Passada uma década, o texto permanece vivo, pulsante, tal qual a poesia dos protagonistas. Um deles, infelizmente, não chegará a ver o projeto de faculdade se transformar em livro: Erickson Luna morreu em 2007. Já Zizo e Miró participam do evento desta quinta-feira, às 19h, no Espaço Cultural Teatro Mamulengo (Praça do Arsenal, Bairro do Recife), com declamações de poesia. Eles também conversam com o autor e com o doutor em literatura André Telles do Rosário, que assina a orelha da obra.
Camilo Soares
Como se aproximou do tema?
Na época da faculdade, era inserido nesse meio poético. Tinha grupos de poesia, produzia um fanzine chamado Itinerário Zero, misturando formas poéticas e gráficas. Meu interesse pela poesia já estava ali. Então quando fui fazer meu trabalho de conclusão de curso, me inspirei no fanzine Caos, de Zizo, que dentro vários outros que consumia, era o que mais me tocava.
Por que os três nomes?
Recife tem vários outros poetas que mereceriam, mas precisei escolher. Miró me tocava pela crítica urbana contundente, enquanto Erickson Luna tinha aquela poesia mais rebuscada, fina, que no fim das contas era uma grande contradição diante da vida desregrada que ele vivia. Zizo, por fim, me interessava por ser um poeta gráfico, que misturava com habilidade o desenho e as palavras, formando uma linguagem própria.
Como descreveria sua relação com os poetas durante e depois da produção do trabalho acadêmico?
Ah, fazer isso me tornou amigo dos três. Tínhamos encontros muito intensos, conversávamos bastante. Antes de morrer, Erickson Luna leu o texto e me disse algo engraçado: “Não entendo como você adivinhou tudo o que estava na minha cabeça!”.
Dez anos depois, como enxerga a “poesia marginal” no Recife? A quantidade de poetas que refletem a realidade urbana diminuiu? A internet mudou alguma coisa?
Estive por muito tempo afastado disso tudo, então não tenho tanto contato com as novas gerações de poetas. Sem dúvida a internet contribuiu para diluir um pouco a poesia chamada marginal; mas a essência permanece, a forma da poesia que não chega até as editoras continua circulando. A internet gera novas maneiras de fazer isso, mas o essencial é o contato intrínseco com a cidade, com as ruas. É isso que torna a poesia marginal, urbana.
Como o livro expressa esse universo?
Tentei fazer de uma forma que não fosse romântica, sem exaltar a loucura, a questão das drogas, do álcool, mas também sem ser preconceituoso em relação a isso. Mostro como os poetas agem, o dia a dia. O mais importante é olhar no olho. O livro é um resgate dessa geração de poetas que fizeram da rua a sua inspiração e, aos poucos, influenciaram outras artes. Essa poética da cidade foi sacudida por eles.
Falta espaço e reconhecimento para esses poetas?
Aos poucos eles conquistaram muitos espaços. Foram lançados livros sobre eles, foram homenageados por cineastas, chamados para apresentações, e até foram tema de estudos mais conceituais, por parte da academia. Mas ainda é pouco. Talvez pudesse ser criado um edital mais específico em relação a esse tipo
Estou agora escrevendo sobre a solidão, sobre as menininhas novinhas que são da bundinha dura e cérebro mole... e também dessa história de derrubar prédio caixão na periferia. Vejo o que as pessoas veem mas não tem tempo de escrever, porque elas vão trabalhar. Eu não tenho trabalho, então só faço escrever. Escrevo minha paranoia. Vivo de pensar. A poesia me dá tudo que preciso, dinheiro, alegria, amigos. Mais nada. O resto me desconforta. Não acredito em mais nada.”
Na verdade, nessa história de livro, só Miró e Erickson Luna que são poetas. Eu só estou dentro porque faço brincadeira de poesia. Sou mais um anarquista, só faço brincar”
Poeta-símbolo do grupo, por seu romantismo marginal e palavras sábias, publicou muito pouco. Além dos fanzines e, recentemente, sites na Internet (como o Interpoética), só viu a luz de um único livro solo de poesia, Do moço e do bêbado (2004). Seus poemas ainda participaram da Coletânea poética I - marginal Recife (2002) e de Claros Desígnios (2006).
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