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Esse blog tem como objetivo difundir a Música Popular Brasileira em geral, seja ela qual for: a música do Sul, a musica do Cariri, a Pajeuzeira ou mesmo outros ritmos de regiões diferenciadas. Nasci no Sertão do Pajeú, lugar onde a poesia jorra com muita facilidade e que os Poetas do Repente cospem versos com uma precisão incrível. Sempre tive esta curiosidade de fazer postagens e construir um blog. Aliás, criar um blog é simples e rápido, mas, o difícil mesmo é mantê-lo vivo e pulsante. Uma tarefa difícil e tem que ser feita com muita dedicação e precisão, sei que às vezes agradamos a uns e desagradamos a outros; também pudera, não somos perfeitos e isso acontece em todas as áreas e campos de trabalho. E para que o blog aconteça, tenho que desafiar o meu tempo e fazer propagar até aqueles que acessam e fazem aquisições de temas no gênero da música, da poesia e outros segmentos da cultura brasileira. Não tenho a experiência de um Blogueiro profissional, mas, como se diz: “Experiência só se conquista com tempo, perseverança e dedicação”. É isso aí, espero que curtam esse espaço que faço com exclusividade para vocês.


Obs.: Do lado direito do seu monitor adicionei uma rádio (Cantigas e Cantos) com a finalidade de que você leia e ao mesmo tempo ouça uma seleção musical exclusivamente feita por mim. Também inserí fotos Antigas da Capital da Poesia (S. José do Egito), fotos retiradas do Baú do Jornalista Marcos Cirano.


Texto: Gilberto Lopes

Criador do Blog.

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Poesia: A peleja de Manoel Filó e Cancão

Foto: A PELEJA DE MANOEL FILÓ E CANCÃO 

Peleja de João Batista de Siqueira (Cancão), com Manoel Filomeno de Menezes (Manoel Filó), em casa de um fazendeiro em Belém do Pará, no ano de 1955. 
Manoel Menezes cantou 
Do Brasil ao estrangeiro 
Que teve a capacidade  
Ser o melhor violeiro 
Não foi só no seu estado 
Como no País inteiro. 

Porém um dia sabendo 
Deste poeta afamado 
Além de ficar pensando 
Dizia entusiasmado 
Que queria conhecê-lo 
Pra saber do resultado. 

Assim andei mais de um mês 
Sozinho em sua procura 
E sempre tendo notícia 
De sua literatura 
Dizia eu confio em mim 
Mas temo a sua cultura. 

Menezes passava muito 
Pelo Belém do Pará 
Há tempos que ele fazia 
Grandes cantorias lá 
Com cantores da Bahia 
Rio grande e Ceará. 

Já fazia mais ou menos 
De uns oito a nove meses 
Que o povo desta fazenda 
Já conhecia Menezes 
Cantou lá neste período 
Umas quatro ou cinco vezes. 

O nome do fazendeiro 
Era Laurindo Calado 
Dos cabras de Lampião 
Foi muito prestigiado 
Por sinal ainda tinha 
Grande armamento guardado. 




Porém um dia eu saí 
Em uma reunião 
Numa casa de nobreza 
Digna de toda atenção 
Pedi licença e entrei 
Com a viola na mão. 

Quando fui entrando vi 
Um homem pra outro lado 
Vestido decentemente 
Numa cadeira sentado 
Pelo jeito conheci 
Mas me conservei calado. 

Perguntou Manoel Menezes 
“O senhor é cantador?” 
Olhei para ele e disse: 
Um exímio trovador 
E tinha muita vontade 
De conhecer o senhor 

A casa estava completa 
De gente boa e ruim 
Lá para a parte de fora 
Um cochichado sem fim 
Falavam em Manoel Menezes 
Sorriam falando em mim. 

O pessoal do terreiro 
Todo me olhava e sorria 
E eu de cabeça baixa 
Diante tanta anarquia 
Já tinha perdido o gosto 
De fazer a cantoria. 

Só se notava cochicho 
Lá para o lado de fora 
Nisso entra uma mocinha 
Pegada em uma senhora 
Apontou pra mim e disse 
O que vai fazer agora? 

Às cinco horas e meia 
Botaram grande mesada 
Por descuido me sentei 
Junto d’uma encachaçada 
Escarneceu de maneira 
Que não comi quase nada. 


