segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Incêndio no Pico do Jabre - Algo sobre a cegueira da mídia e da sociedade.

Incêndio atinge o Pico do Jabre e tão trágico quanto o incêndio é o modo como a notícia é veiculada: parece que as antenas importam mais que a floresta!

Antenas de telecomunicação sobre o Pico do Jabre. Foto: acervo pessoal.

De acordo com as informações fornecidas pelo corpo de bombeiros e veiculadas pelo portal de notícias G1, as chamas foram avistadas na sexta-feira (16/09) e já atingiram cerca de 50 hectares da floresta nativa do lugar.

Parabéns ao corpo de bombeiros pelo seu trabalho difícil e insubstituível! Mas essa situação requer algumas observações, sobretudo no que diz respeito à forma como a mídia manifesta sua pouca preocupação com o que realmente é importante nesta situação.

A notícia trágica (literalmente!)

Como é que podem afirmar que horas de incêndio em um lugar rico em fauna e flora como o Pico do Jabre, não resultaram em feridos ou mortes? Não morreram seres humanos? Que bom, mas teve muita morte sim!!! Será que não contam os animais e plantas desse lugar? Existe uma verdadeira cegueira nessa cultura doente, segundo a qual desde que os seres humanos não sejam atingidos diretamente, o resto é menos importante! Está errado. Absurdamente errado!

Na notícia, lê-se ainda:

Segundo o comandante do Corpo de Bombeiros, tenente coronel Saulo Laurentino, a prioridade da equipe está sendo evitar que as chamas atinjam antenas de transmissão de operadoras de telefones móveis, internet e televisão.

Aqui, temos uma faca de dois gumes: realmente, com o fogo atingindo as antenas, haveria risco de acidente para os bombeiros que já estão fazendo um trabalho para lá de arriscado e poderia (talvez!) complicar o controle do fogo ainda mais além do risco de contaminação com os materiais dessas antenas (riscos que jamais existiriam se o lugar fosse respeitado e não tivessem colocado essa parafernália em uma região tão importante ecologicamente, mas isso a notícia não menciona, não é?!). Os bombeiros precisam tomar decisões difíceis em situações extremas e isso não ajuda muito o trabalho deles (embora acreditemos que eles sejam preparados para tais situações). Entretanto, cabe (e como cabe!!!) perguntar:

Como é que um dos mais importantes remanescentes de brejo de altitude do Estado da Paraíba é colocado em segundo plano diante dessas míseras antenas de transmissão???

Me desculpem os que não compreendem a real gravidade de um fato tão lamentável, mas que se danem as antenas! Essa formação geológica data da Era Pré-Cambriana e a floresta que nela se formou vem sendo moldada, para dizer o mínimo, desde a última Era do Gelo! Esse tipo de floresta representa cerca de 1/4 da distribuição original da floresta atlântica nordestina, a qual provavelmente se estendia pelo interior do Nordeste e sofreu um acentuado recuo para o leste com mudanças climáticas e geológicas passadas. Será que milhares de anos de processos ecológicos ocorridos desde a última glaciação (e os que já vieram desde antes dela, há milhões de anos) são menos importantes do que as antenas das empresas de telecomunicação?

A segunda notícia já assusta no título:


Na verdade, meus caros, não sei até que ponto chega vosso conhecimento ecológico e muito menos até onde vai a cosmovisão de quem escreve ou lê essas notícias... Mas há muita comunicação que já foi destruída pelo incêndio: todos os animais (os bichos e nós, humanos), plantas, outras formas de vida menos evidentes e os vários ciclos de nutrientes sempre estão em estreita comunicação. E sinto desapontá-los, mas essa sim é a comunicação da qual realmente precisamos. É horrível ficar sem celular, sem internet (televisão não faz falta nenhuma!), mas perguntem aos bombeiros que precisaram enfrentar o incêndio, o quão importante é ter um ar de qualidade para respirar e o equilíbrio térmico que aquela mata ajudava a manter e eles vos dirão! É uma pena que os “formadores de opinião” sejam tão insensíveis ao verdadeiro prejuízo causado pela destruição da vegetação nativa.

Verdade seja dita, eles até repassaram (na segunda reportagem, e bem por cima, como é de costume) as informações fornecidas pelos bombeiros de que alguns animais foram encontrados mortos e colocaram NO SUBTÍTULO da mesma o tamanho estimado da área consumida pelas chamas.

Triste constatação

Com as antenas recebendo mais atenção que a biodiversidade e 50 hectares de um remanescente preciosíssimo de floresta nativa ficando no subtítulo de uma notícia que enfatiza o risco de comprometimento das transmissões e das TELEcomunicações, só aumenta a sensação de dor causada por esse incêndio.

Aliás, pode-se até pensar em que medida não seria melhor mesmo ficarmos sem esse tipo de comunicação: teríamos alguns transtornos com nossos celulares e computadores, prazos poderiam ser afetados (nossos bolsos também), mas pelo menos não teríamos o desserviço das mídias de massa tapando a visão das pessoas para o que realmente há de importante. Não gostam de pensar nisso? Pois bem, que desenvolvam então empatia por aqueles que amam esse lugar, que tiveram aulas de campo nele, que foram nos fins de semana passear, fazer fotografia, realizar pesquisas científicas... Deveriam ter um pouco mais de respeito porque realmente são muitas mortes e muitas perdas que nos entristecem profundamente para ficarem preocupados com antenas de comunicação que só poluem o lugar.

Nossa sociedade já é vazia de conhecimentos o suficiente, as pessoas já são insensíveis demais aos problemas ambientais e pelo visto não é de nos surpreender. A forma como temos acesso às informações, o pouco caso feito com nossa biodiversidade e essa visão antropocêntrica estreita e rasa que temos do mundo à nossa volta não param de ser alimentadas. Mas seria bom lembrarem que nem todo mundo é cego, nem todo mundo está assim tão preocupado com essas antenas e que tivessem um pouco mais de respeito pelo nosso meio ambiente quando forem usar as preciosas antenas para transmitir as próximas notícias.

Por  Herbert Crisóstomo dos Santos.

Blog: Conteúdo Vital

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