Maciel Melo
ainda era o "Neguinho de Heleno" quando vendia picolé e engraxava
sapato para ajudar o pai Heleno Louro, agricultor e mestre sanfoneiro que
animava festas de Iguaraci, no Sertão pernambucano, a 363 km do Recife. Trocou
o Rio Pajeú pelo São Francisco, em Petrolina, trabalhando em escritórios. Aos
20, decidiu abraçar a carreira de músico, considerada "vagabundice"
no interior, e rumou para a capital. Esse é o marco inicial da carreira deste
caboclo sonhador, que está completando 30 anos, celebrados com lançamento
biografia, disco, DVD e uma homenagem do São João do Recife. Ter a música
"Rainha" na trilha da novela global "Flor do Caribe" também
é um presente.
A canção é uma homenagem à mãe dele, Maria de Lourdes,
escrita há anos, gravada apenas no disco "Sem ouro sem mágoa"
(2009). "Oh Maria Lourdes da Labuta/ Em Sumé foste doce, amarga e
bela/ Paraíba foi tua passarela/ Pernambuco te trouxe a sedução/ O destino
entregou tua missão/ Onze itens [filhos] a ti foi destinado/ E a lei que
constitui o teu reinado/ Foi escrita com a tinta do perdão", diz a letra.
Já "A poeira e a estrada" é o nome da biografia, escrita pelo próprio
Maciel Melo durante os últimos três anos, que será lançada na segunda-feira
(17), no Paço Alfândega, no Bairro do Recife, às 19h, junto com uma exposição
sobre a carreira do artista.

Maciel gosta de escrever e acha que ninguém melhor que ele
pode contar o que viu, ouviu e viveu. "Eu sempre escrevia e guardava
textos sobre assuntos que giravam em torno da geografia cultural e política do
Pajeú, então resolvi reunir num livro. É a história do Neguinho de Heleno que
saiu para o mundo para vencer, e fui floreando aqui e ali, romanceando
passagens. Não tem uma ordem linear", explicou em entrevista ao G1,
durante passeio de carro por mais de hora, amansando o trânsito bravo do
Recife.
Um CD e um DVD
homônimo ao livro devem ficar prontos até julho. O DVD foi gravado em 2012, no
Teatro da Boa Vista, e contou com a participação de Chico César, Jessier
Quirino, Jorge de Altinho, entre outros. O disco "Minha metade",
lançado este ano, é comemorativo aos 30 anos de carreira. São 14 faixas, sendo
duas regravações de Luiz Gonzaga, onde Maciel canta com Alceu Valença
("Assum preto") e Zeca Pagodinho ("Qui nem jiló"). As
outras são xotes, baiões, toadas e canções inéditas, com participações de Zé
Ramalho, Fagner, Geraldo Azevedo, Elba Ramalho, Dominguinhos e Quinteto Violado.
Este último grupo pernambucano, inclusive, foi quem batizou
Maciel Melo como compositor, ao gravar a música "Erva doce", em 1985.
A banda fazia enorme sucesso naquela época, e a canção estourou. O artista já
morava no Sudeste do País. É que depois do Recife, ele mudou-se para São Paulo,
onde compôs "Caboclo sonhador", em 1982. "Ela é uma espécie de
carta musicada para minha família. Estava no centro financeiro do País para
tentar ser artista, ninguém ia mudar minha cabeça", contou.
Os primeiros versos da letra mandam exatamente esse recado:
"Sou um caboclo sonhador/ Meu senhor, viu?/ Não queira mudar meu verso/ Se
é assim não tem conversa/ Meu regresso para o brejo/ Diminui a minha
reza". Mas a saudade de casa estava no matulão do sertanejo:
"Mergulhado nos becos do meu passado/ Perdido na imensidão desse lugar/ ao
lembrar-me das bravuras de Neném [irmã mais velha de Maciel]/ perguntar-me a
todo instante por Baía [irmã]/ Mega e Quinha [irmãos], como vão? tá tudo bem?/
Meu canto é tanto quanto canta o sabiá".
