fábrica de extrato
O peru era na terra
Consertador de sapato
O calango quitandeiro
Só não vendia barato
A mosca sua empregada
Quando errava no serviço
Levava muita pancada
Mas no fim de pouco tempo
Já vivia acostumada
Destas mesmo brobobó
Que não se dava o respeito
Dançando no carimbó
Num chamego vergonhoso
Com o sobrinho do socó
Houve até pancadaria
Quebraram a perna do gato
Furaram os olhos da jia
E o mocó esmoreceu
Na presença da cotia
Teve um chilique na rua
Naquela barafunda
Apareceu a perua
Que ficou foi depenada
E completamente nua
O comendador jumento
Que tomou as providências
Requeridas no momento
Mostrando que para o cargo
Só lhe faltava talento
Do centro da capital
Depois de enorme sentença
Dum processo federal
Que condenava a vadia
Por ofensas à moral
Gazeta dos Animais
Combateu esse processo
Chamando a todos venais
Porém, comprado o seu dono
Fechou-se, não falou mais
Quando viu a coisa feia
Foi falar com seu padrinho
Que tinha bom pé-de-meia
E com peso de dinheiro
Pôs o juiz na cadeia
Um bode pai de chiqueiro
Foi “bancar” o moralista
Mas desertou do terreiro
Por causa dumas histórias
Que revelou o carneiro
Fazer de todos a cama
Dando lições de higiene
Querendo ter muita fama
Mas todo bicho sabia
Que ele morava na lama
Preguiçoso e muito feio
Onde havia uma tramóia
Estava sempre no meio
Engordando doidamente
À custa do sangue alheio
Mas amiga do trabalho
E tinha seu sindicato
Cada qual lá no seu galho
Acumulando no inverno
Folhas de maio e retalho
Era amiga da baleia
Tracajá guardava os ovos
Nos tabuleiros de areia
Mas a cobra só sabia
Falar mal da vida alheia
Era muito adulador
Não saía de palácio
Mirando o governador
Até que enfim conseguiu
Ser juiz corregedor
Naquela nova função
Foi dizer que tudo aquilo
Era simples galardão
De seu talento elevado
Mas, favor, isso é que não!
Teatro da natureza
Borboleta era querida
Por sua grande beleza
Era a melhor dançarina
Que se via na redondeza
Como mágico perfeito
Engolindo fogo em brasa
Como quem bate no peito
Ganhando palmas a beça
Gozando muito respeito
Em benefício do arraiá
Que já não tinha dinheiro
Nem pra comprar uma saia
E o cachorro foi cantar
Mas apanhou uma vaia
Era um grande aviador
Levando a correspondência
Aos bichos do interior
Conduzindo pelos ares
Cartas, postais e valor
Dos filhos do papagaio
Que só viviam chorando
Dentro d’um grande balaio
Com medo de tempestade
De chuva grossa e de raio
E professor numa escola
Onde uma vez fez exame
A turma do tatu-bola
Que foi toda reprovada
E levou pau na cachola
Ganhando alegre o seu pão
Mas, uma vez o quati
Se arvorando a sabichão
Falou a necessidade
De fazer revolução
Foi, de fato, extraordinário
Quando afirmou que o trabalho
Precisava de outro horário
E lembrou de se aumentar
Da bicharada o salário
Gritando, muito emproado:
“Muito bem, isto é verdade
Eu já vivo maltratado
De trabalhar para os outros
Como um pobre condenado”
Seu sofrimento descreve
E pede que o movimento
Seja mesmo para breve
Que em todo o reino se faça
Estalar medonha greve
Cada qual melhor atiça
O burro sempre na frente
Bufando vem para liça
Tudo que é bicho aderiu
Menos a dona preguiça
Toda manhã, toda tarde
O quati não se calava
Promovendo grande alarde
Enquanto o boi só ficou
Pra não passar por covarde
Que nada estava direito
Até pipira arvorada
Batia o bico no peito
Dizendo: “Pra me acalmar”
Só mesmo com muito jeito.
Trouxe um rolo de cipó
E disse para o quati:
“Isso é pra dar muito nó
No patife que fugir
E deixar a gente só!”
Para a luta pela aranha
Respondeu: Não acredito
Estou farta de patranha
Tenho meu ponto de vista
Vou ver primeiro quem ganha
A formiga deu notícia
O tatu foi logo preso
Para o quartel de polícia
Mas pensando na vitória
Até se riu com delícia
Perdeu metade da crista
Já tinha havido a traição
Muitos estavam na lista
O galo foi deportado
Como sendo comunista
Já passava uma semana
O porco entrou num roçado
Comeu tudo que era cana
E o macaco foi pegado
Quando roubava banana
Foi dando o fora apressado
Enquanto o trouxa do burro
Ali ficava enrascado
Sem saber que jeito dava
Naquele caso encrencado
E nem tão pouco dinheiro
Mas a família Formiga
Tinha bem farto o celeiro
E quando foi procurada
Escondeu tudo primeiro
Era o grande imperador
Sua corte era composta
Só de bichos de valor
Como a família Piranha
Onde tudo era doutor
Duma valente brigada
Com corpos de infantaria
Do capitão peixe-espada
Mandava o zinco comer
na costela da negrada
E arrependido da idéia
Resolveu a bicharada
Se juntar numa assembléia
Que teve muita ovação
No grande dia da estréia
Só quero ver como é
Ninguém mais hoje trabalha
Pra sustentar jacaré
Ele agora o que merece
É certeiro pontapé”
Esta se comprometeu
E, disfarçada, em palácio
Uma noite se meteu
Quando chegou jacaré
Passou-lhe o dente e comeu
Debaixo de aclamação
E baixou logo um decreto
Em que fazia questão
De só comer jacaré
Que é de boa digestão
Vendo a vida por um fio
Abandonaram a cidade
Foram morar lá no rio
Nunca mais na terra firme
A raça dele se viu
Foi ficando diferente
Qualquer bicho que ela via
Passava logo no dente
Ninguém teve mais direito
Tudo andava descontente
Um grupo enorme aparece
E o governo da nação
De repente lhe oferece
Mas este diz: “Cada povo
Com o governo que merece!”
Falou com muita razão:
“Vocês pensavam que a onça
Ia salvar a nação
Mas querem ver o bonzinho
Bota-lhe a lança na mão”
Fez, então, que não ouviu
E rematando a conversa
Os grandes olhos abriu:
“Vocês vão chorar na cama
Que ficou dentro do rio”
Como pegaram meu pai”
Disse o jovem jacaré
Que no convite não cai
E termina murmurando:
“Pra lá o diabo é quem vai”
Se lamentando da sorte
A coruja arrependida
Já preferia era a morte
Ninguém mais tinha coragem
Ninguém sentia-se forte
Por mera perseguição
Perdeu toda uma fortuna
Que ganhou com “cavação”
Ficou quase na miséria
E foi para na prisão
Mas se fingia de sonsa
Vendo o rumo que tomava
Toda aquela geringonça
Assinou um manifesto
Solidária com a onça
Manchava mais a nação
A onça só empapando
Comendo farta ração
Devorando os animais
Sem a menor compaixão
Num banquete oficial
Mas quando quis regressar
Sofreu um golpe fatal
Foi comido pela onça
Sem choro, sem funeral
Ninguém mais contava broca
Marimbondo amedrontado
Já não sabia da toca:
No reino arisco dos bichos
Tudo corria à matroca
Desse tempo de sobroço
No palacete da onça
Tinha um montão de caroço
E no tesouro de reino
Uma montanha de osso!
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