Das serestas da cidade natal, no sertão pernambucano, para os alto- falantes de quermesses e feiras, após gravar o seu primeiro disco, em meados dos anos 1950, logo a voz singular e marcante da cantora Marinês (1935-2007) correria Brasil afora. Caracterizada de Maria Bonita, usando chapéu de couro, tocando triângulo, ao lado do marido, o sanfoneiro Abdias, formava um dos mais conhecidos grupos de música nordestina: "Marinês e sua gente".
Foram 50 discos gravados, mas "não houve tempo para fazer um DVD", como lamenta o filho, o maestro Marcos Farias. Ele, juntamente com a documentarista, musicista e historiadora, Marisa Dwir, vem refazendo os caminhos trilhados pela mãe, a "Rainha do Xaxado", cuja trajetória vai virar documentário.
Em fase de pré-produção, a diretora fala com entusiasmo de Marinês, responsável pelo lançamento de compositores como o maranhense João do Vale (1934-1996), além de cantores, entre outros, Gilberto Gil e Maria Betânia. Segundo a diretora, começa no início do ano a fase de produção do filme, que ganhará as telonas em 2016.
"Mulheres como Chiquinha Gonzaga e Marinês devem ser reverenciadas", completa, admitindo ter sido ela "a primeira cantora nordestina a ganhar projeção nacional, na década 1950".
"Não se pode falar da música popular nordestina sem citar Jackson do Pandeiro, Luiz Gonzaga e Marinês", reconhece Marcos Farias. Eles formam a trindade da música nordestina.
Jackson do Pandeiro tem seu nome reconhecido, assim como Luiz Gonzaga, mas o de Marinês é esquecido, embora seja a grande voz feminina da música nordestina.
Baião e xaxado
O filme abordará as várias faces de Marinês. Desde o início da carreira, aos 21 anos, até o fim da vida, aos 71 anos, cantando com a mesma vitalidade. Foi na música, inclusive, que Marinês encontrou o amor, o sanfoneiro Abdias, e por causa dele o ritmo que a consagraria.
Na época, cantava música romântica. Foi o músico que lhe falou sobre uma nova moda, o Baião, que começava a despontar com o jovem cantor, também nordestino, Luiz Gonzaga.
A cantora demonstrou interesse pelo novo estilo musical, que se desenvolvia tendo como cenário o cangaço. Logo incorpora a figura de Maria Bonita, amada de Lampião. O lançamento da carreira de Marinês, no começo da década de 1950, coincidiu com a chegada desse novo ritmo.
Um dos principais responsáveis pela difusão do ritmo, Luiz Gonzaga, se encantou com a voz e a desenvoltura de Marinês, sendo contratada para dividir o palco com o "Rei do Baião".
Assim, Marinês trabalha por muito tempo ao lado de Gonzagão, até receber o convite da gravadora holandesa Phillips, na época se chamava Sinter, para gravar seu primeiro disco. "Foi um estouro nacional ao emplacar três músicas no mesmo disco, registrando recorde de vendagem", assegura Marcos Farias. Dentre os três sucessos, o clássico "Pisa na Fulô", do até então desconhecido João do Vale, que assinava também as outras músicas: "Peba na Pimenta" e "Quadrilha é bom".
O filme vai ajudar a recompor a memória da cantora, que representa importante capítulo da música brasileira, em especial, a nordestina.
"É uma história que deve ser contada", pontua o filho, afirmando que músicas que ficaram conhecidas nas vozes de Elba Ramalho e Gilberto Gil, como "Bate coração" e "Eu só quero um xodó" foram compostas para ela.
A ideia do documentário é de Marisa Dwir, que começou a observar a importância de Marinês tanto na música quanto na forma de libertação da mulher, em todos os tempos. Contabiliza até agora dois anos nos preparativos, considerando um grande processo, até colocar a mão na massa, propriamente.
"Até aqui foi para estudar, agora entramos na fase de pré-produção". Ainda falta catalogar o acervo.
O ano de 2015 será dedicado à produção, afirma a diretora, completando que as equipes estão sendo fechadas. Os recursos serão captados pela Lei Rouanet, fundos de cultura de estados nordestinos e outras parcerias.
O documentário vai mesclar imagens, depoimentos de todos os grandes nomes que cruzaram os caminhos da cantora, como por exemplo, Gilberto Gil, Elba Ramalho, entre outros, sendo intercalados com cenas recriadas. As locações serão no Rio de Janeiro, São Paulo, Fortaleza, onde ela morou um período, e vários estados do Nordeste.
Independência
Filho de Marinês com o sanfoneiro Abdias, Marcos Farias constitui um acervo vivo sobre a história da mãe. Em entrevista, Marcos destaca a responsabilidade que tem de manter a memória da música nordestina, não precisando de muitos discos gravados, preferindo produzir e dirigir. "Quando o forró original estava fraquejando, eu ia lá e gravava um disco", diz.
O músico admite ser gigantesco o legado musical da mãe, que "tirou a mulher nordestina do segundo plano, da cozinha". Além disso, foi uma mãe diferente: uma das primeiras mulheres divorciadas, empresária e dona da casa noturna, no Nordeste.
Também inovou musicalmente, ao introduzir bateria, guitarra, orquestra, sopros e metais no forró. "Estamos querendo desnudar isso para o povo e mostrar a grande mãe do Nordeste".
O filme servirá ainda para esclarecer algumas lendas acerca da cantora, como a de que era filha de ex-cangaceiro do bando de Lampião. "Na verdade, meu avô era armeiro, fazia bacamartes e munições para o Exército", recorda Marcos Farias.
A única fonte de renda do avô foi minguando, contudo, após discordar do regime militar. Foi, então, trabalhar para o cangaço, já que precisava sobreviver. "Por isso, foi considerado cangaceiro".
Iracema Sales
Repórter
Diário do Nordeste
Nenhum comentário:
Postar um comentário