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Esse blog tem como objetivo difundir a Música Popular Brasileira em geral, seja ela qual for: a música do Sul, a musica do Cariri, a Pajeuzeira ou mesmo outros ritmos de regiões diferenciadas. Nasci no Sertão do Pajeú, lugar onde a poesia jorra com muita facilidade e que os Poetas do Repente cospem versos com uma precisão incrível. Sempre tive esta curiosidade de fazer postagens e construir um blog. Aliás, criar um blog é simples e rápido, mas, o difícil mesmo é mantê-lo vivo e pulsante. Uma tarefa difícil e tem que ser feita com muita dedicação e precisão, sei que às vezes agradamos a uns e desagradamos a outros; também pudera, não somos perfeitos e isso acontece em todas as áreas e campos de trabalho. E para que o blog aconteça, tenho que desafiar o meu tempo e fazer propagar até aqueles que acessam e fazem aquisições de temas no gênero da música, da poesia e outros segmentos da cultura brasileira. Não tenho a experiência de um Blogueiro profissional, mas, como se diz: “Experiência só se conquista com tempo, perseverança e dedicação”. É isso aí, espero que curtam esse espaço que faço com exclusividade para vocês.


Obs.: Do lado direito do seu monitor adicionei uma rádio (Cantigas e Cantos) com a finalidade de que você leia e ao mesmo tempo ouça uma seleção musical exclusivamente feita por mim. Também inserí fotos Antigas da Capital da Poesia (S. José do Egito), fotos retiradas do Baú do Jornalista Marcos Cirano.


Texto: Gilberto Lopes

Criador do Blog.

sábado, 20 de abril de 2013

HISTÓRIA: Manifesto tropicalista, um senhor de 45 anos

O primeiro manifesto tropicalista, feito em Pernambuco, foi publicado há exatos 45 anos pelo Jornal do Commercio, em plena ditadura militar

Em foto histórica, os responsáveis pelo manifesto tropicalista: Jomard Muniz de Britto, Celso Marconi e Aristides Guimarães / Reprodução

Em foto histórica, os responsáveis pelo manifesto tropicalista: Jomard Muniz de Britto, Celso Marconi e Aristides Guimarães


Senhoras com laquê nos cabelos e senhores engravatados, ambos com convicções tradicionais tão firmes quanto o penteado das senhoras, devem ter ficado atônitos ao ler o Jornal do Commercio de 20 de abril de 1968, num sábado como hoje, há exatos 45 anos. Na página 3, ao lado dos filmes do dia, um título inusitado provocava os leitores de um Recife essencialmente conservador: Porque somos e não somos tropicalistas. Circulava na cidade o primeiro manifesto tropicalista do Brasil, um ataque feito a seis mãos contra a repressão e caretice vigentes em um País cercado pela ditadura militar. Um recado fragmentado em nove itens para as tais “pessoas da sala de jantar”, que como na canção de Caetano e Gil, são ocupadas em nascer e morrer.
A noite anterior à publicação havia sido de festa no bar do Alves, no Mercado da Encruzilhada, onde o jornalista Celso Marconi, o professor Jomard Muniz de Britto e o músico Aristides Guimarães foram celebrar depois de assinar o documento na galeria Varanda, em Olinda. Os rostos dos três estavam lado a lado – com Celso sendo “enforcado” por Jomar e Aristides – na foto histórica que ilustrava a capa do JCno anúncio do manifesto, publicado na íntegra no dia seguinte. O texto trazia porções de ácido no laquê das senhoras desde o primeiro ponto, em que criticava o marasmo cultural da província (“Por que insistimos em viver a dez anos da Guanabara e a um século de Londres? Por fidelidade regionalista? Por defesa e amor às nossas tradições?”). Ainda pediam: “A vanguarda contra a retaguarda! A loucura contra a burrice! O impacto contra e mediocridade! O sexo contra os dogmas! A realidade contra os suplementos! A radicalidade contra o comodismo! Tropicalistas de todo mundo, uni-vos”.