Me disse o dono da casa 
O que é que o senhor sente 
Lhe vejo tão melancólico 
Sem dar um prazer a gente 
Na hora da cantoria 
Não vá se fingir doente. 

Afinal Manoel Menezes 
Afinou o instrumento 
E entramos em discussão 
Naquele mesmo momento 
Com regra, escala e medida, 
Com termo e regulamento. 

- Manoel Menezes: 

Ilustre João Batista 
Que vieste aqui fazer? 
Vieste de corpo aberto 
É o que tenho a dizer 
Caíste na minha mão 
Tens de apanhar ou correr. 

- João Batista: 

Venho aqui por ter prazer 
De apertar a tua mão 
Dizem que já tens agora 
Medalha de campeão 
Fiz esforço pra saber 
Se isto é verdade ou não. 

- Manoel Menezes: 

Cantar é minha missão 
Desde de anteriormente 
Viajei de norte a sul 
De nascente a ocidente 
Nunca ouvi um cantador 
Dizer nada em minha frente. 

- João Batista: 

É dito por muita gente 
Que nesta arte és profundo 
Em qualquer uma matéria 
És primeiro sem segundo 
Tenho ouvido essas conversas 
Rolarem no meio do mundo. 

- Manoel Menezes: 

Cantor bom ou vagabundo 
Comigo envelhece cedo 
Mesmo vivendo escondido 
No coração do lajedo 
Imaginando meu nome 
Fica tremendo de medo. 

- João Batista: 

Descubro todo o segredo 
Que existe nos oceanos 
Passo pelos paralelos 
Entro nos meridianos 
O que fizer num minuto 
Tu não farás em dez anos. 

- Manoel Menezes: 

Esgoto os cinco oceanos 
Sem um sinal de cansaço 
A redondeza da terra 
Eu meço todo a compasso 
Arrocho um pólo no outro 
Que se derrete um pedaço. 

- João Batista: 

Boto gelo no mormaço 
A terra se desmantela 
Desce de abismo abaixo 
Com tudo que tiver nela 
Passo três dias no vácuo 
Servindo de sentinela. 

- Manoel Menezes: 

A chuva que cria e zela 
Posso mudar o seu clima 
Mudando a temperatura 
O mundo se desanima 
Nunca mais chove pra baixo 
Fica chovendo pra cima. 






João Batista: 
O povo chora e lastima 
Se toar conta de gás 
Fecho o registro do éter 
Entupo todos os canais 
Nem pra cima nem pra baixo 
Sem ordem não chove mais. 

- Manoel Menezes: 

Um dia um poeta audaz 
Criticou um verso meu 
Botei-o em um labirinto 
Registrei o nome seu 
Ele morreu tão depressa 
Que nem deu fé que morreu. 

- João Batista: 

Uma noite sucedeu 
Um cantador me alterar 
No princípio foi afoito 
Logo depois de pensar 
Soluçou de arrependido 
Ter aprendido a cantar. 

- Manoel Menezes
 
Se um cantador me afrontar 
Tomo as formas de um bisão 
Arremeto como touro 
Estrago como vulcão 
Que neste humilde cordeiro 
Dorme secreto um dragão.
 
- João Batista: 

Deixei profunda impressão 
No sertão do Ceará 
A presa da onça preta 
Veneno do boitatá 
Arrocho da sucuri 
Nos confins do Juruá. 







- Manoel Filó: 

Em meu espírito só há 
Amor, paz e vassalagem, 
Mas perdendo a paciência 
Não há mais camaradagem 
O cantador vindo a mim 
Não tira certa a viagem. 

- João Batista: 

Eu sou igual a barragem 
Que acumula água um mês 
Pode acumular um ano 
Acumula dois ou três  
Depois que a parede cai 
A água sai de uma vez; 

- Manoel Menezes:  

Cantador por mais cortês 
Vir me causar aperreio 
Faço vir um terremoto 
A terra rasga seu seio 
Desaparecerá tudo 
Que tiver naquele meio. 

- João Batista: 

Em qualquer um eu passeio  
Se não houver propaganda 
O sol mudará a luz 
O vento paira a não anda 
A terra foge do eixo 
O globo cai uma banda.
  
