Poesia: "Só no sonho vou vivendo no sertão onde eu morava", por Paulo Robério

Casarão onde nasceu a poetisa  Rafaelziinha
"Sítio Serrote Pintado" (S. José do Egito)

Versos que fiz relembrando os dias da minha infância no Sítio Serrote Pintado, em São José do Egito. Pessoas e situações são citadas como se tivessem vivas na minha mente: as minhas tias, o meu avô, o curral de gado, o leite mugido e morno na caneca de todos os dias, os vizinhos e trabalhadores que diariamente povoavam o velho casarão do meu "reino encantado". Para os outros pode não ter significado, mas para mim diz muita coisa.

MOTE:
SÓ NO SONHO VOU VIVENDO
NO SERTÃO ONDE EU MORAVA

SONHANDO ÁS VEZES ME VEJO
LÁ EM SERROTE PINTADO
NO OITÃO DA CASA SENTADO
NO MEU REINO SERTANEJO
ESCUTANDO O CACAREJO
DA GALINHA QUE ANINHAVA
QUANDO A CHUVA SE FORMAVA
A PINTARADA ESCONDENDO
SÓ NO SONHO VOU VIVENDO
NO SERTÃO ONDE EU MORAVA

UM FILME PASSA NA TELA
DO “CINE” DO MEU PASSADO
UM CURRAL CHEIO DE GADO
VOVÔ ABRINDO A CANCELA
DE UMA VACA AMARELA
TIRAVA O LEITE E ME DAVA
UMA ESPUMAVA DERRAMAVA
DO LEITE MORNO ESCORRENDO
SÓ NO SONHO VOU VIVENDO
NO SERTÃO ONDE EU MORAVA

EM CIMA DA CRISTALEIRA
UM RÁDIO ABC DE OURO
PRA DELEITE DE “PAI LOURO”
TOCAVA UMA TARDE INTEIRA
DE SEGUNDA A SEXTA-FEIRA
MEU AVÔ SINTONIZAVA
A “PAJEÚ” E ESCUTAVA
OS CANTADORES DIZENDO:
SÓ NO SONHO VOU VIVENDO
NO SERTÃO ONDE EU MORAVA

TRABALHANDO NA COZINHA
“TIA VELHA” TODO DIA
MILHO DE MOLHO MOÍA
DEPOIS TORRAVA A FARINHA
XERÉM COM LEITE À NOITINHA
A GENTE SEMPRE JANTAVA
QUEM CHEGASSE INDA CEIAVA
SE ESTIVESSE QUERENDO
SÓ SONHANDO EU VOU VIVENDO
NO SERTÃO ONDE EU MORAVA

QUANDO O DIA AMANHECIA
EM TEMPO DE INVERNADA
O TINIDO DE ENXADA
LÁ DA CAMA A GENTE OUVIA
DE MARRETA ALGUÉM BATIA
E A FERRAMENTA AMOLAVA
CABO DE FOICE ACUNHAVA
NUM TRONCO DE PAU BATENDO
SÓ SONHANDO VOU VIVENDO
NO SERTÃO ONDE EU MORAVA

LEMBRO “MENÉS” E “PAINHA”
CABRAS DA RAÇA NOGUEIRA
CADA QUAL C’UMA PEIXEIRA
TRAMONTINA NA BAINHA
CHEGAVAM DE MANHÃZINHA
QUANDO O DIA CLAREAVA
DA COZINHA ALGUÉM GRITAVA:
- O CAFÉ TÁ JÁ FERVENDO
SÓ SONHANDO EU VOU VIVENDO
NO SERTÃO ONDE EU MORAVA

NO MEU SONHO EU VISLUMBREI
PRÓXIMO A PORTA DO TERREIRO
MAJESTOSO JUAZEIRO
QUE EM SEU TRONCO VADIEI
O CHIQUEIRO ONDE QUEBREI
ALGUNS OVOS QUE ENCONTRAVA
VOVÓ AO LONGE RALHAVA
E EU DE SURDO ME FAZENDO
SÓ NO SONHO EU VOU VIVENDO
NO SERTÃO ONDE EU MORAVA

VI AS VISITAS CHEGANDO
NUMA TARDE DOMINGUEIRA
JOVELINA E ZÉ NOGUEIRA
NA ESTRADA CONVERSANDO
ZÉ RAFAEL ADENTRANDO
NUM TAMBORETE SENTAVA
CRUZANDO A PERNA MOSTRAVA
A CALÇA SE DESCOSENDO
SÓ NO SONHO EU VOU VIVENDO
NO SERTÃO ONDE EU MORAVA

VI MÃE TETA COSTURANDO
OS TRINTA DIAS DO MÊS
ROUPAS PRA FESTA DE REIS
QUE ESTAVA SE APROXIMANDO
ENCOMENDAS DISPENSANDO
QUE O TEMPO POUCO NÃO DAVA
TINHA MOÇA QUE VOLTAVA
PRA CASA SE MALDIZENDO
SÓ NO SONHO EU VOU VIVENDO
NO SERTÃO ONDE EU MORAVA

EU VI LAURINDO ABOIANDO
EM SEU “BANQUETE” MONTADO
CHEGANDO A CASA ENFADADO
A LUA VINHA APONTANDO
FOI LOGO A SELA TIRANDO
DO ANIMAL QUE CAMPEAVA
NA “SALA VELHA” GUARDAVA
ABRINDO A PORTA RANGENDO
SÓ NO SONHO VOU VIVENDO
NO SERTÃO ONDE EU MORAVA

VI MAMÃE, RAFAELZINHA
COM UM SABUGO ENROLADO
NUM PANO VELHO RASGADO
BRINCANDO NUMA CASINHA
ERA BEM DE TARDEZINHA
E UMA CHUVA SE FORMAVA
UM VENTO FRIO SOPRAVA
E AÍ ME ACORDEI DIZENDO:
SÓ NO SONHO VOU VIVENDO
NO SERTÃO ONDE EU MORAVA

PAULO ROBÉRIO


Poesia enviada pelo Autor

CANTIGAS E CANTOS