A postura dos rapazes foi criticada e renegada pela província, que associava a atitude transgressora à homossexualidade, ainda um monstro marginal no Recife de 1968. Se Celso Marconi foi recepcionado na redação do jornal com uma uivada de “Bicha!” (sarro dos colegas, lembra), Aristides, a frente do grupo tropicalista Laboratório de Sons Estranhos (LSE), chegou a ser perseguido na Ponte Duarte Coelho, no Centro, mas por sorte escapou num táxi. “Sentíamos a necessidade do novo. Com uma máquina de escrever, em minha casa, em frente ao Hospital Militar, datilografamos o manifesto em revelia à tal fidelidade regionalista”, lembra Jomard.
Celso, ainda amigo de Jomard, embora estejam afastados, explica que o movimento é uma ideia que passa pela Semana de Arte Moderna de 1922, encabeçada por Oswald e Mário de Andrade. “É algo que tem uma continuidade. Tanto nós, pernambucanos, quanto Caetano e Gil, nos engajamos a uma forma de pensar fora de qualquer molde acadêmico. Ser tropicalista era, antes de tudo, ter uma postura contestadora da realidade”, defende o jornalista, cuja casa em Olinda era a sede para as célebres festas tropicalistas. Pedro Marconi, filho de Celso, tinha por volta de 10 anos à época, mas lembra bem do que tocava no toca-discos das festas: Beatles, Caetano, Gil, Rolling Stones, João Gilberto.
CAETANO, TROPICALISMO E PERNAMBUCO
Caetano veio ao Recife duas semanas depois da assinatura do manifesto pioneiro dos pernambucanos. Ainda sem articular maiores desdobramentos teóricos sobre o movimento, mas já mergulhado em sua “estética do sonho”, o baiano afirmou a Celso Marconi, repórter do JC à época, “que nem ele mesmo entende o que é tropicalismo, mas se tratava de um movimento que vai vingar, pois é de rebeldia a tudo que é quadrado”. Naquele mesmo mês de maio, depois de se uma aproximação com Jomard, Celso, Aristedes e outros tropicalistas da Paraíba e Rio Grande do Norte, Caetano e Gil assinaram o segundo manifesto tropicalista (ainda mais radical), também em Olinda, na Oficina 164, em exposição individual de Raul Córdula (que havia sido censurada na Paraíba).
Ainda naquele maio, começaria a ser gravado o álbum Tropicalia ou panis et circencis, com Caetano, Gil, Gal, Nara Leão, Tom Zé e Mutantes, guiados por Rogério Duprat. Ainda que não-oficial, a obra é tida até hoje como o disco-manifesto do Tropicalismo, enquanto mal se sabe da existência dos manifestos pernambucanos. Como registrado no livro Do frevo ao mangue, Caetano admitiu ao pesquisador e crítico musical do JC José Teles que uma das falhas de seu livro-formação (Verdade tropical) foi não fazer referência aos recifenses. Em outra entrevista, o doce bárbaro ressalta, mas diminui a importância do “quase-tropicalismo” nordestino: “Houve essa colaboração, mas não era tão decisiva para a formação do tropicalismo. Eu acho que seria melhor se tivesse sido mencionada, de toda maneira, mas não acho que essa ausência se faça muito nociva. [...]Isso pode ser injusto com os pernambucanos, mas não com o tropicalismo”. Para Jomard Muniz de Britto, não houve nenhum problema na ausência de referências a ele e aos seus colegas na obra: “Aquele é um livro sobre a formação de Caetano. Nós não fizemos parte de sua formação, mas sim de sua transformação”.
AÇÃO CONTRA OS "TROPICANALHAS"
A manifestação do Tropicalismo no Recife foi essencialmente comportalmental, apesar de ter participação musical memorável com o Laboratório de Sons Estranhos, de Aristides Guimarães (LSE, segundo Jomard, “um alucinógeno mais forte do que o LSD”). Como deixava claro o segundo manifesto nordestino, sob o título de Inventário do nosso Feudalismo Cultural, era necessária e urgente “uma posição de radicalidade crítica e criadora diante da realidade brasileira hoje (1968)”. O combate era contra os “tropicanalhas”, os sujeitos “de atitude conservadora e purista em face dessa mesma realidade”. “Os Felicianos estão por aí. Infelizmente, o manifesto nunca deixou de ser atual”, pontua Jomard.
Ele lembra que a Tropicália não se encerrou em 1969. “É uma pesquisa contínua que Caetano, Gil, Tom Zé, nunca deixaram de fazer. O tropicalismo é se jogar no experimental, transexperimental. É a arte em processo permanente de invenção, sem ter o compromisso com a arte popular nacional”, defende.
Para o professor de letras da UFPE Anco Márcio, até o atrito entre movimentos distintos, como o Tropicalismo e o Armorial (considerado por alguns como uma reação ao primeiro), foi ingrediente da maior importância para a oxigenação da cultura brasileira. 
“Quando observamos um movimento como o Manguebeat, nos anos 1990, vemos o quanto ele tem do regionalismo de Gilberto Freyre, do Tropicalismo de Jomard Muniz de Brito, da experiência do TPN de Hermilo Borba Filho, de um certo imaginário da cidade criado pela poesia de João Cabral, Manuel Bandeira e Joaquim Cardozo, e da radicalidade de pensar a cidade, a região e o Brasil de um Paulo Freire e de um Josué de Castro. Cada um desses movimentos, tentou, ao seu modo, oferecer mais do que uma leitura do Brasil, do Nordeste e do Recife. Eles buscaram, de maneira generosa, um projeto de futuro, um projeto do que o Brasil deveria ser dentro do concerto das nações modernas”, defende.