- Manoel Menezes: 

Se o espírito comanda 
Intimida mil nações 
Crio cauda de serpente 
Grandes presas de leões 
Desta forma amedrontei 
Mais de vinte gerações. 






- João Batista: 
Nas águas dos Solimões 
Venci uma sucuri 
Invadi um fort inglês 
Batalhei no Havai 
Guerrilhei no Paissandu 
Dominei Curupaiti  

-João Batista: 

Meu colega eu recebi 
Agora mesmo um recado 
Irmos tomar um café 
Eu estou necessitado 
Depois disto cantaremos  
O martelo agalopado. 

Uma moça disse a outra 
Comadre eu não tinha fé 
Que o senhor João Batista 
O que foi tomar café 
Na arte da poesia 
Fosse da forma que é. 

A outra disse eu até 
Fiquei muito arrependida 
Procurei a humilhá-lo  
Estou despersuadida 
Esta vergonha na cara 
Carrego o resto da vida. 

- Manoel Menezes: 

Quando eu canto um martelo agalopado 
Relâmpagos fuzilam de momento 
Deixa o globo sombrio e pardacento 
O cruzeiro do sul atravessado, 
Vênus fica girando de outro lado 
Desce raio , corisco, a terra treme, 
O oceano se irrita, brama e geme,  
Fica o mundo no castigo e no flagelo 
Verde, azul, cor-de-rosa e amarelo 
Acinzentado, castanho e cor de creme. 







- João Batista: 

Dei um impulso na ponta de um penedo 
Estremeceu igualmente a um trovão 
Fez na terra tão grande socavão 
Que o povo que olhava tinha medo 
No estremeço outra banda do rochedo 
Caiu em cima do telhado do inferno 
Que depois com a vinda do inverno 
Ficou muito mais feio e mais profundo, 
Satanás não aguentou saiu no mundo 
Fazendo lista do povo em seu caderno. 

- Manoel Menezes:  

Fui um dia à Itália conduzido 
Ao chegar fui olhar para o Vesúvio 
Que estragava da forma de um dilúvio 
Levantava em furor descomedido 
Quando tudo já tinha derretido 
Baixei lavas horrendas da cratera 
Logo após que extingui aquela fera, 
Dei valores ao prado e a savana, 
Ressuscitei a Pompéia e Herculana 
E está tudo hoje em dia como era. 

- João Batista: 

 Eu um dia com raiva pelejando 
Dei um tombo tão grande em uma serra 
Que a rocha se abriu até a terra 
Passou mais de uma hora balançando 
As montanhas ficaram fumarando 
O oceano bramiu, o mar gemeu, 
Em um instante o espaço escureceu 
Deixei o mundo terrível solidão 
Vinte dias em completa escuridão 
No fim dos quais foi que o sol apareceu. 

- Manoel Menezes: 
Certo dia baixei três constelações 
Mudei também o sistema planetário 
Peixes, Virgem, Saturno e Sagitário, 
Imitam hoje figuras de leões 
Até Vênus em sãs girações 
Fiz perder sua rota de repente 
Também fiz se erguer no oriente 
Um arco-íris completo de cometas 
Troquei os signos e as marchas dos planetas 
Ficou todo atrasado e diferente. 
- João Batista: 
Onze horas da noite assim seria 
De um salto mergulhei no oceano 
Viajei entre as águas mais de um ano 
Depois saí em um porto da Turquia 
Não sabia se era noite ou dia 
Do Brasil eu não via nem sinais 
Fiz-me amigo d’um conde e de um rapaz 
Escrevi para um grande no Japão, 
Recebi de presente um avião 
O que é que me falta fazer mais. 

- Manoel Menezes: 

Te deixo de esmola 
Sem ter remissão 
A troco de pão  
Darás a viola 
Ninguém não consola 
Teu horrendo estado 
Sujo e rasgado 
Chorando na vila 
Com uma mochila 
Pedindo um bocado. 

- João Batista: 
Deus rico me fez 
Feliz vou vivendo 
Tu vives morrendo 
Com mil escassez 
Sofrendo nudez 
Que em noite de estilo 
Por causa do frio 
Já tens engelhado 
Dormindo enterrado 
Na areia do rio. 

