DA SÉRIE
VALE A PENA VER DE NOVO: ZEZÉ LULU
O poeta repentista José Gomes do Amaral, Zezé Lulu, nasceu em 04
de dezembro de 1916 no Sítio Serrinha, distrito de São José do Egito. Filho de
Luiz Ferreira Gomes e Maria José de Santana, ambos, agricultores. Com apenas
seis anos de idade, Zezé Lulu já assistia às noitadas de cantoria do poeta
Antônio Marinho, seu tio por afinidade, que, mais tarde, seria referencial
poético.
Sua primeira cantoria em 1940 ocorreu na residência do Sr. José
Beato, Sítio Serrinha, com o cantador Amaro Bernardino, também filho da região.
Assim como Antonio Pereira, o poeta da saudade, não sabia ler, nem escrever,
apenas assinava o nome. Contudo, raramente cometia erros de português, pois
além de grande repentista, era perspicaz e observador do vocabulário dos
letrados colegas de profissão. Nunca estudou, mas tinha o conhecimento da
natureza, conforme ele próprio glosou:
Essa palavra ciência
Deus, a mim, não concedeu;
Meus ouvidos não ouviram,
Minha boca nunca leu,
Mas vivo aprendendo os livros
Que a natureza me deu.
Deus, a mim, não concedeu;
Meus ouvidos não ouviram,
Minha boca nunca leu,
Mas vivo aprendendo os livros
Que a natureza me deu.
Zezé Lulu, o extraordinário cantador que nunca desmetrificava.
Seu irmão, o poeta João Lulu, de saudosa memória, dizia: parece que os versos
de Zezé vêm todos cortados do mesmo tamanho, como os de Antônio Marinho.
Seu sobrinho e admirador, o poeta João Filho, assim depõe sobre
o repentista:
“Eu nunca vi Zezé perder uma cantoria pra ninguém. Mesmo quando ele, por
desconhecimento, não se aprofundava no assunto, ficava correndo por fora, à
maneira do ‘Águia do Sertão’, recebendo, na maioria das vezes, mais aplausos do
que o companheiro. Outra característica do grande mestre era fazer o povo rir e
chorar na hora em que quisesse. Assisti a muitas cantorias dele que, quando
desenvolvia algum mote de sentimento, lá pela madrugada, aí é que qualquer um
chorava”. Apesar do seu talento nato, Zezé Lulu só ficou mais conhecido quando
começou a cantar com Lourival Batista, que muito o valorizou, além de Zé Catota
e Job Patriota, entre outros.
No entanto, foi o grande Manoel Xudu, o principal responsável
pelo engrandecimento de nome de Zezé, quando reproduziu, através de um folheto
de cordel, a grande cantoria que fizeram juntos, pela primeira vez em que se
encontraram. Igualmente a outros cantadores ‘assombrosos’ do passado, num tempo
em que não havia gravador, pouca coisa foi resgatada de sua fase gloriosa.
Porém, o que temos vale muito.
Como prova de sua capacidade de improviso, o poeta nos deixou os
magníficos versos:
Lá dentro do meu baixio,
Tem um pé de goiabeira;
Eu, na sombra, não confio,
Vou dormir lá na mangueira.
Tem mais um pé de jaqueira,
Perto de um pé de mamão,
E um de banana pão...
Por entre a folha rasgada,
Vendo a lua debruçada
Na janela do sertão.
Tem um pé de goiabeira;
Eu, na sombra, não confio,
Vou dormir lá na mangueira.
Tem mais um pé de jaqueira,
Perto de um pé de mamão,
E um de banana pão...
Por entre a folha rasgada,
Vendo a lua debruçada
Na janela do sertão.
Grande observador dos detalhes da natureza campestre, Zezé
improvisou:
Eu admiro a aranha
Pela casa que constrói!
Cavar, no chão, um buraco
Pra que aquele lhe ‘apói’,
Botar uma tampa em cima
Que nem a chuva destrói.
Pela casa que constrói!
Cavar, no chão, um buraco
Pra que aquele lhe ‘apói’,
Botar uma tampa em cima
Que nem a chuva destrói.
Na copa do pé de uva,
Canta canário e vem-vem
E a rolinha saudosa,
Pousa pra cantar também,
E o concriz canta olhando
As cores que a pena tem.
Canta canário e vem-vem
E a rolinha saudosa,
Pousa pra cantar também,
E o concriz canta olhando
As cores que a pena tem.
Lagartixa, no coqueiro,
Sobe com todo despacho
A fim de comer abelhas
Que sugam as flores do cacho.
Vai de cabeça pra cima,
Vem de cabeça pra baixo.
Sobe com todo despacho
A fim de comer abelhas
Que sugam as flores do cacho.
Vai de cabeça pra cima,
Vem de cabeça pra baixo.
A pequena formiga é um inseto
Porém, faz sua casa bem segura.
Com os ‘dentes’, escavaca a terra dura
Na areia, no barro ou no concreto.
Não precisa pedreiro ou arquiteto,
Engenheiro formado ou construtor;
Ninguém sabe quem é seu professor,
Nem também, a ciência que estuda.
Quando o tempo é contrário, ela se muda,
Quanto é grande o poder do criador!
Porém, faz sua casa bem segura.
Com os ‘dentes’, escavaca a terra dura
Na areia, no barro ou no concreto.
Não precisa pedreiro ou arquiteto,
Engenheiro formado ou construtor;
Ninguém sabe quem é seu professor,
Nem também, a ciência que estuda.
Quando o tempo é contrário, ela se muda,
Quanto é grande o poder do criador!
Vejo os campos bordados de mil flores,
Quando as plantas estão em florescência;
Cada uma contendo uma essência,
Muitas delas com três ou quatro cores.
E os órgãos, que são reprodutores,
Dão-lhe a concepção e o olor;
Vinga o fruto que cresce e tem sabor,
Com sementes pra nova produção,
Outros criam batata pelo chão...
Quanto é grande o poder do criador!
Quando as plantas estão em florescência;
Cada uma contendo uma essência,
Muitas delas com três ou quatro cores.
E os órgãos, que são reprodutores,
Dão-lhe a concepção e o olor;
Vinga o fruto que cresce e tem sabor,
Com sementes pra nova produção,
Outros criam batata pelo chão...
Quanto é grande o poder do criador!
Zezé, profetizando sua partida para o sertão celestial:
No dia em que eu morrer,
Vai ser grande a confusão...
Uns costurando mortalha,
Outros pregando o caixão,
Outros dizendo: acabou-se
Um cantador do sertão.
Vai ser grande a confusão...
Uns costurando mortalha,
Outros pregando o caixão,
Outros dizendo: acabou-se
Um cantador do sertão.
Zezé Lulu deixou o mundo dos cantadores, aos 71 anos de idade,
para encantar os salões celestes com o brilho divinal dos seus repentes, ao
lado dos companheiros, poetas imortais.
Fonte: Antologia Poética Retratos do Sertão - Marcos Passos
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