ENTREVISTA


Reflexões sobre o Tropicalismo

JORNAL DO COMMERCIO - Qual a importância do manifesto no momento de sua concepção, no Recife conservador de 1968, sobre uma ditadura?
ANCO MÁRCIO - Para se entender o contexto do Tropicalismo é necessário que se entenda o contexto de um País e de uma cidade divididos. Seja pela dualidade direita/esquerda (ambas, inclusive, conservadoras no que diz respeito aos costumes sociais), seja pelo sentimento de orfandade que os movimentos das vanguardas pré-64 deixaram na paisagem cultural do país e da cidade. O resultado é que existia uma maneira de pensar o Brasil e o Recife antes de 64 e outro depois do Golpe Militar. No caso do Recife, tínhamos, nos Anos 60, o MCP, o TPN, o Gráfico Amador, os filhos do Atelier Coletivo, a Sudene, a Fundaj, a UFPE e sua Editora. Em suma: circulavam e conviviam no mesmo espaço urbano: Gilberto Freyre, Lula Cardoso Ayres, Luiz Costa Lima, João Alexandre Barbosa, Sebastião Uchoa Leite, Mauro Mota, Ariano Suassuna, Hermilo Borba Filho, Valdemar de Oliveira, Carlos Pena Filho, Adão Pinheiro, Samico, Celso Furtado, Evaldo Coutinho, Antônio Baltar, Francisco de Oliveira, Paulo Freire, Maria do Carmo Tavares de Miranda, Joel Pontes, Luiz Mendonça, Luiz Marinho, Vicente do Rego Monteiro, Maximiano Campos, César Leal, Francisco Brennand, Paulo Cavalcanti, Aluísio Magalhães, Gastão de Holanda, Joel Pontes, Orlando da Costa Ferreira, Osman Lins, Montez Magno, entre tantos outros nomes. O fato, é que se Jomard Muniz de Brito, por um lado, é filho desse País e dessa cidade pré-64 (particularmente do grupo que circulava em torno de Paulo Freire), por outro, no quadro pós-Golpe, ele parece que não vai se identificar com o que ele vai chamar no Manifesto Tropicalista de “esquerda festiva”, aquela que vai ser responsável, a partir de então, por escrever e publicar “’protestos’ puramente retórico-panfletários”. Mas ele também vai Lamentar “que os da ‘nova e novíssima geração’ (a maioria pelo menos) continuem a se valer da tutela sincretista, lusotropical, sociodélica, joaocabralina, t-p-n-ística, etc. e tal.” E aqui entra uma crítica tanto ao Freyre do luso-tropicalismo quanto ao teatro de Hermilo Borba Filho (o TPN) e à poesia de João Cabral. Essa postura é no mínimo interessante, já que os tropicalistas baianos — Caetano Veloso e Gilberto Gil à frente — não terão nenhuma ressalva ao TPN de Hermilo (muito pelo contrário. Em 1966, Gilberto Gil viveu dois meses no Recife a convite de Hermilo Borba Filho. Durante esse período, realizou espetáculos no teatro do TPN, então situado na Avenida Conde da Boa Vista) e muito menos à poesia de Cabral: referência para as várias vanguardas dos Anos 50 e 60. Mas apesar desses ruídos programáticos entre o Tropicalismo recifense e o baiano, creio que o ponto em comum entre ambos é, no campo artístico, a retomada da antropofagia oswaldiana, e, no campo social, a busca pela liberação dos costumes, visto com desconfiança tanto pela direita que estava no poder quanto pela esquerda careta, proto-stalinista, que buscava tomar o poder.