- Manoel Menezes: 

Fui em teu sobrado 
No mês de janeiro 
Do fim do terreiro 
Voltei assombrado 
Te vi encostado 
Junto a um pilão 
Prestei atenção 
A tua negrada 
Dormindo sem nada 
No pé do fogão. 

- João Batista: 

Tem conhecimento 
Que o ano passado 
Viveste empregado 
Lavando jumento 
Foi um sentimento 
Senti piedade 
Teu filho na grade 
Metido na peia 
Sair da cadeira 
Limpando a cidade. 

- Manoel Menezes: 

É bela e honrada 
A família minha 
Tenho uma filhinha 
Já bem preparada 
É escriturada 
De alto conceito 
Meu pai satisfeito 
Levou-o ao colégio 
É noiva do Sérgio 
Juiz de direito.
 
- João Batista: 

Teu pai eu nem falo 
Que nem conhecia 
Só vi ele um dia 
Roubando um cavalo 
Eu pude alcançá-lo 
Peguei o negrão 
Deitei-o no chão 
Surrei-o de peia 
Foi para cadeia 
E morreu na prisão. 

- Manoel Menezes:
 
Vi o teu retrato 
Num velho museu 
Pois isto se deu 
Um pé no sapato 
O outro no chão 
E a armação 
D’um óculos de cuia 
E um livro de “puía” 
Aberto na mão. 
- João Batista: 

Nós fomos chacais 
Em luta renhida 
A noite comprida 
Cantamos demais 
Dois rios caudais 
Fazendo um remando 
Cansar eu não canso 
Mas fico indeciso 
Que nosso juízo 
Precisa de descanso. 

- Manoel Menezes:
  
Eu já vou embora 
Fiz a despedida 
Fazer a partida 
O tempo é agora 
O expresso demora 
Eu irei de avião 
Pisar noutro chão 
Há tempos ausente 
Olhar para gente 
Do mesmo torrão. 

- João Batista: 

Adeus, vai em paz 
Eu fico na espera 
Pensavas que eu era 
Pequeno demais 
Por isto quem faz 
Não olha medida 
Fizeste partida 
Sem veres a falha 
Vexame atrapalha 
Com tudo na vida. 

- Manoel Menezes: 
Passei cariris 
Em todos os sertões 
Cidades, rincões, 
Fui muito feliz 
O bem sempre fiz 
A bom e canalha 
Sem erro e sem falha 
Honrado a conduta 
De cada uma luta 
Trouxe uma medalha. 
- João Batista: 

Fiquei nas histórias 
Por onde passei 
Nas lutas ganhei 
Milhões de vitórias 
Aplausos e glórias 
Até me comovo 
As honras do povo 
De todo recanto 
Lugares que canto 
Me honram de novo.
 
- Manoel Menezes: 

Eu tenho prazer 
Na minha missão 
Sem má intenção 
Sem nada ofender 
Não quero fazer 
Ofensa a ninguém 
Nem quanto a quem tem 
O mesmo segredo 
Que a fera tem medo 
Da outra que vem.
 
- João Batista: 

Cantei prazenteiro 
Causei alegria 
Gozei simpatia 
De bom fazendeiro 
Ganhamos dinheiro 
Que a gente é amiga 
A noite de briga 
Mas tudo foi bem 
O dia já vem 
Encerra a cantiga. 

Quando o dia amanheceu 
A cantoria encerrou 
Senhor Laurindo Calado 
Bem satisfeito ficou 
Os dois ficaram empates 
Nem um nem outro ganhou.

 Peleja de João Batista de Siqueira (Cancão), com Manoel Filomeno de Menezes (Manoel Filó), em casa de um fazendeiro em Belém do Pará, no ano de 1955.

Manoel Menezes cantou
Do Brasil ao estrangeiro
Que teve a capacidade
Ser o melhor violeiro
Não foi só no seu estado
Como no País inteiro.

Porém um dia sabendo
Deste poeta afamado
Além de ficar pensando
Dizia entusiasmado
Que queria conhecê-lo
Pra saber do resultado.

Assim andei mais de um mês
Sozinho em sua procura
E sempre tendo notícia
De sua literatura
Dizia eu confio em mim
Mas temo a sua cultura.

