Referência
da moderna MPB no mundo, cantora avisa: ‘Eu não sou gringa’
RIO — A segunda-feira, cinzenta e de chuvas intempestivas,
era o exato contraponto para aquela quarta-feira, 5 de dezembro do ano passado,
em que Bebel Gilberto gravou seu primeiro DVD, “in Rio”, agora lançado no
Brasil pela Biscoito Fino. Em uma sala do Hotel Fasano, a alguns passos do
trecho de areia no Arpoador em que o palco do show foi montado, a cantora fazia
um inventário das lembranças.
— Aquele foi um dia muito
especial, sem vento. Tudo o que a gente achou que podia acontecer não aconteceu.
E estava meio frio, deu ainda para pegar a névoa do fim do dia. Parece que foi
encomendado! — admira-se Bebel, que fez o “reconhecimento do palco” na terça,
dia de Iansã (“Eu estava toda montada, de vermelho, e as pessoas comentaram”,
conta), e, de repente, se recordou dos ensaios que fazia, ainda menina, para o
musical “Os Saltimbancos”, cuja histórica montagem estreou em 1977 no Canecão.
Cenário carioca idílico
Referência da moderna música
brasileira no exterior, Bebel desfila no DVD (que também sai em versão CD com
uma faixa extra, “Tanto tempo”) em meio a um idílico cenário carioca, com
banhistas, pipas, prédios e morros, numa passagem de tarde para a noite. No
repertório, algumas canções dos discos que a transformaram em estrela
internacional: “Tanto tempo” (2000), “Bebel Gilberto” (2004), “Momento” (2007)
e “All in one” (2009).
— Eu queria a praia, o sol, a
luz. E o fato de ser no Arpoador era a perfeição total — diz a cantora, que
conseguiu reunir na plateia velhos amigos dos tempos do primeiro Circo Voador,
montado em 1982, naquela mesma areia. — Acho que só não foi quem estava no céu.
E olha que alguns foram, como o Caju (o cantor e parceiro musical Cazuza, morto
em 1990).
Projeto que Bebel alimentava há
pelo menos três anos, “In Rio” é a primeira produção da cantora por seu próprio
selo, Bebelucha, com patrocínio da Prefeitura e da Riotur.
— Este DVD é um cartão-postal
do Rio, um presente para a cidade, feito com muito amor. E esse fato de fazê-lo
no Rio e lançá-lo antes aqui está dando briga nos Estados Unidos, tem gente que
não quer mais lançar lá — confidencia Bebel que, daqui para a frente, pretende
passar cada vez mais tempo no Brasil. — Eu corro o mundo, mas agora estou
fazendo exatamente o movimento contrário. Ponho-me como uma representante do
Brasil, internacional e nacionalmente, dizendo: “Olha, eu não sou gringa!” E
avisando aos gringos: “Sou uma brasileira que está mostrando o Rio para vocês
de uma forma que nunca foi mostrada.”
Dirigido por Gringo Cardia (um
dos amigos que Bebel fez na época do Circo), o DVD “in Rio” teve que ser
realizado de maneira cronometrada. O show começou às cinco da tarde, para dar
tempo de fazer cada uma das 17 músicas duas vezes, e fechar os trabalhos por
volta das dez da noite. Sem parar, em transe total (“Foi como no cinema, nada
te distrai”, diz Bebel). Duas músicas foram gravadas em estúdio, “Samba e amor”
(que ela dividiu com o autor, o tio Chico Buarque) e “Sun is shining”, de Bob
Marley, que ganhou um belo clipe num amanhecer na praia, fechando o DVD. De resto,
o som de “in Rio” foi todo captado ao vivo.
— Eu trouxe um microfone
poderoso que na última hora resolvi usar — diz Bebel. — Teve até som de fora,
mas ele só pegou a minha voz.
Para a cantora, “in Rio” fecha
um ciclo em sua carreira. Ela pretende agora fazer uma turnê brasileira do DVD
(com shows nos bares Londra, no Rio, e Baretto, em São Paulo, previstos para a
primeira quinzena de julho), enquanto cumpre compromissos no exterior (que
continuam a ser muitos). Bebel ainda participa da homenagem a Cazuza que abre o
Rock in Rio dia 13 de setembro.
— Acho que vai ser ótimo. O que
eu sei é que vou cantar “Todo amor que houver nessa vida” — adianta ela, que
deve começar a gravar um novo disco ainda neste ano. — Com certeza, ele terá
Kassin e Liminha (produtores musicais de “in Rio”). E talvez (os também
produtores) Jon King e Mario Caldato. Ainda tenho a ideia de chamar a (cantora
e atriz) Charlotte Gainsbourg. Ela é minha deusa. A gente se conhece por alto,
por e-mail. Ela é bem reservada.
Planos, Bebel tem vários. Para
o novo disco, ainda pensa em recrutar a musa do novo jazz Norah Jones (“‘Rome’
é o disco da minha inspiração de 2012, eu acordava e o ouvia”) e Sharon Jones,
cantora que nesta semana anunciou a interrupção de uma turnê para se tratar de
um câncer (“A gente ficou bem amiga, vou chamar também a banda dela, os
Dap-Kings”).
João gilberto, ‘maravilhoso e
fofo’
E quanto ao Brasil? Algo que a
anime no atual cenário musical?
— Eu tô sempre mal situada, mas
tem gente bacana — conta Bebel. — Adoro o último disco do Otto (“The moon 111”)
e me diverti muito com a Anitta. Como é mesmo aquela música dela? Sim, “Meiga e
abusada”. Adooooro! A música é chiclete, e ela fala tudo que todo mundo quer
falar. Por que não? Eu estou numa onda “meiga e abusada”!
Sobre o pai, João Gilberto, a
cantora diz que ele está “maravilhoso e fofo”, apesar de todo o imbróglio
acerca das fitas masters de seus primeiros LPs.
— Eu procuro não saber sobre
essas coisas. Meu pai anda muito carinhoso, e muito feliz que eu estou aqui,
vou passar o aniversário com ele.
SILVIO ESSINGER
O GLOBO
Nenhum comentário:
Postar um comentário