JC - Levando em consideração a atuação de Freyre pela tradição regionalista (com a criação do Centro Regionalista do Nordeste e o 1º Congresso Regionalista do Nordeste), em que medida esse pensamento esbarrou no tropicalismo, aberto ao novo e ao estrangeiro?
AC - Em momento algum o regionalismo é refratário ao novo. Pelo contrário. O pensamento Regionalista de Freyre se calça em cima de três conceitos: o de Tradição, o de Região e o de Modernidade. A Tradição encerraria os signos que traduziam a unidade cultural do País, a exemplo da língua, dos valores cristãos, da culinária, da música, da arquitetura, da arte em geral. Mas essa unidade se firma dentro da diversidade; no caso, a Região, com suas particularidades sociais, econômicas, geográficas e culturais. Para Freyre, a Tradição não exclui a Região e, sim, se complementam e se enriquecem mutuamente. Assim, provido do conhecimento crítico desse patrimônio sócio-cultural é que os brasileiros deveriam buscar no exterior as ideias que nos conduziriam para a construção de um Brasil moderno. Ou seja, a Modernidade seria antes uma ferramenta crítica para pensarmos os destinos da Nação Brasileira do que algo acatado como um valor em si. Em Freyre, Tradição, Região e Modernidade são conceitos que não convivem separadamente, um precisa do outro para cumprir seu destino. Só assim, para ele, estariam estabelecidas, através da conciliação entre o regional e o humano, a tradição e a experimentação, os fundamentos para uma arte brasileira que, por sua vez, aspirasse à universalidade. Talvez a divergência do Regionalismo com o Tropicalismo jomardiano é que este, como a quase totalidade das vanguardas do século XX, defende radicalmente “Tudo que for legitimamente NOVO”. Freyre nunca acreditou e nunca tomou o novo e o moderno como valores em si. Do mesmo modo que ele nunca acreditou que algo por se inscrever na Tradição ou na Região também seria dotado de um valor superior aos promovidos pela modernidade. Na verdade, Freyre viu a modernidade não por aquilo que é a sua camada de verniz, mas por aquilo que constitui o seu âmago. E o âmago que move a modernidade é o espírito crítico em relação ao presente e ao passado. Assim, em Freyre, a Tradição lê a Região e, por sua vez, esta lê a Tradição, e ambas leem o que é proveitoso para o Brasil das experiências modernas na Europa e nos Estados Unidos. Em contrapartida, a modernidade é a ferramenta para ver o que caducou das experiências legadas pela Tradição e a Região. A Interpenetração e o interculturalismo cultural é a palavra de ordem na obra e no pensamento de Freyre.

JC -Como o conflito - direto ou indireto - entre esses movimentos contribui para a fertilidade e renovação da cultura pernambucana?
AC - A existência de tantos intelectuais de peso vivendo e atuando em Pernambuco, a exemplo dos que foram citados acima, revela a riqueza e a efervescência da vida cultural do Estado. Por outro lado, cada um desses movimentos termina dialogando explicita ou implicitamente entre eles. Mas o mais importante é que quando observamos um movimento como o Mangue Beat, nos Anos 90, vemos o quanto ele tem do Regionalismo de Gilberto Freyre, do Tropicalismo de Jomard Muniz de Brito, da experiência do Teatro Popular do Nordeste de Hermilo Borba Filho, de um certo imaginário da cidade criado pela poesia de João Cabral, Manuel Bandeira e Joaquim Cardozo, e da radicalidade de pensar a cidade, a região e o Brasil de um Paulo Freire e de um Josué de Castro. No fundo, cada um desses movimentos, tentou, ao seu modo, oferecer mais do que uma leitura do Brasil, do Nordeste e do Recife, eles buscaram, de maneira generosa, um projeto de futuro, um projeto do que o Brasil deveria ser dentro do concerto das nações modernas. Pena que o Brasil desse começo do século XXI pareça menos generoso e interessante do que o Brasil sonhado por aqueles que fizeram o século XX.

Renato Contente

JC

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