Palhaço Facilita
Ele foi paixão de primas, de madrinha, de afilhada, uma mais velha, outra mais nova… ambas loucas!
Talvez a cara pintada acenda esses desejos, esses fetiches, nas mulheres desprovidas de certa alegria. Talvez…
O velho palhaço entrou no picadeiro afastando duas belíssimas cortinas em cetim amarelo ouro para a sua passagem. Trazia na mão esquerda um troféu recebido como prêmio. Fora eleito “O Melhor Palhaço do Brasil” havia três meses apenas.
O troféu foi delicadamente colocado sobre um grande tapete vermelho escondendo a madeira do picadeiro.
Também trouxe no braço direito o filho, único, ao palco. Todas as luzes do ambiente foram apagadas, restando apenas um canhão platinado iluminando ambos, do peito do artista para cima.
O garoto de uns seis anos nos braços do pai, vestido e pintado como palhaço, piscou os olhos duas vezes para acostumar a vista à iluminação.
Iniciou-se o diálogo.
- Meu filho, quando eu não puder mais pintar o rosto?
- Eu pinto, papai.
- E quando eu não puder mais vestir roupas coloridas e folgadas?
- Eu visto, papai.
- E quando eu não puder mais calçar sapatos longos?
- Eu calço, papai.
- Meu filho, e quando eu não puder mais subir ao picadeiro?
- Eu subo, meu pai.
- E quando, meu filho, eu não puder mais contar piadas?
- Eu conto, papai.
- Quando eu não puder mais fazer uma criança sorrir?
Houve um silêncio. Teriam ensaiado aquele singular diálogo?
- Eu faço, meu pai.
Havia um silêncio em todo o circo. Um silêncio de alguns minutos parecendo secular, quebrado pelo estalo do beijo do velho palhaço no pequeno em seu braço.
- Estão vendo? Tenho trinta e oito anos de vida circense; num circo nasci, num circo cresci, num circo eu vivo até hoje. Comecei como palhaço há vinte anos exatos! Ser palhaço é uma profissão como outra qualquer, dela me orgulho. O palhaço exerce uma profissão tão digna quanto a de bancário, por exemplo, (…)”
E o emocionante discurso continuou para uma plateia atenciosa e emudecida.
Havia choro por todos os cantos, sob a lona colorida em verde e amarelo, suspensa e presa lá em cima em dois mastros de ferro. Das cadeiras às arquibancadas de tábuas gastas e soltas, chamadas de “poleiros” pela gente daquela pequena cidade, o choro se estendia em soluços reprimidos.
Eu vi.
Eu ouvi.
Eu sabia a quem era direcionada aquela mensagem.
Ela, que por orgulho desistira daquela paixão avassaladora, sentava-se em companhia de amigas no lugar mais caro das numeradas, a poucos metros do lugar da cena. Também chorava disfarçadamente, com um sorriso bobo no rosto maquiado. Um choro de certa vergonha por sua falta de ousadia, de lágrimas borrando-lhe a pintura feita com capricho.
Do picadeiro o velho palhaço podia sentir o seu cheiro, de perfume bom e caro, colocado especialmente para chamar-lhe a atenção.
Ela baixou a cabeça. Era o sinal de sua covardia.
Quiçá tivesse sido encorajada em entregar-se aquele amor e hoje dançasse rumba pelos interiores do Brasil, sendo desejada, alegre, extrovertida, de bem com a vida.
“Meninas de lá de Cuba que vão à praia toda manhã (…) Depois de tudo eles querem: panrã-pan-pan. Pan-pan!”
Eu nem era pai ainda.
José Mílton Mariano da Silva, o Palhaço Facilita, é um alagoano que fugiu de casa para a vida circense aos treze anos de idade e cujo circo há trinta e oito anos corre os interiores potiguares e os bairros de periferia da nossa capital. A história acima narrada são lembranças deste menino crescido com nome de santo que aqui vos escreveu, baseada em uma cena real com o palhaço da foto que ilustra esta coluna. Mílton Mariano foi batizado como Palhaço Facilita num picadeiro, honrado por ter sido eleito por Luiz Gonzaga, O Rei do Baião.
Jornal Besta Fubana
Facilita, foi o melhor Palhaço que vi em um circo. Lembro demais quando ele esteve aqui em são José. no Circo Mágico Nelson e quem não lembra? isso foi lá no final do anos 70. Gostei dessa publicação. Parabéns pelo seu blog. Sempre divulgando a cultura.
ResponderExcluirAntônio Neto
Eita, quanta saudade de Facilita e o circo Mágico Nelson.. Esse sim era um palhaço que matava a gente de rir.
ResponderExcluirKátia Alves