Menezes passava muito
Pelo Belém do Pará
Há tempos que ele fazia
Grandes cantorias lá
Com cantores da Bahia
Rio grande e Ceará.

Já fazia mais ou menos
De uns oito a nove meses
Que o povo desta fazenda
Já conhecia Menezes
Cantou lá neste período
Umas quatro ou cinco vezes.

O nome do fazendeiro
Era Laurindo Calado
Dos cabras de Lampião
Foi muito prestigiado
Por sinal ainda tinha
Grande armamento guardado.

Porém um dia eu saí
Em uma reunião
Numa casa de nobreza
Digna de toda atenção
Pedi licença e entrei
Com a viola na mão.

Quando fui entrando vi
Um homem pra outro lado
Vestido decentemente
Numa cadeira sentado
Pelo jeito conheci
Mas me conservei calado.

Perguntou Manoel Menezes
“O senhor é cantador?”
Olhei para ele e disse:
Um exímio trovador
E tinha muita vontade
De conhecer o senhor

A casa estava completa
De gente boa e ruim
Lá para a parte de fora
Um cochichado sem fim
Falavam em Manoel Menezes
Sorriam falando em mim.

O pessoal do terreiro
Todo me olhava e sorria
E eu de cabeça baixa
Diante tanta anarquia
Já tinha perdido o gosto
De fazer a cantoria.

Só se notava cochicho
Lá para o lado de fora
Nisso entra uma mocinha
Pegada em uma senhora
Apontou pra mim e disse
O que vai fazer agora?

Às cinco horas e meia
Botaram grande mesada
Por descuido me sentei
Junto d’uma encachaçada
Escarneceu de maneira
Que não comi quase nada.

Me disse o dono da casa
O que é que o senhor sente
Lhe vejo tão melancólico
Sem dar um prazer a gente
Na hora da cantoria
Não vá se fingir doente.

Afinal Manoel Menezes
Afinou o instrumento
E entramos em discussão
Naquele mesmo momento
Com regra, escala e medida,
Com termo e regulamento.

- Manoel Menezes:

Ilustre João Batista
Que vieste aqui fazer?
Vieste de corpo aberto
É o que tenho a dizer
Caíste na minha mão
Tens de apanhar ou correr.

- João Batista:

Venho aqui por ter prazer
De apertar a tua mão
Dizem que já tens agora
Medalha de campeão
Fiz esforço pra saber
Se isto é verdade ou não.

- Manoel Menezes:

Cantar é minha missão
Desde de anteriormente
Viajei de norte a sul
De nascente a ocidente
Nunca ouvi um cantador
Dizer nada em minha frente.

- João Batista:

É dito por muita gente
Que nesta arte és profundo
Em qualquer uma matéria
És primeiro sem segundo
Tenho ouvido essas conversas
Rolarem no meio do mundo.

- Manoel Menezes: 


Que nesta arte és profundo
Em qualquer uma matéria
És primeiro sem segundo
Tenho ouvido essas conversas
Rolarem no meio do mundo.

- Manoel Menezes:

Cantor bom ou vagabundo
Comigo envelhece cedo
Mesmo vivendo escondido
No coração do lajedo
Imaginando meu nome
Fica tremendo de medo.

- João Batista:

Descubro todo o segredo
Que existe nos oceanos
Passo pelos paralelos
Entro nos meridianos
O que fizer num minuto
Tu não farás em dez anos.

- Manoel Menezes:

Esgoto os cinco oceanos
Sem um sinal de cansaço
A redondeza da terra
Eu meço todo a compasso
Arrocho um pólo no outro
Que se derrete um pedaço.

- João Batista:

Boto gelo no mormaço
A terra se desmantela
Desce de abismo abaixo
Com tudo que tiver nela
Passo três dias no vácuo
Servindo de sentinela.

- Manoel Menezes:

A chuva que cria e zela
Posso mudar o seu clima
Mudando a temperatura
O mundo se desanima
Nunca mais chove pra baixo
Fica chovendo pra cima.

João Batista: 

O povo chora e lastima
Se toar conta de gás
Fecho o registro do éter
Entupo todos os canais
Nem pra cima nem pra baixo
Sem ordem não chove mais.

- Manoel Menezes:

Um dia um poeta audaz
Criticou um verso meu
Botei-o em um labirinto
Registrei o nome seu
Ele morreu tão depressa
Que nem deu fé que morreu.

