Incêndio
atinge o Pico do Jabre e tão trágico quanto o incêndio é o modo como a notícia
é veiculada: parece que as antenas importam mais que a floresta!
Antenas de telecomunicação sobre o Pico do Jabre. Foto: acervo pessoal.
De acordo com as
informações fornecidas pelo corpo de bombeiros e veiculadas pelo portal de
notícias G1, as chamas foram avistadas na sexta-feira (16/09) e já atingiram
cerca de 50 hectares da floresta nativa do lugar.
Parabéns ao corpo
de bombeiros pelo seu trabalho difícil e insubstituível! Mas essa situação
requer algumas observações, sobretudo no que diz respeito à forma como a mídia
manifesta sua pouca preocupação com o que realmente é importante nesta
situação.
A notícia trágica
(literalmente!)
Como é que podem
afirmar que horas de incêndio em um lugar rico em fauna e flora como o Pico do
Jabre, não resultaram em feridos ou mortes? Não morreram seres humanos? Que
bom, mas teve muita morte sim!!! Será que não contam os animais e plantas desse
lugar? Existe uma verdadeira cegueira nessa cultura doente, segundo a qual
desde que os seres humanos não sejam atingidos diretamente, o resto é menos
importante! Está errado. Absurdamente errado!
Na notícia, lê-se ainda:
“Segundo o comandante do Corpo de Bombeiros, tenente coronel
Saulo Laurentino, a prioridade da equipe está sendo evitar que as chamas
atinjam antenas de transmissão de operadoras de telefones móveis, internet e
televisão.”
Aqui, temos uma
faca de dois gumes: realmente, com o fogo atingindo as antenas, haveria risco
de acidente para os bombeiros que já estão fazendo um trabalho para lá de
arriscado e poderia (talvez!) complicar o controle do fogo ainda mais além do
risco de contaminação com os materiais dessas antenas (riscos que jamais
existiriam se o lugar fosse respeitado e não tivessem colocado essa
parafernália em uma região tão importante ecologicamente, mas isso a notícia
não menciona, não é?!). Os bombeiros precisam tomar decisões difíceis em
situações extremas e isso não ajuda muito o trabalho deles (embora acreditemos
que eles sejam preparados para tais situações). Entretanto, cabe (e como
cabe!!!) perguntar:
Como é que um dos
mais importantes remanescentes de brejo de altitude do Estado da Paraíba é
colocado em segundo plano diante dessas míseras antenas de transmissão???
Me desculpem os que
não compreendem a real gravidade de um fato tão lamentável, mas que se danem as
antenas! Essa formação geológica data da Era Pré-Cambriana e a floresta que
nela se formou vem sendo moldada, para dizer o mínimo, desde a última Era do
Gelo! Esse tipo de floresta representa cerca de 1/4 da distribuição original da
floresta atlântica nordestina, a qual provavelmente se estendia pelo interior
do Nordeste e sofreu um acentuado recuo para o leste com mudanças climáticas e
geológicas passadas. Será que milhares de anos de processos ecológicos
ocorridos desde a última glaciação (e os que já vieram desde antes dela, há
milhões de anos) são menos importantes do que as antenas das empresas de
telecomunicação?
A segunda notícia já assusta no
título:
Na verdade, meus
caros, não sei até que ponto chega vosso conhecimento ecológico e muito menos
até onde vai a cosmovisão de quem escreve ou lê essas notícias... Mas há muita
comunicação que já foi destruída pelo incêndio: todos os animais (os bichos e
nós, humanos), plantas, outras formas de vida menos evidentes e os vários
ciclos de nutrientes sempre estão em estreita comunicação. E sinto
desapontá-los, mas essa sim é a comunicação da qual realmente precisamos. É
horrível ficar sem celular, sem internet (televisão não faz falta nenhuma!),
mas perguntem aos bombeiros que precisaram enfrentar o incêndio, o quão
importante é ter um ar de qualidade para respirar e o equilíbrio térmico que
aquela mata ajudava a manter e eles vos dirão! É uma pena que os “formadores de
opinião” sejam tão insensíveis ao verdadeiro prejuízo causado pela destruição
da vegetação nativa.
Verdade seja dita,
eles até repassaram (na segunda reportagem, e bem por cima, como é de costume)
as informações fornecidas pelos bombeiros de que alguns animais foram encontrados
mortos e colocaram NO SUBTÍTULO da mesma o tamanho estimado da área consumida
pelas chamas.
Com as antenas
recebendo mais atenção que a biodiversidade e 50 hectares de um remanescente
preciosíssimo de floresta nativa ficando no subtítulo de uma notícia que
enfatiza o risco de comprometimento das transmissões e das TELEcomunicações, só
aumenta a sensação de dor causada por esse incêndio.
Aliás, pode-se até
pensar em que medida não seria melhor mesmo ficarmos sem esse tipo de comunicação:
teríamos alguns transtornos com nossos celulares e computadores, prazos
poderiam ser afetados (nossos bolsos também), mas pelo menos não teríamos o
desserviço das mídias de massa tapando a visão das pessoas para o que realmente
há de importante. Não gostam de pensar nisso? Pois bem, que desenvolvam então
empatia por aqueles que amam esse lugar, que tiveram aulas de campo nele, que
foram nos fins de semana passear, fazer fotografia, realizar pesquisas
científicas... Deveriam ter um pouco mais de respeito porque realmente são
muitas mortes e muitas perdas que nos entristecem profundamente para ficarem
preocupados com antenas de comunicação que só poluem o lugar.
Nossa sociedade já
é vazia de conhecimentos o suficiente, as pessoas já são insensíveis demais aos
problemas ambientais e pelo visto não é de nos surpreender. A forma como temos
acesso às informações, o pouco caso feito com nossa biodiversidade e essa visão
antropocêntrica estreita e rasa que temos do mundo à nossa volta não param de
ser alimentadas. Mas seria bom lembrarem que nem todo mundo é cego, nem todo
mundo está assim tão preocupado com essas antenas e que tivessem um pouco mais
de respeito pelo nosso meio ambiente quando forem usar as preciosas antenas
para transmitir as próximas notícias.
Por Herbert Crisóstomo dos Santos.
Por Herbert Crisóstomo dos Santos.
Blog: Conteúdo Vital
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