terça-feira, 16 de julho de 2013

Longa-metragem » Filha de João Cabral de Melo Neto fará filme baseado em poema do pai

João Cabral escreveu poema histórico sobre Frei Caneca.
Foto: CDI/Arquivo/Reprodução.
João Cabral escreveu poema histórico sobre Frei Caneca. Foto: CDI/Arquivo/Reprodução.
Filha do poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto (1920-1999), a cineasta Inez Cabral vai tirar do papel um projeto antigo. Vai transformar em filme o Auto do frade (Alfaguara, R$ 14,90), poesia escrita pelo pai, cuja narrativa é centrada nas últimas horas de vida de Frei Caneca (1779-1825). Aprovado pela Lei Rouanet para o formato de distribuição gratuita, o longa-metragem está em fase de captação de recursos junto a empresas, cujo investimento pode ser abatido dos impostos devidos. 

Desde pequena, Inez ouvia reclamações do pai sobre o esquecimento do líder pernambucano, de quem era grande fã. “Dizia que, no Brasil, só se falava de Tiradentes e, se ele tivesse intimidade com cinema, faria um filme a respeito de Frei Caneca. Então dei a ideia para ele escrever e eu transformar em vídeo. Ainda em vida, meu pai viu o projeto e curtiu muito”, conta Inez. Segundo ela, o longa-metragem não foi rodado por falta de recursos. O projeto havia sido aprovado sem a trilha sonora (de Jaques Morelenbaum), e não foi para frente. Agora foi aprovado integralmente.

Antes de morrer, o poeta deixou documento concedendo os direitos sobre o texto. A carta traz comentário do autor sobre o projeto: “…parece que [a adaptação] expressará muito bem a essência da mensagem que quiz (sic) transmitir ao narrar o último dia do mártir pernambucano, tão erroneamente interpretado fora de sua região”. A obra se chamaria Poema para vozes (atual subtítulo), mas João Cabral não gostou (“quem vai ver um filme com um nome desses?”). Ficou O frade.

Inez Cabral quer equipe jovem e dinâmica para comandar o projeto. Foto: Roberto Ramos/DP/D.A Press.
Inez Cabral quer equipe jovem e dinâmica para comandar o projeto. Foto: Roberto Ramos/DP/D.A Press.












Vai ser uma espécie de mistura de radionovela, mídia ninja, documentário histórico e espetáculo ‘son èt lumiere’, com mapas e gravuras sublinhando o texto, e com os atores fazendo parte da trilha de áudio”, revela Inez. Sobre as gravações, ela antecipa que, para as cenas nas ruas do Recife, pretende convidar grupo de teatro local, a fim de deixar marcado o sotaque pernambucano. 

“Ainda falta decidir a equipe técnica, mas quero gente jovem, com uma linguagem mais dinâmica. Acredito estar em uma posição privilegiada, pois conversei muito com meu pai sobre O frade. Além do mais, o fator genética existe”. O enredo do filme seguirá o auto escrito por João Cabral, enfocando a morte de Frei Caneca, vivido pelo ator paraibano José Dumont (que protagonizou adaptação para o cinema de Morte e vida severina).

Para a cineasta, a distribuição gratuita do longa pode viabilizar a formação de estudantes, democratizar o acesso ao filme, com renovação do público e estímulo à reflexão. Empresas que desejarem investir podem entrar em contato pelo e-mail inezcabral@gmail.com. O longa-metragem terá 70 minutos e orçamento de R$ 577,4 mil. A contrapartida é a inclusão da marca da empresa nos créditos do filme (que circula com 1,5 mil cópias), no DVD e produtos de comunicação ligados ao projeto.

 LIVRO
Auto do frade, de João Cabral de Melo Neto
Formato: 12 x 17
Páginas: 104
Preço: R$ 14,90

TRECHO
A Gente Nas Calçadas.
- Não se parece a este o cortejo
de alguém a caminho da forca.
- Parece mais bem procissão,
Governador que vem de fora.
- Que gente que veio na frente,
bandeira, padres, gente de opa?
- São os irmãos da Santa Casa,
que se diz da Misericórdia.
- Quem são os que passam depois
de roupas sinistras mas várias?
- São os escrivães, mais os meirinhos:
não abrem mão de suas toucas.
- Outros conheço de uniforme,
são da milícia e são da tropa.
- Para que trazer tanta força
contra um frade doente e sem forças?
-Que ninguem de aproxime dele,
Ele é um réu condenado à morte.
Foi contra Sua Majestade,
contra a ordem tudo que é nobre.
Republicano, ele não quis
obedecer ordens da Corte.
Separadista, pretendeu
dar o Norte à gente do Norte.
Padre existe é para rezar
pela alma, mas não contra a fome.
Mesmo vestido como está,
com essa batina de monge,
para receber seu castigo
é preciso que ele se assome.
Que todo o cortejo avance!
Temos que chegar ainda longe.

O FRADE 
Frei Joaquim do Amor Divino Rabelo (1779-1825), conhecido como Frei Caneca, foi um religioso e político pernambucano. Esteve implicado na Revolução Pernambucana (1817) e na Confederação do Equador (1824). Em 1825, é condenado à forca, mas, diante da recusa de todos os carrascos em cumprir a sentença, acaba sendo fuzilado por um pelotão de 12 homens.

Fellipe Torres - Diario de Pernambuco

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