- João Batista:

Uma noite sucedeu
Um cantador me alterar
No princípio foi afoito
Logo depois de pensar
Soluçou de arrependido
Ter aprendido a cantar.

- Manoel Menezes

Se um cantador me afrontar
Tomo as formas de um bisão
Arremeto como touro
Estrago como vulcão
Que neste humilde cordeiro
Dorme secreto um dragão.

- João Batista:

Deixei profunda impressão
No sertão do Ceará
A presa da onça preta
Veneno do boitatá
Arrocho da sucuri
Nos confins do Juruá.

- Manoel Filó:

Em meu espírito só há
Amor, paz e vassalagem,
Mas perdendo a paciência
Não há mais camaradagem
O cantador vindo a mim
Não tira certa a viagem.

- João Batista:

Eu sou igual a barragem
Que acumula água um mês
Pode acumular um ano
Acumula dois ou três
Depois que a parede cai
A água sai de uma vez;

- Manoel Menezes:

Cantador por mais cortês
Vir me causar aperreio
Faço vir um terremoto
A terra rasga seu seio
Desaparecerá tudo
Que tiver naquele meio.

- João Batista:

Em qualquer um eu passeio
Se não houver propaganda
O sol mudará a luz
O vento paira a não anda
A terra foge do eixo
O globo cai uma banda.

- Manoel Menezes:

Se o espírito comanda
Intimida mil nações
Crio cauda de serpente
Grandes presas de leões
Desta forma amedrontei
Mais de vinte gerações.

- João Batista: 

Nas águas dos Solimões
Venci uma sucuri
Invadi um fort inglês
Batalhei no Havai
Guerrilhei no Paissandu
Dominei Curupaiti

-João Batista:

Meu colega eu recebi
Agora mesmo um recado
Irmos tomar um café
Eu estou necessitado
Depois disto cantaremos
O martelo agalopado.

Uma moça disse a outra
Comadre eu não tinha fé
Que o senhor João Batista
O que foi tomar café
Na arte da poesia
Fosse da forma que é.

A outra disse eu até
Fiquei muito arrependida
Procurei a humilhá-lo
Estou despersuadida
Esta vergonha na cara
Carrego o resto da vida.

- Manoel Menezes:

Quando eu canto um martelo agalopado
Relâmpagos fuzilam de momento
Deixa o globo sombrio e pardacento
O cruzeiro do sul atravessado,
Vênus fica girando de outro lado
Desce raio , corisco, a terra treme,
O oceano se irrita, brama e geme,
Fica o mundo no castigo e no flagelo
Verde, azul, cor-de-rosa e amarelo
Acinzentado, castanho e cor de creme.

- João Batista:

Dei um impulso na ponta de um penedo
Estremeceu igualmente a um trovão
Fez na terra tão grande socavão
Que o povo que olhava tinha medo
No estremeço outra banda do rochedo
Caiu em cima do telhado do inferno
Que depois com a vinda do inverno
Ficou muito mais feio e mais profundo,
Satanás não aguentou saiu no mundo
Fazendo lista do povo em seu caderno.

- Manoel Menezes:

Fui um dia à Itália conduzido
Ao chegar fui olhar para o Vesúvio
Que estragava da forma de um dilúvio
Levantava em furor descomedido
Quando tudo já tinha derretido
Baixei lavas horrendas da cratera
Logo após que extingui aquela fera,
Dei valores ao prado e a savana,
Ressuscitei a Pompéia e Herculana
E está tudo hoje em dia como era.

- João Batista:

Eu um dia com raiva pelejando
Dei um tombo tão grande em uma serra
Que a rocha se abriu até a terra
Passou mais de uma hora balançando
As montanhas ficaram fumarando
O oceano bramiu, o mar gemeu,
Em um instante o espaço escureceu
Deixei o mundo terrível solidão
Vinte dias em completa escuridão
No fim dos quais foi que o sol apareceu.

- Manoel Menezes:
Certo dia baixei três constelações
Mudei também o sistema planetário
Peixes, Virgem, Saturno e Sagitário,
Imitam hoje figuras de leões
Até Vênus em sãs girações
Fiz perder sua rota de repente
Também fiz se erguer no oriente
Um arco-íris completo de cometas
Troquei os signos e as marchas dos planetas
Ficou todo atrasado e diferente.

