sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Poesia: "Quis rever onde era a moradia Só restou o esteio da saudade", um poema de Aluísio Lopes

Foto de Gilberto Lopes.

QUIS REVER ONDE ERA A MORADIA
SÓ RESTOU O ESTEIO DA SAUDADE

Depois de querer tanto, o pensamento
Impeliu-me ao lugar dos madrigais
Do meu pai, dos meus tios, dos seus pais
O terreiro os brinquedos, meu alento
Na planície da infância, meu momento
Singular, quando vinha da cidade
Era tanta, tanta a felicidade
hoje o peito me reclama na sangria
Quis rever onde era a moradia
Só restou o esteio da saudade

Fosse tal, fosse o modo de chegar
Pra chegar, toda paga, eu pagava
De transporte ou a pé eu lá chegava
Para o doce dos mais doces desfrutar
O aroma dos seus frutos no aromar
Junto ao brilho da bacia, a claridade
‘Ariada’ na areia da bondade
Lembro dela, dos seus olhos, todo dia
Quis rever onde era a moradia
Só restou o esteio da saudade

Quando as vezes, junto aos primos passeava
Era isso, a viagem era um passeio
Todos juntos, corações num só anseio
A distancia, ninguém nisso, nem pensava
Para perto de quem nossa alma amava
 
Ali todos eram só fraternidade
Hoje o favo do mel não mais invade
O meu peito o amargo irradia
Quis rever onde era a moradia
Só restou o esteio da saudade

o caminho que nos levava a morada
Era limpo, ladeado de ramagem
No inverno era verde a sua imagem
No verão, tinha a cor acinzentada
Mesmo assim era mágica a estrada
A casinha bem humilde em claridade
Lá chegando, eu chegava a liberdade
Indo lá, sinto quanto ela é tardia
Quis rever onde era a moradia
Só restou o esteio da saudade

Ao chegar no lugar da fantasia
O fantasma do silencio imperava
Procurei, procurei mas não achava
Aguçado, só o vento assovia
Nem sequer, vi ali casa vazia
Derrubaram, meu deus! foi por maldade?
Ou teria sido insensibilidade
Onde outrora, fora a casa da alegria
Quis rever onde era a moradia
Só restou o esteio da saudade

Ao pisar nos escombros, não contive
O desolamento do passeio
Pus a mão num madeiro, era o ‘esteio’
Como o último guerreiro do declive
Era ele que estava quando estive
Ele forte, robusta propriedade
Eu, vislumbre, bela, em felicidade
Assim fomos, ‘esteio,’ noutro dia.
Fui rever onde era a moradia
Só restou o esteio da saudade

Tanto tempo, tanto tempo já passou
O meu pai, os meus tios, meus avós
Já se foram, não estão mais entre nós
A saudade no meu peito se apossou
Hoje sei, que o que fui, hoje não sou
Nessas perdas, raras pedras, raridade!
Eu perdi, hoje sou só a metade
Nos ‘moraes’ não vou mais, pois me judia
Pois fui ver o lugar da moradia
‘Só restou – me o ‘esteio’ da saudade’

Aluísio Lopes, SJE, 30-12-2016

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