A cumbia argentina, o reaggeton caribenho, o hip hop hispano-americano de Miami, o funk carioca, o tecnobrega paraense, o forró eletrônico cearense e a swingueira da Bahia. O que todos esses ritmos têm em comum? Na essência, tratam-se de gêneros considerados periféricos, nascidos no gueto, da mistura de outros ritmos musicais e que acabam ajudando a construir a identidade da comunidade que os produz. Quando se trata da história social da música, da sua relação com processos identitários de grupos sociais, fica difícil definir o que é parte do centro e o que é “música de gueto”.
Cena do filme “A Batalha do Passinho”, do diretor Emílio Domingos, sobre o funk carioca
Às vezes, parece até que tudo é uma questão de tempo. Como no caso do samba – por tanto tempo restrito ao alto dos morros – ou do baião de Luiz Gonzaga, música de retirante e que, com os anos, deixaram a margem e alcançaram um reconhecimento nacional.
Recentemente, a liberdade evocada pela ideia de ecletismo atrelou-se ao mercado fonográfico com certa conveniência, dando vazão à indústria do “tudo junto e misturado”. Forró com arrocha, brega com funk, pagode com axé. No carnaval da mistura, não há impedimentos ou incongruências.
Além dos ritmos, também a seara das composições se transforma, sempre chacoalhando a corda bamba dos conceitos de moralidade. A música se mostra, principalmente, como campo de negociações: de poder, de ideologias.
Um bom exemplo é o funk: a música de protesto – “hoje eu quero é ser feliz” – da década de 1990, vira “cerol na mão”, aderindo à sexualidade e ao humor para fazer bombar os bailes.
Anos 2000. Paralelo ao Bonde do Tigrão, levado às TVs com cautela, o funk melody conquista espaços mais amplos – o “só love, só love”, de Claudinho & Buchecha. A moda dura pouco e o funk retorna ao gueto.
Anos depois, a história se repete: o “quadradinho de oito”, do Bonde das Maravilhas, toca nas rádios ao lado do “Whisky ou água de coco”, de MC Naldo Beny. E enquanto o “show das poderosas”, de Anitta, invade a TV e até as festinhas infantis, o “Late que eu tô passando”, de Waleska Poposuda, é sensação no YouTube.
Mas enquanto o funk oscila entre a massificação e a restrição a em alguns territórios, o que, talvez, consolida a categorização de “periférico” desse ritmo é que, na periferia, ele nunca deixou de tocar: seja o funk de ostentação, de família ou proibidão. E o mesmo fenômeno acontece com o forró eletrônico do Ceará ou o tecnobrega paraense.
Nesta edição, o Caderno 3 se dedica a conhecer os bastidores de alguns desses ritmos: a realidade de quem os consome e de quem vive deles, além dos esforços para elevá-los ao nível de atividade cultural, alcunha esta sempre tão questionada por alguns. E aí, já é ou já era?
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