Fotografia de Marluce Sousa
OS DOIS COQUEIROS
Testemunhas seculares
Do outro lado do rio
Rumor das brisas lunares
Nas calmas noites de estio
Foram vigias de feras
Venceram eras e eras
Se tornaram centenários
Os seus bulícios tristonhos
Tinham a doçura dos sonhos
De mil poemas lendários
Com prazeres recebiam
O pequeno rouxinol
Eram os primeiros que viam
A face alegre do sol
Sentiram as mesmas mágoas
Beberam das mesmas águas
Queimados do mesmo pó
Colheram o mesmo sereno
Viveram num só terreno
Nasceram num dia só
Com todo viço aumentaram
As duas plantas vizinhas
Em pouco tempo chegaram
Ao mundo das andorinhas
Neve, chuva e cerração
Frio, sereno e verão
Nada disso os atingiram
Vencedores das idades
Nem as próprias tempestades
Tempo algum lhes aluíram
Nas brisas que perpassavam
Brandas ou mais violentas
Eles os dois conversavam
Numas frases barulhentas
Receberam temporais,
Deslocamentos fatais
Por brusco arrojo dos ventos
Viveram nestes combates
Lutando contra os embates
Da força dos elementos
Assim aqueles coqueiros
Cheios de viço e enganos
Se tornaram dois guerreiros
Foram lutar contra os anos
Um ao outro em homenagem
Nos bafejos da aragem
Estendiam a palha sua
Cada fronde, verde e bela
Conservava uma parcela
Da luz serena da Lua
Suas palhas sussurrantes
Continham graça e beleza
Dois monstruosos gigantes
Criados da Natureza
Desde a fronde às raízes
Todas suas cicatrizes
Foram profundas feridas
Cada marca, uma história
Uma medalha, uma glória
De cem batalhas vencidas
Em certos dias marcados
Choveu torrencialmente
Foram os dois abraçados
Por poderosa corrente
Um rodava, outro pendia
A água se remexia
Numa fúria de dragão
O mais fraco, já vencido,
Num arrojo desmedido
Caiu sem ter salvação
Ficou o outro coqueiro
Em meio à corrente, em pé
Como fosse um guerreiro
Sem esperança e sem fé
Balançava, tremia
Tombava, depois se erguia
Entre o furor do perigo
E a morrer se dispunha
Como a maior testemunha
Da morte do seu amigo
No horroroso fragor
Já se mostrava pendido
Sentiu faltar-lhe o vigor
Foi ficando esmorecido
A água, em borbotão
Fazia revolução
Da superfície à areia
Caiu no mesmo momento
Ao impulso violento
Dos solavancos da cheia
As grandes vagas caudais
Desciam ligeiramente
Sem ter resistência mais
Se lançou sobre a corrente
O aguaceiro o levou
E junto ao outro o deixou
Por um ligeiro desvio
Ficando os dois encostados
Onde estão sepultados
Do outro lado do rio.
João Batista de Siqueira “Cancão”
Poema extraído do livro: “Palavras ao
plenilúnio” de Lindoaldo Campos
CANTIGAS E CANTOS
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