A caixa "Anos 70" reúne versões remasterizadas dos quatro primeiros álbuns de estúdio de Moraes Moreira
O esquecimento dá um sabor de novidade às redescobertas. É assim, como coisa nova, que soam os quatro primeiros discos de Moraes Moreira, reunidos na caixa "Anos 70". Gravados e lançados entre 1975 e 1979, os trabalhos têm, hoje, valor histórico: são o registro da construção da identidade de um cantor, instrumentista e compositor referencial para a música brasileira.
O primeiro disco solo - intitulado apenas "Moraes Moreira" - foi lançado em 1975, no mesmo ano em que ele deixou a banda/comunidade Novos Baianos. Moraes era, então, o principal compositor do grupo, que contava com Baby do Brasil (Consuelo, à época), Pepeu Gomes, Paulinho Boca de Cantor, Dadi Carvalho e Jorginho Gomes. A ruptura teve um grande impacto na forma de Moraes fazer música. Ele passou de um processo de criação coletivo para outro, em que precisava capitanear todo o projeto.
"Foi um momento difícil. Tive que refazer uma carreira, já que tudo o que fora feito antes ficou com os Novos Baianos. Aos poucos, fui deixando de ser apenas um ex-novo baiano e me firmei como Moraes Moreira. Nas asas de um 'Pombo Correio', decolei para o sucesso", relembra o músico, fazendo referência ao hit de seu segundo solo, "Cara e Coração" (1977), parceria com Dodô e Osmar - a dupla inventora do trio elétrico.
A despeito da importância dos primeiros discos da carreira solo de Moraes Moreira, e da qualidade do repertório, eles haviam se convertido em raridades fonográficas. Não eram reeditados pela Som Livre, detentora dos direitos autorais dos quatro álbuns, e acabavam circulando apenas em disputadas cópias em vinil ou em formato digital, livremente, mas sem a qualidade desejável, em sites e programas de compartilhamento.
O músico e sua obra inicial estão longe de serem as únicas vítimas do desinteresse das grandes gravadoras no Brasil. Em detrimento das reedições integrais de álbuns importantes (fáceis de encontrar em mercados como o europeu, norte-americano e mesmo argentino), a indústria brasileira prefere apostar numa solução fácil: as coletâneas - na linha "O melhor de", "As 20 mais", "O essencial de" e por aí vai.
"Falta responsabilidade cultural a essas multinacionais decadentes, que não sabem a importância da memória", critica Moraes Moreira. A discografia oitentista do músico, recheada de sucessos que tocaram nas rádios, também se encontra fora de catálogo há anos.
O box
"Anos 70" foi possível graças ao jornalista e produtor Marcelo Fróes. Ele é o idealizador, proprietário e motor do Discobertas. O selo independente é especializado em redescobertas de gravações importantes para a música brasileira (há, ainda, um braço dedicado a curiosidades nacionais e estrangeiras ligadas aos Beatles, uma paixão de Fróes). O formato de caixa é o favorito do selo, que já editou coleções de Agnaldo Timóteo, Moreira da Silva, Marcos Valle, Celly Campello, Ed Lincoln, Pery Ribeiro, dentre outros.
Com a autorização da Som Livre, Fróes e Moreira conseguiram relançar, em versões remasterizadas, os discos que mostram como Moraes Moreira se tornou Moraes Moreira. O trabalho ficou por conta de Ricardo Carvalheira.
O músico tenta traduzir a sensação de ver seus velhos discos de volta ao mercado: "Foi como se eu pegasse um pedaço da minha vida com a mão e manipulasse o tempo: uma sensação maravilhosa. Foi preciso aparecer o Marcelo, com a sua sensibilidade, para, através da Discobertas, relançar esses trabalhos, que andavam esquecidos nos arquivos das gravadoras".
"Moraes Moreira", o primeiro álbum da caixa, é o que mais se assemelha ao som dos Novos Baianos. Contudo, sem seus companheiros, Moraes soa mais roqueiro - vide "Desabafo e desafio", "Sempre cantando", "PS" e "Louruca pouca é bobagem". A banda de Moraes é um embrião do grupo A Cor do Som, que seguiria carreira própria no fim dos anos 70, com bons discos. Nas guitarras, Armandinho; no baixo, Dadi, "roubado" dos Novos Baianos.
Fausto Nilo
O Morais Moreira da carne e do som de Carnaval, com referência do frevo e da música baiana dos trios elétricos originais, começa a se estabelecer com "Cara e Coração" e define seu som em "Alto Falante" (1978). O álbum é repleto de canções que o músico fez com o cearense Fausto Nilo.
"Quando conheci Fausto foi uma maravilha: somos do interior do Brasil, ouvimos o rádio e o alto falante, somos apaixonados pela canção popular. Daí para uma parceria foi um pulo. Mesmo morando em cidades diferentes, nosso contato é constante e as músicas continuam rolando. Fausto além de parceiro é um amigo do peito", conta Moraes.
São deles os sucessos que recheiam esses dois álbuns e o último da caixa, "Lá vem o Brasil dançando a ladeira". É nesse, aliás, que está "Chão da praça" - a canção que melhor traduz o espírito deste Moraes Moreira, de identidade própria, longe da sombra dos Novos Baianos.
Dellano Rios
Editor
Diário do Nordeste
Anos 70
Moraes Moreira
DIscobertas
2014, 4 discos
R$ 99
Nenhum comentário:
Postar um comentário