A composição só foi descoberta dez anos depois por Flávio
José, que estava no auge da carreira e a gravou. Fagner também, popularizando-a
ainda mais em todo o Brasil. O cantor cearense afirmou que a canção era um
divisor de águas, ao recriar o forró nordestino na década de 1990. O
diferencial de Maciel Melo eram as melodias habilidosas e as temáticas novas.
"Eu sempre tive preocupação grande com a poética, a qualidade dos
arranjos. Em 'Caboclo sonhador', por exemplo, uso palavras que não são
rotineiras no forró. A minha intenção era fazer algo que não fosse banal, que
botasse as pessoas para pensar e questionar", falou.
Esse talento foi reconhecido desde cedo, quando gravou o
primeiro disco, "Desafio das léguas", em 1989, já com participações
luxuosas de Vital Farias, Xangai, Décio Marques e Dominguinhos. Na época, ele
morava em Salvador e estava envolvido com a musicalidade local. "Foi num
show lá que conheci Dominguinhos e perguntei se dava para colocar a sanfona
dele no meu disco, e marquei para o outro dia. Achava que ele nem ia lembrar,
mas quando cheguei no estúdio ele estava lá embaixo, me esperando. Foi quando vi
a grandeza dele, a genialidade, simplicidade, vai deixar um legado enorme para
nós", lembrou.
Maciel
Melo faz letra e melodia. Tem centenas músicas no papel e quase 200 gravadas.
Paulinho da Viola e Djavan são intérpretes ainda desejados. Na música
universal, urbana, elegeu Chico Buarque como compositor favorito. Já o poeta da
música regional, para ele, é Zé Dantas, um dos grandes parceiros de Luiz
Gonzaga, nascido também no Sertão do Pajeú, em Carnaíba. "A música que eu
faço é a que Gonzaga gostava de cantar. Até pelo fato de eu ser discípulo dele
e ter saído do Sertão com a minha personalidade formada, mantenho viva a
‘sertanidade’ na minha obra, as tradições e costumes do povo como temas, a
aridez nas canções. Acho que 20% das minhas letras ele gravaria", palpita.
Homenagem
Iguaraci foi o berço de tudo, onde o Neguinho de Heleno ouviu os primeiros sons
da sanfona do pai, das violas dos repentistas, a poesia dos cantadores. Quem
chega lá vê na entrada da cidade a placa que diz "Terra de Maciel
Melo". Agora, é a vez de o Recife, cidade onde mora, celebrar o artista.
"Fico muito feliz com o reconhecimento dos meus conterrâneos. E quando fui
indicado para ser o homenageado do São João aqui fiquei até meio silencioso,
por causa da responsabilidade de ser escolhido entre tantos, pois Pernambuco é
o celeiro do Nordeste. Estou honrado porque isso é prova que meu trabalho é
útil."
Sabendo que sua música vai longe, Maciel não deixa de usá-las como protesto,
como fez em
"Pingo d'água" e "Meninos do Sertão", esta última gravada
em 2000 por Zé Ramalho. "Acho que a função da gente não é só entreter, mas
denunciar, questionar. Tem gente que é alienada, se for falar de política some,
mas escuta se for música. Então essa é uma maneira de chegar aos ouvidos dos
desatentos", comentou. As letras do sertanejo podem ser duras, mas
amolecem os quadris, são feitas para dançar. Ele muda arranjos e até usa
guitarra elétrica, mas nunca fere a essência do que acredita ser o verdadeiro
forró. "Pode me chamar de cafona/ Eu gosto é de sanfona/ Eu gosto é de
forró", canta seus versos de "O Velho arvoredo".
Serviço
Lançamento do livro "A Poeira e a Estrada", de
Maciel Melo
Segunda-feira (17), às 19h
Paço Alfândega - Rua da Alfândega, 35, Bairro do Recife
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| Maciel Melo, durante show que virou DVD (Foto: Divulgação) |
Luna Markman - Do G1 PE
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