- João Batista:

Onze horas da noite assim seria
De um salto mergulhei no oceano
Viajei entre as águas mais de um ano
Depois saí em um porto da Turquia
Não sabia se era noite ou dia
Do Brasil eu não via nem sinais
Fiz-me amigo d’um conde e de um rapaz
Escrevi para um grande no Japão,
Recebi de presente um avião
O que é que me falta fazer mais.

- Manoel Menezes:

Te deixo de esmola
Sem ter remissão
A troco de pão
Darás a viola
Ninguém não consola
Teu horrendo estado
Sujo e rasgado
Chorando na vila
Com uma mochila
Pedindo um bocado.

- João Batista:
Deus rico me fez
Feliz vou vivendo
Tu vives morrendo
Com mil escassez
Sofrendo nudez
Que em noite de estilo
Por causa do frio
Já tens engelhado
Dormindo enterrado
Na areia do rio.

- Manoel Menezes:

Fui em teu sobrado
No mês de janeiro
Do fim do terreiro
Voltei assombrado
Te vi encostado
Junto a um pilão
Prestei atenção
A tua negrada
Dormindo sem nada
No pé do fogão.

- João Batista:

Tem conhecimento
Que o ano passado
Viveste empregado
Lavando jumento
Foi um sentimento
Senti piedade
Teu filho na grade
Metido na peia
Sair da cadeira
Limpando a cidade.

- Manoel Menezes:

É bela e honrada
A família minha
Tenho uma filhinha
Já bem preparada
É escriturada
De alto conceito
Meu pai satisfeito
Levou-o ao colégio
É noiva do Sérgio
Juiz de direito.

- João Batista:

Teu pai eu nem falo
Que nem conhecia
Só vi ele um dia
Roubando um cavalo
Eu pude alcançá-lo
Peguei o negrão
Deitei-o no chão
Surrei-o de peia
Foi para cadeia
E morreu na prisão.

- Manoel Menezes:

Vi o teu retrato
Num velho museu
Pois isto se deu
Um pé no sapato
O outro no chão
E a armação
D’um óculos de cuia
E um livro de “puía”
Aberto na mão.
- João Batista:

Nós fomos chacais
Em luta renhida
A noite comprida
Cantamos demais
Dois rios caudais
Fazendo um remando
Cansar eu não canso
Mas fico indeciso
Que nosso juízo
Precisa de descanso.

- Manoel Menezes:

Eu já vou embora
Fiz a despedida
Fazer a partida
O tempo é agora
O expresso demora
Eu irei de avião
Pisar noutro chão
Há tempos ausente
Olhar para gente
Do mesmo torrão.

- João Batista:

Adeus, vai em paz
Eu fico na espera
Pensavas que eu era
Pequeno demais
Por isto quem faz
Não olha medida
Fizeste partida
Sem veres a falha
Vexame atrapalha
Com tudo na vida.

- Manoel Menezes:
Passei cariris
Em todos os sertões
Cidades, rincões,
Fui muito feliz
O bem sempre fiz
A bom e canalha
Sem erro e sem falha
Honrado a conduta
De cada uma luta
Trouxe uma medalha.
- João Batista:

Fiquei nas histórias
Por onde passei
Nas lutas ganhei
Milhões de vitórias
Aplausos e glórias
Até me comovo
As honras do povo
De todo recanto
Lugares que canto
Me honram de novo.

- Manoel Menezes:

Eu tenho prazer
Na minha missão
Sem má intenção
Sem nada ofender
Não quero fazer
Ofensa a ninguém
Nem quanto a quem tem
O mesmo segredo
Que a fera tem medo
Da outra que vem.

- João Batista:

Cantei prazenteiro
Causei alegria
Gozei simpatia
De bom fazendeiro
Ganhamos dinheiro
Que a gente é amiga
A noite de briga
Mas tudo foi bem
O dia já vem
Encerra a cantiga.

Quando o dia amanheceu
A cantoria encerrou
Senhor Laurindo Calado
Bem satisfeito ficou
Os dois ficaram empates
Nem um nem outro ganhou..

Fonte: Facebook de Marcos Passos

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